quinta-feira, 14 de março de 2013

Juventudes


Vladimir Kush, African Sonata, s/d

Inventando a democracia no Brasil
     Servindo-se, conforme Mário Quintana (1906-1994), da “preguiça como método de trabalho”, sempre que possível, ou necessário ou estimulante ou simplesmente quando der na telha, estaremos invocando uma nova coluna aqui no CoV. “Inventando a democracia no Brasil” se propõe a trazer singelos sopros de Vento para pensarmos o país em que vivemos desde o fim da Ditadura Militar, em 1985. A proposta Ventosa é reconhecer os avanços sociais e democráticos dos últimos 28 anos no país dos Bruzundangas. Ainda muito forte no nosso imaginário popular, sobretudo ao falarmos em democracia, o “complexo de vira-latas” serve a alguns interesses. Sem dúvida não aos comprometidos com a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
(Fonte: “Retrato do Brasil” – 2007)

- Em vigor desde 1990 e previsto pela Constituição de 1988;

- Antes do ECA havia o “Código do Menor”, lançado em 1927 – precursor ao criar juizados específicos para crianças; inspirado parcialmente na “Declaração dos Direitos da Criança” inventada em Genebra em 1924;

- Para o ECA a família ainda é o melhor lugar para a formação do jovem, portanto, o Estado se compromete a assegurar uma renda mínima aos trabalhadores;

- Programas assistenciais a nível federal, desde a Era FHC até o vigoroso Bolsa Família, nos últimos 10 anos, surgiram, em parte, para atender a essas conquistas legais da Constituição de 1988, minimizando assim misérias e, mais recentemente, aquecendo o mercado interno;

- O ECA criou instituições como os “Conselhos Tutelares”, eleitos livremente por voto popular nos municípios a cada 3 anos;

- O ECA, além de badalado pela ONU, virou referência legislativa para 15 países diferentes;

- Atualmente considera-se jovem, no Brasil, a faixa etária de 15 a 29 anos; já adolescente é quem tem de 12 a 18 anos;

- Para alguns, o ECA falha ao ser permissivo e protetor demais; assim como, certos setores da sociedade brasileira, à direita na política, reivindicam a redução da maioridade penal (dos 18 para 16 anos?), o que interferiria diretamente no ECA;

- Todavia, para críticos de esquerda, o sistema FEBEM/FASE (estadualizado) de punição ao menor infrator seria uma herança do Regime Militar, autoritário e ineficaz, pouco inclusivo socialmente, muito menos transformador;

- O ECA também é um dos responsáveis pela garantia legal da universalização de creches e do Ensino Fundamental no país;

- Isto fez com que muitas ações individuais e coletivas chegassem ao Ministério Público reivindicando creches públicas para mães da classe trabalhadora;

- Assim como, a frequência escolar tornou-se pré-requisito para programas sociais governamentais, como o já citado Bolsa Família;

- Outra dessas políticas públicas é o PETI (Programa para Erradicação do Trabalho Infantil) que, simplificando, consiste em acompanhamento especializado e uma bolsa-auxílio para famílias com jovens de até 16 anos se afastarem do trabalho infantil; foi criado em 1997;

- No início do século XXI, 10 milhões de crianças e adolescentes, sobretudo meninas, trabalhavam forçadas em empregos domésticos no mundo; essa situação é recorrente principalmente no campo e o Brasil estava então em segundo lugar nesse ranking;

- Trabalho para o tráfico de drogas e violência sexual são outros dos nós a serem desatados no que diz respeito ao trabalho infantil: pobreza familiar, turismo sexual e abandono escolar só fazem crescer esses dois problemas;

- O ECA e a Constituição ainda são amplamente desconhecidos no Brasil.

Pequeno CidadãoO Sol e a Lua (2010): 

Pequeno CidadãoPequeno Cidadão (2010): Esta toca até na “Carrossel”.


A Juventude na Literatura

Oliver Twist (1833) – Este livro de Charles Dickens (1812-1870) é um dos primeiros a ter como protagonista uma criança. O menino Oliver Twist se vê maltratado em um reformatório e depara-se com as trapaças de Fagin até ser adotado por um senhor de classe média, isto por intermédio da prostituta Nancy que paga com a vida pela ousadia de ajudar um menor de rua nos tempos da primeira Revolução Industrial.

