UM
CHIMARRÃO ABOLICIONISTA
Ferveu
a água, cevou o mate no porongo plantado em casa, meteu a bomba de
ferro e saiu ruminando sobre a ABOLIÇÃO da ESCRAVIDÃO no jardim de
sua biblioteca em Gravataí. Estou falando do vovô anarquista,
Jamboré Jucundô, que vive no auge dos seus 88 anos e decidiu neste
13 de Maio conversar com alguns protagonistas da Abolição.
O
vovô sabe que a Abolição foi o primeiro grande movimento popular a
incendiar o Brasil politicamente. Passados apenas 131 anos da
Abolição, ele também sabe que a escravidão durou cerca de 350
anos no país. O primeiro convidado da roda de chimarrão, JOAQUIM
NABUCO (1849-1910) foi quem falou que, infelizmente, a escravidão
sempre existiu, no Mundo Antigo e Medieval (maquiada de feudalismo),
conforme pesquisou para o seu livro de 1883, O ABOLICIONISMO. Porém,
a escravidão moderna foi quem trouxe milhões de escravos da África
negra (Nigéria, Congo, Angola, Moçambique), a partir de 1500, para
as Américas. Assim a escravidão negra virou o primeiro grande
NEGÓCIO CAPITALISTA em escala global, movimentando fortunas de
dinheiro.
Sem
escravos negros não haveria a indústria do açúcar, do café, a
grande extração de ouro e prata de rios e montanhas das Américas,
a indústria do tabaco, do cacau, do algodão. Em nome desses lucros,
os empresários e os piratas do mar e da terra, com incentivo dos
reis colonizadores da França (no Canadá, Haiti, Guiana), da
Inglaterra (no Canadá, EUA, Jamaica, Guiana), da Holanda (no
Suriname, no Mar do Caribe), do Portugal (Brasil), na Espanha (do
México à Argentina), esses piratas empreendedores chegaram até
mesmo a usar a religião para justificar o trabalho escravo: os
africanos eram pecadores por seguirem seus orixás e desconhecerem a
Bíblia ou o Cristo: assim deveriam purgar com a escravidão para
alcançarem a salvação da alma.
Todos
paramos para ouvir o trágico canto do poeta baiano Antônio de
CASTRO ALVES (1847-1871), VOZES D´ÁFRICA (1870) que, quase no final
do poema, diz assim “Cristo! Embalde morreste sobre um monte… /
Teu sangue não lavou de minha fronte / A mancha original”. Essa
baboseira religiosa, muito oportunista e interesseira, multiplicada
por toda a crueldade e a violência do regime escravocrata deixou
para nós, além do profundo mal do RACISMO, como também, uma aguda
desigualdade social entre todos os herdeiros da escravidão, nas
favelas, mangues e periferias urbanas, de um lado, e os herdeiros dos
colonizadores donos de escravos e de terras, por outro lado.
Veja
que o direito de PROPRIEDADE era tão esdrúxulo e, ao mesmo tempo,
tão poderoso que muito fazendeiro queria ser indenizado após a LEI
ÁUREA. Por isso, e quem toma a palavra é o famoso ministro da
Fazenda do primeiro presidente do Brasil, o RUY BARBOSA (1849-1923),
que nos contou que mandou queimar, em 1890, todos os documentos
nacionais da alfândega e das aduanas que anotavam as matrículas de
compra e venda de escravos. É que a elite é muito agarrada aos seus
privilégios e interesses, tanto que, na época, gente como o
Visconde de Rio Branco (1871) e o Barão de Cotegipe (1885) fizeram a
Lei do Ventre Livre e, depois, a Lei dos Sexagenários: aparentando
ser leis bonitas e lindas, elas empurravam para frente a vida da
escravidão no Brasil. Vovô sentiu no ar uma indireta para não
comprarmos uma certa marca de erva-mate.
Então
eu perguntei: mas por que a escravidão caiu no século XIX em vários
países do mundo? Primeiro, porque a própria burguesia europeia
vivia a industrialização desde 1800, com máquinas a vapor para
fazer roupas e outras coisas. Assim era necessário trocar o
trabalhador escravizado pelo trabalhador assalariado que gastava seu
magro salário comprando as próprias roupas que fazia e outras
mercadorias que produzia em larga escala numa economia capitalista de
massas só possível com a invenção das fábricas. Segundo, porque
a luta por liberdade de todos os escravos nas Américas, com seus
QUILOMBOS, somou-se ao pensamento revolucionário da Revolução
Francesa de 1789. Quando o partido jacobino teve oportunidade ele
aboliu a escravidão em Paris e nas colônias francesas. Assim, numa
mistura de luta pela independência contra a colonização europeia e
de luta contra a escravidão, o Haiti, em 1790, numa imensa revolta
negra, acabou com o regime de escravos. O que foi se espalhando por
outros países americanos, passando pelo México em 1829, pelos EUA
após uma guerra civil, em 1865, Cuba e Porto Rico em 1886 e, por
último, o Brasil em 1888.
