sexta-feira, 1 de março de 2013

Renúncia Papal


Artemisia Gentileschi, Susana e os Anciãos, 1622

Curiosidades sobre a história do cristianismo
Parte 1: Até a ascensão do islamismo
- Com o apoio do livro “Uma breve história do cristianismo” (2011) de Geoffrey Blainey -

Origens
- Provavelmente foi Paulo de Tarso, em Antióquia, quem criou o termo “cristão”;
- O mais antigo escrito do cristianismo encontrado até agora é a primeira epístola aos tessalônios, do mesmo Paulo de Tarso; manuscrito datado de cerca de 20 anos após a morte de Cristo;
- De acordo com os exegetas bíblicos, o evangelho mais antigo é o de São Marcos, provável amigo do apóstolo Pedro;
- O evangelho de Mateus, para muitos o mais claro e seguro, é considerado o mais famoso dos quatro evangelhos canonizados pela Igreja;
- Lucas, talvez médico e amigo de Paulo, provavelmente nunca tenha conhecido Jesus;
- João escreveu o mais recente dos evangelhos, em cerca de 90 d.C. Seu texto é, para muitos, o mais poético e diferenciado dos quatro depoimentos sobre Cristo;
- Outros evangelhos, não-reconhecidos pela Igreja, por isso apócrifos, pipocaram pelo Oriente Médio e Império Romano nos 300 anos iniciais de cristianismo, escritos, supostamente, por seguidores de apóstolos como Pedro; Tomé, Maria Madalena e até Judas Iscariotes.

Simbologia
- O domingo é o dia sagrado de quase todo o cristão, pois foi nesse dia da semana que Cristo ressuscitou;
- Somente em 525 a Páscoa cristã foi atrelada sistematicamente ao Pessach judeu;
- Em 246 a ideia de celebrar o nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro partiu dos patriarcas de Constantinopla, Alexandria e Antióquia, tomando-se como base o solstício de inverno no Hemisfério Norte: ou seja, o momento em que os dias começam a ficar longos novamente, assim como, aproveitando-se do antigo culto ao sol dos romanos;
- Maria, a mãe de Cristo, não teria morrido: ascendeu aos céus para o lado do filho. Assim ratificou o bispo Gregório de Tours em 594.

Kátia B – Só deixo meu coração na mão de quem pode (2011)

Sombrero LuminosoSintonia fina (2012)

Marcelo Jeneci e Laura LavieriFelicidade (2011):

Como se espalhou pelo mundo?
- Os cristãos souberam se aproveitar, em nome do universalismo de sua crença, da significativa unidade política/territorial construída pelo Império romano;
- O cristianismo disseminou-se primeiramente nas comunidades judaicas, por ser uma dissidência desse credo;
- Talvez tenha se beneficiado também da caridade e ajuda mútua em situações de crise (fome, epidemias) atraindo novos fiéis urbanos; como de costume, o campo resistiu mais às mudanças;
- A habilidade política de Constantino agilizou esse processo de expansão, considerando o cristianismo a religião adequada para os tempos de desagregação do Império romano no século 4, institucionalizando assim a mesma.

Primeiras Polêmicas
- Antes disso, porém, outros imperadores romanos condenaram o culto cristão: Nero, em 64; Décio, em 250; entre outros;
- Para o pregador egípcio Ário, que viveu nos anos 300, Deus e Cristo não eram a mesma coisa: Deus era uma entidade superior ao homem "quase divino" que foi Jesus. A heresia ariana foi duramente combatida pelo Concílio de Niceia (325);
- O bispo africano Santo Agostinho enfatizou a predestinação: nosso destino estaria traçado por Deus desde o nascimento;
- Helena, a mãe do imperador Constantino, pode ter sido a primeira peregrina cristã, visitando Jerusalém e abrindo o caminho para outros peregrinos com o destino de Belém e do rio Jordão;
- Já a primeira grande ordem de monges, a dos beneditinos, foi cria do eremita italiano São Bento: pretendia domar os males do corpo para que a alma triunfasse;
- Beda, o Venerável, monge beneditino britânico, descreveu, em 728, a passagem de duas “tochas incandescentes” (dois cometas) durante duas semanas pelos céus da Grã-Bretanha. Mensageiros de más notícias, para os cristãos, os cometas anunciavam a conquista do Oriente Médio pelos árabes-muçulmanos?

