domingo, 2 de junho de 2024

sexta-feira, 31 de maio de 2024

sábado, 18 de maio de 2024

Valente Olenca

 

VALENTE OLENCA

Olenca disse: “Nunca pensei que ia viver o Dilúvio da Bíblia”!

Eu disse: “E a lenda de Atlântida junto”.

Bairros e cidades submersas. Arcas e noés anônimos contra as águas encharcadas de desmatamento, gasolina, asfalto e lucro de nossas cabeças.

Olenca disse: “O arroio Barnabé virou uma lagoa, daqui a pouco vira mar”.

Eu disse: “Na Vila Rica dessa nossa aldeia, ainda não econtramos com o Tiradentes, mas me reencontro com a primeira escola onde pude lecionar História, há 16 anos”.

O frio e a chuva umedeceram os nossos ossos e somente o calor dos voluntários, de professoras e professores, fazia-se de lenha na lareira da fraternidade.

Olenca disse: “Eu levantei tão triste, mas esse pão fresquinho, esse cheirinho de café, essa música doce e um batom nos lábios espantaram, ao menos por agora, as nuvens de tristeza do meu coração”.

A professora disse: “Enquanto comemos, cantamos e depois arrumamos os cabelos, que amor de mãe é assim, imitação de Cristo, talvez mais”.

E os pais e os que não tinham filhos foram mães também naquela manhã, uns com os outros.

Olenca disse: “Da próxima vez, quero ouvir uma canção do Nelson Coelho de Castro”!

Eu disse: “Pode deixar, guria. Se eu conseguir aprender as notas, claro”.

Foi um lindo coral que formamos no dia 12 de Maio, Dia das Mães. Há nove anos, fisicamente, perdia a minha, mas por 30 minutos, tive dezenas de novas mães e elas um novo filho. Independente das crenças, era domingo dos navegantes também.

Ao mesmo tempo, vindos da cidade vizinha, recebia parentes, buscando abrigo em minha biblioteca, depois de fugirem da inundação das bromélias que o nosso rio alagou. Vieram da beira da ponte. Local onde um dia, muito antes da enchente, inclusive antes ainda da enchente de 1941, houve uma pequena cachoeira que dos mapas foi dinamitada.

Cantamos na escola das mães desabrigadas o Bob Marley, os Beatles, até o Mario Quintana e o Paulo Leminski. E as palmas delas nunca saíram do ritmo.

Foi um anjo quem me convidou para ir até lá. Mais do que ser ouvido, ouvir. Outros anjos espalhados pelo Rio Grande inteiro faziam o mesmo, no mesmo instante, e seguem fazendo até agora, possivelmente, muito melhor do que eu. É que cada gesto nosso ajuda as águas baixarem – afinal, foram gestos humanos que as transbordaram. Voaremos de novo, mesmo com as asas molhadas.

(carlos albani, gravataí-rs, 16/05/2024)

Leia no site SEGUINTE: https://seguinte.inf.br/valente-olenca/

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Dia das Mães Solidário Enchentes RS (Live CoV)



Tinha um dia das mães em maio… mas o dilúvio levou tanta coisa!

Só não conseguiu levar o Amor, a Solidariedade e a Poesia! VAKINHA para as casas inundadas da VILA EUNICE (Cachoeirinha/RS) pix: 4731819@vakinha.com.br Cozinha Solidária MTST pix: enchentes@apoia.se SOS RS pix: 92.958.800/0001-38 Enquete Entidades Culturais Afetadas forms: https://bit.ly/FormCulturaRS ONG e Biblioteca Cirandar Rua da Praia pix: 10.545.681/0001-27 Livraria Taverna (Casa de Cultura Mario Quintana) pix: livrariataverna@gmail.com Livreiros Atingidos Câmara Brasileira do Livro pix: adm@camaradolivro.com.br SOS Música Forms: https://forms.gle/oddEQ6B2gT8CF2Gf8 Ajuda Desabrigados ULBRA Canoas pix: soscanoas@ulbra.br Abrigo Para Mulheres e Crianças em POA: @institutoesefossevoce #enchentes #tragédias #rs #meioambiente

segunda-feira, 6 de maio de 2024

ENCHENTE


 ENCHENTE

Enchente subindo - noite e dia subindo
Ouro e prata saqueados
Zezão olha prum lado, olha pro outro
Obscuros momentos da vida
Ele chegou no Rio Grande
Vale das Bromélias
Nada mais foi como era:
Enchente por todo lado
Enchente subindo - casas submersas
Pedro perde o pouco que tem - povo deixando seus ninhos
Beta quase teve um piripaque
Daí não gritou, mas todos ouviram:
"Temos que dançar a dança que não sabemos dançar"!
Isso é muito duro:
Enchente por todo lado
Muitos adoravam carros velozes
Motores potentes
No banco de trás, sem cueca e calcinha
Agora carro, cueca e calcinha boiando
Honestos e filhos da puta
Mereciam mais respeito
Tudo encharca e se desmonta:
Enchente por todo lado
Enchente subindo - 45cm acima das nossas cabeças
Caixões caravelas a nadar
Até caiaques feitos de chumbo
Água entrando no jardim da minha infância
Ninguém sabe direito o que fazer
"Não quero sair de casa" - alguém disse
"Não vê que estamos nos afogando"?
É duro mas é aqui:
Enchente por todo lado
Jorge disse pro italiano, pro português, pro pai de santo:
"São muitas opiniões
Impossível embarcar em todas"
Carlos ficou ilhado na velha várzea que nunca encheu
O Prefeito Sumo Sacerdote com sua
Calça molhada na perna esquerda e direita
Não importa a perna:
É a enchente por todo lado
Os pássaros cantam enquanto voam
Ao primeiro raio de sol
Todos pregamos a palavra de Deus
Mesmo arrancando os próprios olhos
Pedi comida a Nana
Ela generosa me deu uma cesta básica
Dizendo: "A maior pessoa da Terra
"Não é maior que a si mesma"
Eu falei que isso não importava e comi:
Enchente por todo lado
Amanhã é levantar cedo - pegar na melhor, qualquer, vassoura
Quando voltar o espaço feito
Feito pelos homens pra gente pisar
Naquela hora quando ainda predominavam trovões
Tudo ficou muito triste
Como ninguém consegue ser feliz
Vendo a quem ama, triste
E se assim você também está mal
Só resta fazer as coisas melhorarem
E tudo segue feio por aqui:
Com essa enchente, lodo, por todo lado.
(carlos albani, inventor do vento, 06.05.2024)