Quem
nos contou isso foi o engenheiro ANDRÉ REBOUÇAS (1838-1898): homem
negro que, com seu irmão Antônio, cortou ferrovias na Serra do Mar
e foi morrer na ilha da Madeira porque era amigo do rei Dom Pedro II,
mas defendia a reforma agrária. Nos disse uma grande verdade: o
negro liberto da escravidão, mas continuando SEM TERRA onde morar e
plantar, virará potencialmente um miserável na cidade grande…
A
Princesa Isabel do Brasil (1846-1921) não veio. Ela acha muito
vulgar compartilhar a baba dos outros tomando chimarrão gaudério e
não gostaria de queimar a sua nobre língua, da família Bragança,
com a água quente já que de uns tempos pra cá é candidata a
santa! Isabel, filha de Pedro II, foi quem assinou a lei de 13/05 de
1888, mas ela não só não gostava de política, como teve vários
escravos. Foi pouco popular no Rio de Janeiro, na serra de Petrópolis
em seu tempo, pois era bastante bajuladora do arrogante marido, um
francês chamado Conde D´Eu e metido a super-herói... A fama de
REDENTORA foi invenção do jornalista JOSÉ do PATROCÍNIO
(1854-1905): fundador da Sociedade Abolicionista Brasileira em 1880,
ao lado do André e do Joaquim, José era um amigo da monarquia
brasileira que foi derrubada em 15/11 de 1889 por um golpe militar
(em parte, porque a escravidão tinha acabado um ano antes).
José
também fundou a Academia Brasileira de Letras em 1897, ao lado do
genial Machado de Assis (que não quis tomar chimarrão e
ficou calado de pé, com a mão na barriga, nos observando
atentamente com cara de triste). José escreveu três romances, um
sobre a pena de morte: MOTA COQUEIRO, em 1877. José inventou até o
dirigível Santa Cruz que, infelizmente, nunca voou. Veja que esses
homens negros que saíram da maldição da senzala vinham de famílias
mestiças cheias de dramas: José do Patrocínio era filho bastardo
de um padre com a sua escrava. Curiosamente, o filho de José, o
ZECA, ou Patrocínio Filho, foi um escritor de sucesso, embora fora
dos cânones dos manuais de literatura brasileira: em 1927 vendeu 3
mil exemplares das crônicas A SINISTRA AVENTURA: REMINISCÊNCIAS DAS
PRISÕES INGLESAS, quando, viajando pela Inglaterra a trabalho, no
07/09 de 1917, foi preso suspeito de espionagem nos tempos da
ultranacionalista e ultracapitalista I Guerra Mundial (1914-1918)!
Inclusive conta que se apaixonou pela bailarina e espiã Mata Hari!
Zeca
Filho ganhou fama de hábil mentiroso, tanto que ninguém menos que o
poeta Manuel Bandeira teria visto o morto tentar sambar dentro do seu
caixão quando quem tocava no velório de Zeca, em 1929, era o
sambista SINHÔ. Assim como, pouco antes disso, muito doente, um
médico lhe recomendou como melhor remédio para meningite o leite
materno. Ao ver a bela enfermeira que o trataria, pediu ao médico
que a posologia do medicamento fosse feita com ele mamando…
Já
o abolicionista LUIZ GAMA (1830-1882) teve uma vida de reviravoltas
cinematográficas: filho de um fidalgo, ou seja, de um colonizador
português rico e metido a nobre com uma escrava que fazia doces na
Bahia. Sua mãe aderiu a rebelião dos escravos muçulmanos de
Salvador, a REVOLTA dos MALÊS, em 1835, e ele foi vendido pelo pai
para pagar as dívidas de jogo. Só com 18 anos, e trabalhando na
biblioteca de um delegado, conseguiu comprovar que havia nascido
livre. Formado como advogado popular (um rábula sem diploma) foi
para São Paulo advogar pela liberdade dos negros, escrevendo poemas
satíricos e juntando fundos para a abolição. Dizem que assim
libertou 500 escravos e colocou numa escolinha, patrocinada pela
maçonaria, outras 200 crianças. Em 1859 publicou o livro TROVAS
BURLESCAS de GETULINO onde anotou no poema QUEM SOU EU? os versos:
Tenho mui poucos amigos / Porém bons, que são antigos / Fujo sempre
à hipocrisia / À sandice, à fidalguia / Das manadas de Barões? /
… / Faço versos / não sou vate / Digo muito disparate / Mas só
rendo obediência / À virtude / à inteligência: / Eis aqui o
Getulino…
Falando
em livros, recebemos, já servindo o mate doce, com açúcar e água
quente, ao anoitecer, com o friozinho chuvoso de outono, a professora
MARIA FIRMINA dos REIS (1825-1917): professora do ensino básico por
quase 40 anos. A MARANHENSE, como assinou seus poemas (Cantos à
beira-mar, 1871), contos (A escrava, 1887), Úrsula (1859), este o
primeiro romance escrito por mulher no Brasil e trazendo nas suas
páginas uma personagem como Mãe Suzana que relembrou sua vida de
escrava no livro mas não se dispôs a ajudar o antigo patrão,
Fernando.
Ainda
precisamos abolir muitas coisas ruins que a escravidão nos deixou de
herança.
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
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