Na literatura
            Dois bons livros que abordam a vida de Cristo são: “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), do português José Saramago (1922-2010), em que Cristo é humanizado em seus dramas, sobretudo o encargo de ser o Messias e o peso dos crimes cometidos ao longo da história contra ou a favor de seu nome; e “A Última Tentação de Cristo” (1955) do grego Nikos Kazantzákis (1883-1957) em que Cristo, crucificado, sonha ser resgatado por um anjo, casando-se e vivendo uma vida pacata, sonho este ardil do demônio.

A Última Tentação de Cristo (1988)Dir.: Martin Scorsese (Trailer): 

Katia B e Charles GavinSeis vidas (2012): 

Cidadão InstigadoO tempo (s/d):


Engenheiros do Hawaii O Papa é Pop (2004): Já ia me esquecendo de que o Papa é Pop... 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Santa Maria, Iemanjá e Carnaval


Goya, A peregrinação de Santo Isidoro, 1821-1823

Sobre Santa Maria
(Apontamentos históricos e antropológicos para as tragédias da vida moderna)

* Já há algum tempo o dinheiro é mais importante do que a vida alheia – é difícil sair sem pagar de um estabelecimento comercial, mesmo quando há um incêndio;

* A primeira reação de muitos frente aos semelhantes é a desconfiança – “não há incêndio coisa nenhuma, é malandragem pra sair sem pagar”;

* A cultura do levar vantagem em tudo: 1) Empreendedores do ramo do entretenimento noturno adoram colocar mais gente do que cabe em seus estabelecimentos; 2) Universitários em festas para arrecadar fundos para suas formaturas pensam parecido. Vender mais ainda é lucrar mais...

* ...e assim nada deixa de virar mercadoria;

* Jovens notívagos, por vezes, gostam bastante de ambientes superlotados para se divertir, pouco importando o conforto e o diálogo entre si;

* Festa também significa orgasmo, alucinação, estupor, frenesi, loucura, caos – isso é bem bom; mas, por vezes, pode ser trágico, violento e brutal;

* Luto não se confunde com inocência, portanto;

* Muitas casas noturnas funcionam sem estarem regularizadas, muito menos são fiscalizadas pelo poder público;

* O desleixo do poder público e suas “vistas grossas”, às vezes, é fruto da corrupção proposta pelas entidades privadas - empresários e empresas;

* Felizmente, pouquíssimas tragédias têm acontecido em boates;

* Por mais cultos, jovens, modernos, brancos e diplomados que podemos pensar ser ainda temos sérias dificuldades na vida pública e em meio às crises coletivas;

* Desconhecemos amplamente a legislação (em parte, municipalizada pela Constituição) referente à segurança e prevenção de acidentes em locais de trabalho e diversão em grupo;

* Quase todo dia uma favela pega fogo Brasil afora;

* Quase todo brasileiro é um super-herói enrustido que se manifesta quase sempre depois das tragédias, quase nunca antes;

Músicos da noite ganham cachês minguados, sendo geralmente operários da cultura, contratados por empreitada, digo, festa;

* A juventude (15 aos 29 anos) é sinônima de imortalidade. Mas somos nós, os jovens, que mais matamos e morremos no Brasil atualmente;

Tudo é tanto na sociedade industrial (globalizada/capitalista/massificada): os produtos nas prateleiras; os remédios; as doenças; a demografia; os carros; os acidentes de carro; a poluição; as imagens; o conforto de uns; as tragédias de todos; o prazer; o pranto.

* A vida é frágil a todo instante (para todos).

Tentar sair do sentimentalismo (diante de tantas tragédias)
        A escritora Susan Sontag (1933-2004) publicou em 2003 um livro instigante – “Diante da dor dos outros”. Na obra, Susan elabora muitas perguntas sobre o impacto das imagens (pinturas, fotos, filmes, cenas de TV, vídeos) que enfocam a dor, a guerra, a morte, a destruição - desde as pinturas de Francisco de Goya (1746-1828), às fotos dos campos de concentração nazistas, passando pela Guerra do Vietnã até a queda das Torres Gêmeas em 2001. Uma de suas primeiras questões é: todos reagimos da mesma forma frente a imagens de dor? “Nós” somos contra a violência e a barbárie – mas quantos significados cabem num “nós”? E assim ela filosofa:

As informações sobre o que se passa longe de casa, chamadas de 'notícias', sublinham conflito e violência – 'Se tem sangue, vira manchete', reza o antigo lema dos jornais populares e dos plantões jornalísticos na tevê – aos quais se reage com compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada desgraça se apresenta”. (Susan Sontag)

A imagem como choque e a imagem como clichê são dois aspectos da mesma presença.” (Susan Sontag)

Iemanjá, noite e morte
 Nossa Senhora
Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo seu dorso de fera,
E acalma-o misteriosamente,
Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!
 (Álvaro de Campos, trecho adaptado dos “Dois excertos de Odes”, 1914)             

Trilha Sonora para o Carnaval
Acadêmicos de GravataíDe Aldeia dos Anjos a Gravataí: Um Poema de Amor no Coração da Onça Negra (2013): Ficamos na torcida pela escola da MV1 no Carnaval de Porto Alegre.