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Makiné

 



MAKINANDO o MAKINÉ
(carlos albani, o inventor do vento)

Ele sabe bem o que quer: Com a cabeça em Makiné Na cobiça dos verdes diamantes Dos vermelhos tupinambás Sua galera do oriente fenício Remou e alcançou o além-mar Ele sabe bem o que quer: Com a cabeça em Makiné É a história de Kartpheq, o feiticeiro Rabiscada em papiro brejeiro Que o João Rosa canta Conto de israelitas, egípcios, escravos caldeus Adoradores do deus Baal-Jeová Ele sabe bem o que quer: Com a cabeça em Makiné O velho escriba com sangue inocente Escreveu um desejo indecente De só ganhar e ganhar Mas havia outros vícios tinhosos No calor dos tristes trópicos antes do português chegar É a fé é que move as montanhas E o dinheiro as compra e vende Só o amor derruba as cavernas Das pedras de Sumé
Dentro do peito da gente
*Para João Guimarães Rosa, 1908 a 1967

#rumoas100cançõesnospotify

quinta-feira, 21 de março de 2024

Planeta B (Dia Mundial da Poesia)


 PLANETA B

Será que alguém precisa lhe dizer?

Não existe um planeta B

Será que alguém precisa lhe dizer


Existe carro de montão

Computador e avião

Existe fábrica na América

Na China, na Nigéria


De montão existe plástico

Remédio, droga e TV

Existe arma e preconceito

Luta de classes e religião


Existe jogo de montão

Desejo, dinheiro e alienação

Telefone, açúcar, álcool

Machismo e ostentação


Muito agrotóxico e veneno

Colesterol e infecção


O capital só tem plano A

Que é: lucrar lucrar lucrar

O socialismo aonde está?

No ar, no ar, no ar

(Letra e música por Carlos Albani - Inventor do Vento)

Dante & Mallarmé

Ó Suma Luz que tanto, dos errantes

mortais, te elevas, ora à minha mente
um pouco reapareças como dantes,

e faças minha língua tão potente
que uma centelha apenas de tua glória
possa deixar para a futura gente;

...

À fantasia foi-me a intenção vencida;
mas já a minha ânsia, e a vontade, volvê-las
fazia, qual roda igualmente movida,

o Amor que move o Sol e as mais estrelas.

(Trechos do Canto 33 do Paraíso da Divina Comédia de Dante, 1321, traduzido por Italo Eugenio Mauro).


Seria
pior
não
mais nem menos
indiferentemente mas tanto quanto.
(SERIA, Mallarmé, arte por Merse,
tradução por Fauno, antes de 1898).

#poesia #tradução #simbolismo #mallarmé




terça-feira, 19 de março de 2024

O Fim do Verão (Eugénio de Andrade)


No Fim do Verão

No fim do verão as crianças voltam,
correm no molhe, correm no vento.
Tive medo que não voltassem.
Porque as crianças às vezes não
regressam. Não se sabe porquê
mas também elas
morrem.
Elas, frutos solares:
laranjas romãs
dióspiros. Sumarentas
no outono. A que vive dentro de mim
também voltou; continua a correr
nos meus dias. Sinto os seus olhos
rirem; seus olhos
pequenos brilhar como pregos
cromados. Sinto os seus dedos
cantar com a chuva.
A criança voltou. Corre no vento.

Eugénio de Andrade, 'O Sal da Língua' (1995)


sábado, 16 de março de 2024

Dia do Livro Independente (16M)

 

ENCANTAMENTO PARA DIAS SEM VENTO
Levanta a saia da vida – moça bonita, mas tão traiçoeira
Sopra as barbas do tempo: matá-lo antes que ele nos mate
Descabela a peruca da riqueza
(Exceto se for a riqueza de espírito)
Afaga o rosto das crianças, sorri com elas e chora também
Quando a fome bater, em noites sem vento e se sentir sozinho
Ladra com os cães
Pois
Não só no ar está a força divina
Pergunta sem medo:
É a ave quem se deixa levar pelo vento ou é por causa dela que ele sopra?
Brisa assim o amor logo que deixarem a janela aberta
Roda o mundo
No bafo de menta da jovem na escola
Não há abrigo para qualquer tempestade que não esteja na própria tempestade!
Pois então sopra quando o vento sorrir
Para cavalgar o vento – No dia fora do tempo
E ventila assim o inferno geral
em que
estamos
metidos.
(Carlos Albani - Inventor do Vento)