Capitães da Areia (1937): O mais famoso dos “romances proletários” do comunista Jorge Amado (1912-2001). O livro narra a história de Pedro Bala, cicatrizado adolescente, filho de um sindicalista assassinado, que lidera uma gangue juvenil de ladrões pelas ruas de Salvador nos anos 1930. Censurada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas a obra é contundente com os poderosos (sobretudo os do Estado oligárquico brasileiro) e afetuosa com os injustiçados. Foi adaptada para o cinema em 1969 e 2011.

O apanhador no campo de centeio (1951) – Clássico sobre a formação juvenil escrito por J.D. Salinger (1919-2010) em que o protogonista Holden Caulfield é um jovem rebelado contra as falsidades do mundo. Se todos são ridículos para Holden, ele, e sua língua ferina, também acabam sendo ridículos. Implicação decorrente de ser sempre do contra.

O senhor das moscas (1954) – O inglês William Golding (1911-1993) isolou um grupo de adolescentes numa ilha tropical após uma queda de avião. E lá, em busca da sobrevivência, duas facções se formaram: a de Ralph, rapaz sensível e democrático; e a de Jack, voraz, carismático e comandante das caçadas. Há supostamente um monstro na ilha, e contra este monstro (imaginário?) o grupo de Jack articula-se através do terror e da violência. Virou um baita filme em 1963.

Pixote – Infância dos Mortos (1977): Livro de José Louzeiro (1932) que inspirou o premiado filme de Hector Babenco lançado em 1981: “Pixote – A lei do mais fraco”. O romance-reportagem antecipou o tema dos menores abandonados pelas ruas e a repressão fascista contra os mesmos, antes do massacre nas escadarias da Igreja da Candelária (1993) no RJ.

Precisamos falar sobre o Kevin (2003) – A estadunidense Lionel Shriver (1957) é a autora deste romance em que uma mãe escreve cartas ao marido omisso sobre o filho, Kevin, que promove um massacre numa escola. A pergunta que fica é: onde foi que eu errei?  Em 2011 saiu uma adaptação cinematográfica do romance que, como diz na “orelha” do livro, não indaga apenas quem matou, mas quem e o que morreu em meio a mais uma tragédia moderna.

Na colônia penal (1914) – Neste conto surreal, Franz Kafka (1883-1924) narra a inspeção de um viajante a uma colônia prisional em que a execução da pena de morte ao condenado se dá por uma máquina que inscreve no corpo da pessoa sua sentença. O texto não aborda a juventude, mas levanta a discussão da pena capital: da Lei de Talião (olho por olho, dente por dente) e de como os sistemas judiciários podem ser brutais, sendo os Direitos Humanos uma invenção recente da humanidade e, indispensável, para se combater a barbárie.

Pato FuPrimavera (2010): 


Pato FuLive and let die (2010): 







sexta-feira, 8 de março de 2013

Mulheres, Hugo Chávez


Carolina Tiemi (Chi), A Papisa, 2011

Curiosidades sobre a história do cristianismo
Parte 2 – As mulheres nas igrejas primitivas
(Ainda com o apoio do livro “Uma breve história do cristianismo”, 2011, de Geoffrey Blainey)

        Historicamente / As religiões monoteístas / Judaísmo, Cristianismo e Islamismo / Inovadoras / Ao se estruturarem a partir de códigos morais / Teologicamente / Mais importantes / Para elas / Do que os rituais / Têm culpado as mulheres / Pelos pecados do mundo / A sensualidade e a beleza femininas / Seriam diabólicas / Assim / Ao menos / Apresenta-se / A mulher / No Gênesis bíblico / Sendo Eva / Quem atrai Adão / Para o mau caminho / Do livre-arbítrio / Assim também / Eram representadas / As bruxas / Mulheres não totalmente submissas aos homens / Portanto / Demonizadas / E queimadas em fogueiras / Acesas pela Igreja Católica / Nos mil anos da Idade Média europeia / Mas também / Nos tribunais da Inquisição / Moderna / Sobretudo em Portugal e Espanha / Já nas correntes do / Fundamentalismo islâmico / As moças têm de tapar / Até o dedão do pé.
            Mas nem sempre foi assim / Na Antiguidade / Mulheres influenciaram bastante os rumos do cristianismo / Então iniciante / Para além de Maria Madalena e da Virgem Maria:

Priscila – Líder cristã de Corinto, na Grécia, professora de Apolo: um famoso estudioso judeu das Sagradas Escrituras que era rival de Pedro, o apóstolo;
Lídia – Rica comerciante de púrpura, na Macedônia: financiou várias congregações cristãs pioneiras na região;
Porfírio – Opa! Este era homem, filósofo pagão dos anos 300. Preocupado com a manutenção do machismo predominante na sociedade agrária da Roma Antiga, acusava as mulheres de atrapalhar o cristianismo. Ou seja, sinal de que elas eram protagonistas mesmo nos primeiros dias da, atualmente, maior religião da humanidade.
    P.S.: Sobre o Dia Internacional das Mulheres, releia a postagem de 08/03/2012.


O Terno66 (2012): A síntese da angústia “Pós-Moderna” para quem cria cultura no século XXI:

DuSoutoCretino (2012): O leitor Ronnie Wood afirma “a pegada mais próxima dos Rolling Stones que já ouvi nos últimos anos”!

A literatura e a Venezuela
Rómulo Gallegos (1884-1969): Professor, escritor, ministro e presidente, Gallegos foi um dos fundadores da Acción Democrática (AD) um dos grandes partidos da Venezuela e, durante boa parte do século XX, o maior partido social-democrata da América do Sul. Atualmente, ao lado da democracia-cristã (Copei), representa a oposição eleitoral ao socialismo bolivariano de Hugo Chávez. Vale lembrar que, após o Pacto do Ponto Fixo, em 1969, que durou até 1998, os dois partidos se revezaram no poder venezuelano. Entre outras coisas, privatizaram de vez o petróleo do rio Orinoco, consolidando assim a dependência econômica do país, grande exportador desse produto, sobretudo aos EUA. Por outro lado, nesse processo, a agricultura e a pesca minguaram brutalmente e a maioria da população venezuelana ficou condenada à importação de alimentos, até hoje, entrando assim num ciclo de empobrecimento e miséria prolongado. Em 1929, Gallegos publicou o romance “Doña Bárbara”, que abordava criticamente a ditadura militar de Juan Vicente Gómez que governou a Venezuela de 1908 a 1935 de forma semelhante ao Ponto Fixo. Já em “Canaima” (1935) o escritor abordou o conflito cultural entre as ancestrais civilizações originárias e a brutal colonização modernizadora da Europa imperial na América.

O general em seu labirinto (1989): Romance histórico criado pelo Nobel de Literatura de 1982, o escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927). Descreve literariamente a vida do general Simón Bolívar (1783-1830) – um dos mais ousados líderes da independência latino-americana. Entusiasta das ideias Iluministas, Bolívar defendia a criação de uma única pátria na América hispânica: a Grande Colômbia que, entre 1821 e 1830, uniu Venezuela, Equador e Colômbia. Sua imagem foi resgatada nos anos 1990, pelo coronel-paraquedista Hugo Chávez Frías líder da rebelião militar de 1992 que propunha um novo socialismo para a América Latina no século XXI – o socialismo bolivariano, sendo que este vinha em gestação desde o Caracazo de 1989. O Caracazo foi a primeira grande rebelião popular, reprimida militarmente pelo presidente de então, Carlos Andrés Pérez, da AD, contra a hegemonia neoliberal posterior à Guerra Fria.

Eloi Yagüe Jarque (1957): Autor nascido na Espanha, mas que vive desde a infância em Caracas. Escreveu uma novela noir chamada Quando ama deve partir”, ou seja, uma história policial, que, no caso, também adentra em temas políticos e que se passa no cenário histórico do Caracazo de 1989. Na novela, Castelmar, um repórter na casa dos 40 anos, poeta e militante da esquerda na juventude, sai da fossa pessoal ao engajar-se nos levantes populares desde as favelas de Caracas, assim como, apaixonando-se por uma jovem jornalista, também amada por seu chefe – W.C., triângulo amoroso este que termina em morte.