Neil YoungPsychedelic Pill (2012): Uma pílula (musical) psicodélica pro Carnaval.

Mundo Livre S.A. O mistério do samba (2000): Videokê do CoV. O samba não é: carioca, baiano, do terreiro, africano, da colina, do salão, da avenida, carnaval, da TV, do quintal, emergente, da escola, fantasia, racional, da cerveja, da mulata, do playboy, liberal, não é chorinho, não é regional, do bicheiro, do malandro, canarinho, verde e rosa, aquarela, bossa nova, silicone, malhação, do Gugu, do Faustão.

Não tem mistério / Como reza / Toda tradição: É tudo uma grande invenção.

Alvinho LancelottiMeu bloco de amor (2012): Desfila só pra mim / Samba de dois / Que balança / No ar / Confetes pra gente brincar / Um beijo pra ela pegar / O bloco do amor vai passar.

Tom ZéFrevo (1972): Resumindo o espírito de Carnaval: Não quero saber de conselho / Esquece / Deixe pra lá / Me arranje / Um pecado / Quente / Pra me consolar / Depois tem o ano inteiro / Pra gente pagar / Vou morrer / Se você não me arranjar um pecadinho.

Rafael Castro e os Monumentais10% cristão (2010): Oh! Meu Deus!!!!!

Neil YoungAngry World (2010): Mundo furioso: para o empresário, para o pescador.

Los Hermanos Todo Carnaval tem seu fim (2001): 
Zé que dorme de pé / Rosas chamadas / Bossa nova usada / Brincar de ser feliz / Pintando o nariz / Nem toda banda tem um tarol...


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Férias I


Craig ThompsonDodola Sfayi, 2011            
                                        
POSTAGEM DE FÉRIAS I
Leitoras e leitores do Vento,

durante as férias escolares, o blog será abastecido mensalmente. A partir de 25/02 retomamos nossos Ventiladores musicais e literários toda semana. 
Que venha 2013 e seu Inferno geral!!!!!!

Amores de praia não sobem a serra?
Começamos o ano fazendo esta pergunta a Cecília Meireles (1901-1964) que nos respondeu com três poemas e meio:

1)   Beira-Mar
(Cecília Meireles, do livro “Mar Absoluto e outros poemas, 1945)

Sou moradora das areias,
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios...

Não têm velas e têm velas;
e o mar tem e não tem sereias;
e eu navego e estou parada,
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha...
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.

Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar – e mais nada.

Júnio BarretoSetembro (2011): Um corpo que luava ouro, num Jardim Elétrico. Pena que era setembro, primavera, e não verão... Em Pernambuco é sempre verão.

Devendra BanhartBaby (2010): Conhecer por dentro o seu amor.

Karina BuhrNão me ame tanto (2011): Isto deveria estar estampado na testa de cada mulher por que nos apaixonamos...
  

2)  Sobre as muralhas do mar
(Cecília Meireles, do livro “Poemas de Viagens, 1940 a 1964)

Sobre as muralhas do mar
conversaremos.

Sobre as muralhas do mar, entre areias,
Espumas, colunas,
o que passa e o que perdura.
Conversaremos.
Conversaremos de um tempo
que imaginamos.
Que não houve: azuis e verdes
caminhos, destinos, glórias.

Conversaremos.

Os muros do mar são altos.
E esquecemos.
E as perguntas ficam intactas,
não mudadas em respostas.

Como é o som das palavras sobre as ondas?
E um riso de asas, de brisas
de uma alegria selvagem escutaremos.
No longínquo mar das almas.

Não conversaremos.
Los Angeles, 1959
Céu – Retrovisor (2012): Caravana Sereia Bloom.

Bárbara Eugênia O Tempo (2011): Motivos escondidos no coração. Coisas tolas e perdidas. Viver tanto tempo, desilusão. Já não ser mais o menino. Mas o tempo é um amigo precioso que fica sempre observando aquele instante em que alguém tentou se aproximar.



Devendra BanhartFür Hildegard von Bingen (2013): Para Hildegard von Bingen. Mas poderia ser para Juliana da Silva. Janaína de Souza. Mariana Müller etc etc.
 