Ana Teresa Torres (1945): Esta escritora, também psicóloga e psicanalista, criou o conto “Onde está você, Ana Klein?”, recolhido junto à obra de Stéphane Chao Antologia do Conto Pan-Americano”: lá está escrito sobre Ana Klein, a psicóloga de família judia que, durante a II Guerra, emigrou para Buenos Aires, mas durante o regime militar argentino, exilou-se na Venezuela:
Sentia saudade de Caracas, mas não conseguia deixar de sentir ódio pela interrupção que os milicos tinham produzido em sua vida. Qualquer um poderia compreender, até a mulher das 7h20, se lhe explicasse no que consiste interromper a vida. Na verdade, ela havia interrompido a sua de novo quando voltou para Buenos Aires, mas esta é a característica das interrupções da vida. Uma vez interrompida, sempre interrompida”.

Abidoral JamacaruEla me disse (2008): E foi Ana Klein quem comentou, em uma de suas consultas, “a mais bela canção de amor que já ouvi nos últimos anos”!

LirinhaSidarta (2008):
Y

sexta-feira, 1 de março de 2013

Renúncia Papal


Artemisia Gentileschi, Susana e os Anciãos, 1622

Curiosidades sobre a história do cristianismo
Parte 1: Até a ascensão do islamismo
- Com o apoio do livro “Uma breve história do cristianismo” (2011) de Geoffrey Blainey -

Origens
- Provavelmente foi Paulo de Tarso, em Antióquia, quem criou o termo “cristão”;
- O mais antigo escrito do cristianismo encontrado até agora é a primeira epístola aos tessalônios, do mesmo Paulo de Tarso; manuscrito datado de cerca de 20 anos após a morte de Cristo;
- De acordo com os exegetas bíblicos, o evangelho mais antigo é o de São Marcos, provável amigo do apóstolo Pedro;
- O evangelho de Mateus, para muitos o mais claro e seguro, é considerado o mais famoso dos quatro evangelhos canonizados pela Igreja;
- Lucas, talvez médico e amigo de Paulo, provavelmente nunca tenha conhecido Jesus;
- João escreveu o mais recente dos evangelhos, em cerca de 90 d.C. Seu texto é, para muitos, o mais poético e diferenciado dos quatro depoimentos sobre Cristo;
- Outros evangelhos, não-reconhecidos pela Igreja, por isso apócrifos, pipocaram pelo Oriente Médio e Império Romano nos 300 anos iniciais de cristianismo, escritos, supostamente, por seguidores de apóstolos como Pedro; Tomé, Maria Madalena e até Judas Iscariotes.

Simbologia
- O domingo é o dia sagrado de quase todo o cristão, pois foi nesse dia da semana que Cristo ressuscitou;
- Somente em 525 a Páscoa cristã foi atrelada sistematicamente ao Pessach judeu;
- Em 246 a ideia de celebrar o nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro partiu dos patriarcas de Constantinopla, Alexandria e Antióquia, tomando-se como base o solstício de inverno no Hemisfério Norte: ou seja, o momento em que os dias começam a ficar longos novamente, assim como, aproveitando-se do antigo culto ao sol dos romanos;
- Maria, a mãe de Cristo, não teria morrido: ascendeu aos céus para o lado do filho. Assim ratificou o bispo Gregório de Tours em 594.

Kátia B – Só deixo meu coração na mão de quem pode (2011)

Sombrero LuminosoSintonia fina (2012)

Marcelo Jeneci e Laura LavieriFelicidade (2011):

Como se espalhou pelo mundo?
- Os cristãos souberam se aproveitar, em nome do universalismo de sua crença, da significativa unidade política/territorial construída pelo Império romano;
- O cristianismo disseminou-se primeiramente nas comunidades judaicas, por ser uma dissidência desse credo;
- Talvez tenha se beneficiado também da caridade e ajuda mútua em situações de crise (fome, epidemias) atraindo novos fiéis urbanos; como de costume, o campo resistiu mais às mudanças;
- A habilidade política de Constantino agilizou esse processo de expansão, considerando o cristianismo a religião adequada para os tempos de desagregação do Império romano no século 4, institucionalizando assim a mesma.