3)  19
(Cecília Meireles, do livro “Morena, pena de amor, 1939)

Por todos os lados,
o mar me rodeia;
me deixa recados
escritos na areia.

Das águas sou filha:
nasci de um beijo de espuma
em redor de alguma
silenciosa ilha.

Maravilha, maravilha
da espuma em pedra serena:
a água nos meus olhos brilha,
da pedra é que sou morena.

3.5)  20
(Não me digas nada:
deixa-me cantar.
Aprendi minha toada
no fundo do mar.)

Karina BuhrNassiria e Najaf (2010): 
Canção de ninar em tempos de guerra. Qualquer guerra: do Iraque, dos Farrapos, com a ex-namorada, com o patrão, com Deus, com os pais, consigo mesmo, com o cachorro que mijou todo tênis tênis todo...

 Céu Lenda (2008): Também vale para as princesas, Maria do Céu?


Estranhas histórias de amor – alimentadas pelo verão?

Habibi” (2011) – de Craig Thompson
(Resumo albanesco da graphic novel)

Aqui trecho de “Habibi” em .pdf.

               Em uma Arábia simultaneamente moderna e medieval / Dodola, uma criança de 09 anos / É vendida pelos pais em tempos de seca / Quem lhe compra / Também lhe desposa / Sendo o homem um escriba / Que lhe ensina as letras / Após três anos / O escriba-marido é assassinado / Dodola é roubada pelos criminosos / Ela tinha então 12 anos / Consegue fugir do cativeiro imposto pelos ladrões / Levando consigo um menino / Negro / Órfão / De 3 aninhos – Cam / Rebatizado por Dodola como Zam / Mas também chamado Habibi (meu amor) / É que o menino / Encontrou fonte de água / Assim como Ismael / Na Bíblia e no Corão / Em pleno deserto / Onde ele e Dodola moravam, dentro dum barco encalhado / Em leito de rio que secou / Distantes da Civilização.
         Viveram os dois, por sete anos / Como irmãos / Como mãe e filho / Como amigos – ele seguia buscando água / Ela trocando os encantos de seu corpo / Por alimentos / Com as caravanas de comerciantes que pelo deserto passavam / Habibi não sabia disso...
         Dodola alfabetizou Habibi / Em árabe / Contava-lhe histórias / Bíblicas e do Corão / Para fazê-lo dormir; para se aproximar; para estimular sua imaginação; para distraí-lo da fome; para incentivá-lo a ajudar em casa; para ensinar lições de moral; para mostrar que a vida é mais complexa do que as lições de moral levam a crer; para distraí-lo dos estudos; e ainda versões mal-disfarçadas da sua própria vida / Zam se acalmava com as histórias.
         Quando ele tinha 12 anos / E ela 21 / Separaram-se.
         Habibi se apaixonava por Dodola / Mas quem não se apaixonaria, Craig Thompson? / Quando descobriu que ela se prostituía / E ainda por cima / Havia sido estuprada / Fugiu Habibi / Desesperançada em encontrá-lo / Dodola, perdida mundo afora / Foi aprisionada / Pelo sultão / Sendo levada / Ao seu harém / Enquanto tentava lhe agradar por / 70 noites / Com a promessa de liberdade / Se assim o fizesse.
         Habibi / Gurizão / Desamparado na cidade / Entrega-se a uma seita / Mendicante / De eunucos - castrando-se, obviamente.
         Dodola engravida do sultão / É maltratada por ele / Enquanto isso / Habibi também acaba levado ao palácio do rei / Como um servo / O casal / Finalmente / Reencontra-se / Foge do castelo /  Abrigando-se em uma favela / Na casa de um pescador / Enlouquecido pela poluição / Dodola sobrevive à fuga por um triz.
         Parte o casal / Ao Dodola se recuperar / E fazem moradia / Então / Num prédio abandonado / Zam arruma emprego / Na barragem de Vanatólia / Propriedade de quem? / De quem? / Hein? / Do sultão / Mas isso já não tem mais importância na história / O que importa é como completar o amor entre Dodola e Habibi / Agora que ele era estéril / E Dodola queria ser mãe / Seu filho com o sultão morreu bebê / E Habibi, outrora filho adotivo, é, na verdade, seu grande amor...
         Zam/Habibi tenta o suicídio.
         Mas a saudade de Dodola lhe acossa antes mesmo da pena capital / Os dois ficam juntos em definitivo / E adotam / Um pequeno rapaz / Vendido numa feira de escravos / Para ser-lhes / O filho / Que o destino assim quis.

Karina BuhrCara Palavra (2011): 
Mais uma em clima muçulmano; trilha sonora para ler “Habibi”.