Primeiras Polêmicas
- Antes disso, porém, outros imperadores romanos condenaram o culto cristão: Nero, em 64; Décio, em 250; entre outros;
- Para o pregador egípcio Ário, que viveu nos anos 300, Deus e Cristo não eram a mesma coisa: Deus era uma entidade superior ao homem "quase divino" que foi Jesus. A heresia ariana foi duramente combatida pelo Concílio de Niceia (325);
- O bispo africano Santo Agostinho enfatizou a predestinação: nosso destino estaria traçado por Deus desde o nascimento;
- Helena, a mãe do imperador Constantino, pode ter sido a primeira peregrina cristã, visitando Jerusalém e abrindo o caminho para outros peregrinos com o destino de Belém e do rio Jordão;
- Já a primeira grande ordem de monges, a dos beneditinos, foi cria do eremita italiano São Bento: pretendia domar os males do corpo para que a alma triunfasse;
- Beda, o Venerável, monge beneditino britânico, descreveu, em 728, a passagem de duas “tochas incandescentes” (dois cometas) durante duas semanas pelos céus da Grã-Bretanha. Mensageiros de más notícias, para os cristãos, os cometas anunciavam a conquista do Oriente Médio pelos árabes-muçulmanos?

Na literatura
            Dois bons livros que abordam a vida de Cristo são: “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), do português José Saramago (1922-2010), em que Cristo é humanizado em seus dramas, sobretudo o encargo de ser o Messias e o peso dos crimes cometidos ao longo da história contra ou a favor de seu nome; e “A Última Tentação de Cristo” (1955) do grego Nikos Kazantzákis (1883-1957) em que Cristo, crucificado, sonha ser resgatado por um anjo, casando-se e vivendo uma vida pacata, sonho este ardil do demônio.

A Última Tentação de Cristo (1988)Dir.: Martin Scorsese (Trailer): 

Katia B e Charles GavinSeis vidas (2012): 

Cidadão InstigadoO tempo (s/d):


Engenheiros do Hawaii O Papa é Pop (2004): Já ia me esquecendo de que o Papa é Pop... 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Santa Maria, Iemanjá e Carnaval


Goya, A peregrinação de Santo Isidoro, 1821-1823

Sobre Santa Maria
(Apontamentos históricos e antropológicos para as tragédias da vida moderna)

* Já há algum tempo o dinheiro é mais importante do que a vida alheia – é difícil sair sem pagar de um estabelecimento comercial, mesmo quando há um incêndio;

* A primeira reação de muitos frente aos semelhantes é a desconfiança – “não há incêndio coisa nenhuma, é malandragem pra sair sem pagar”;

* A cultura do levar vantagem em tudo: 1) Empreendedores do ramo do entretenimento noturno adoram colocar mais gente do que cabe em seus estabelecimentos; 2) Universitários em festas para arrecadar fundos para suas formaturas pensam parecido. Vender mais ainda é lucrar mais...

* ...e assim nada deixa de virar mercadoria;

* Jovens notívagos, por vezes, gostam bastante de ambientes superlotados para se divertir, pouco importando o conforto e o diálogo entre si;

* Festa também significa orgasmo, alucinação, estupor, frenesi, loucura, caos – isso é bem bom; mas, por vezes, pode ser trágico, violento e brutal;

* Luto não se confunde com inocência, portanto;

* Muitas casas noturnas funcionam sem estarem regularizadas, muito menos são fiscalizadas pelo poder público;

* O desleixo do poder público e suas “vistas grossas”, às vezes, é fruto da corrupção proposta pelas entidades privadas - empresários e empresas;

* Felizmente, pouquíssimas tragédias têm acontecido em boates;

* Por mais cultos, jovens, modernos, brancos e diplomados que podemos pensar ser ainda temos sérias dificuldades na vida pública e em meio às crises coletivas;

* Desconhecemos amplamente a legislação (em parte, municipalizada pela Constituição) referente à segurança e prevenção de acidentes em locais de trabalho e diversão em grupo;

* Quase todo dia uma favela pega fogo Brasil afora;

* Quase todo brasileiro é um super-herói enrustido que se manifesta quase sempre depois das tragédias, quase nunca antes;

Músicos da noite ganham cachês minguados, sendo geralmente operários da cultura, contratados por empreitada, digo, festa;

* A juventude (15 aos 29 anos) é sinônima de imortalidade. Mas somos nós, os jovens, que mais matamos e morremos no Brasil atualmente;

Tudo é tanto na sociedade industrial (globalizada/capitalista/massificada): os produtos nas prateleiras; os remédios; as doenças; a demografia; os carros; os acidentes de carro; a poluição; as imagens; o conforto de uns; as tragédias de todos; o prazer; o pranto.

* A vida é frágil a todo instante (para todos).

Tentar sair do sentimentalismo (diante de tantas tragédias)
        A escritora Susan Sontag (1933-2004) publicou em 2003 um livro instigante – “Diante da dor dos outros”. Na obra, Susan elabora muitas perguntas sobre o impacto das imagens (pinturas, fotos, filmes, cenas de TV, vídeos) que enfocam a dor, a guerra, a morte, a destruição - desde as pinturas de Francisco de Goya (1746-1828), às fotos dos campos de concentração nazistas, passando pela Guerra do Vietnã até a queda das Torres Gêmeas em 2001. Uma de suas primeiras questões é: todos reagimos da mesma forma frente a imagens de dor? “Nós” somos contra a violência e a barbárie – mas quantos significados cabem num “nós”? E assim ela filosofa:

As informações sobre o que se passa longe de casa, chamadas de 'notícias', sublinham conflito e violência – 'Se tem sangue, vira manchete', reza o antigo lema dos jornais populares e dos plantões jornalísticos na tevê – aos quais se reage com compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada desgraça se apresenta”. (Susan Sontag)

A imagem como choque e a imagem como clichê são dois aspectos da mesma presença.” (Susan Sontag)

Iemanjá, noite e morte
 Nossa Senhora
Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo seu dorso de fera,
E acalma-o misteriosamente,
Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!
 (Álvaro de Campos, trecho adaptado dos “Dois excertos de Odes”, 1914)             

Trilha Sonora para o Carnaval
Acadêmicos de GravataíDe Aldeia dos Anjos a Gravataí: Um Poema de Amor no Coração da Onça Negra (2013): Ficamos na torcida pela escola da MV1 no Carnaval de Porto Alegre.

Neil YoungPsychedelic Pill (2012): Uma pílula (musical) psicodélica pro Carnaval.

Mundo Livre S.A. O mistério do samba (2000): Videokê do CoV. O samba não é: carioca, baiano, do terreiro, africano, da colina, do salão, da avenida, carnaval, da TV, do quintal, emergente, da escola, fantasia, racional, da cerveja, da mulata, do playboy, liberal, não é chorinho, não é regional, do bicheiro, do malandro, canarinho, verde e rosa, aquarela, bossa nova, silicone, malhação, do Gugu, do Faustão.

Não tem mistério / Como reza / Toda tradição: É tudo uma grande invenção.

Alvinho LancelottiMeu bloco de amor (2012): Desfila só pra mim / Samba de dois / Que balança / No ar / Confetes pra gente brincar / Um beijo pra ela pegar / O bloco do amor vai passar.

Tom ZéFrevo (1972): Resumindo o espírito de Carnaval: Não quero saber de conselho / Esquece / Deixe pra lá / Me arranje / Um pecado / Quente / Pra me consolar / Depois tem o ano inteiro / Pra gente pagar / Vou morrer / Se você não me arranjar um pecadinho.

Rafael Castro e os Monumentais10% cristão (2010): Oh! Meu Deus!!!!!

Neil YoungAngry World (2010): Mundo furioso: para o empresário, para o pescador.

Los Hermanos Todo Carnaval tem seu fim (2001): 
Zé que dorme de pé / Rosas chamadas / Bossa nova usada / Brincar de ser feliz / Pintando o nariz / Nem toda banda tem um tarol...