Tiago Oliveira, Madame Satã, 2004
A maior banda da galáxia – Madame Satã
(C. A. Albani da Silva)
Nem
Beatles, nem Stones, nem Led Zeppelin,
muito menos Cascavelletes ou Legião Urbana: a maior banda da galáxia
foi a banda Madame Satã. Criada na
cidade de Gravataí/RS, em 2001, por quatro quase colegas de uma escola pública
com nome de músico (o maestro Heitor
Villa-Lobos) em um bairro operário – a COHAB-C. Desde o ano 2000 Carlos Carlinhos
Carlitos “Casara” passava diariamente, indo ao fatídico colégio, em
frente à casa dos irmãos Oliveira: Tiago Tiagão “Revives” e Miquéias Gordo Gordão “Gordis”,
casa esta em que se escutava num volume ensurdecedor Guns n´Roses, Iron Maiden,
Nirvana etc etc etc. “Casara”
aprendia então suas primeiras notas no violão do sogro do seu irmão Alex Albani
(vulgo Leco
Brown) e, por influência deste, começava a ouvir o hard rock dos anos 1970, ou melhor,
começava a ouvir Aerosmith. Logo,
Carlinhos descobriria que tal banda não passava de uma cópia bem-sucedida dos
Rolling Stones e esta banda, por sua vez, era uma cópia inglesa, ainda mais
bem-sucedida, dos músicos negros do blues
norteamericano.
Então Carlos já tinha o péssimo hábito de persuadir os outros compartilhando
assim suas loucuras e, mal passando de 3 acordes no violão, convenceu o amigo
de infância e companheiro de muitas leituras (quadrinhos, revistas de
videogame, lá de vez em quando uma Playboy) Giancarlo Santos Matinata (excelente
desenhista, geralmente ilustrando os roteiros do Carlos, mas um péssimo
violonista...) a virarem rockstars. Na
real existem dúvidas sobre quem persuadiu quem primeiro quanto às luzes da
ribalta... Mas foi desse jeito que acabaram estreitando laços com os irmãos
Oliveira. Este embrião da Madame Satã
não durou muito, primeiro porquê: 1. Eram tão ignorantes na época que achavam que o Bob Dylan
já estivesse morto, cantando em sua homenagem póstuma (?!?) a balada “Knockin´on Heaven´s Door” tão tristes
que só numa tarde chuvosa; 2. Na época, a internet não estava disseminada, sendo que as
revistas com as cifras de violão eram caras; 3. “Gordis” tocava num violão de origem
suspeita (talvez de fabricação caseira procedente do arquipélago havaiano, pois
que parecia um ukelele) e que, ao se
afinar a 1ª corda, invariavelmente, arrebentava a 3ª.
Até que não demorou tanto e, ainda em 2001, todos adquiriram instrumentos
de verdade (as guitarras mais baratas da loja, obviamente). Todos menos o novo
integrante do grupo: “Alemão” Cristiano, um ardoroso fã dos
mascarados do Kiss. Sem bateria,
improvisava caixa, tons, surdos em potes de
plástico de sua mãe, cozinheira, e até na bem conservada caixa do Super Nintendo do Albani, digo, Carlos
“Casara”. Mas os deuses do Destino e do Rock conspiraram e uma moça, amiga dos
Oliveira, ganhou, por aqueles dias, numa rifa de rádio, um contrabaixo e uma bateria,
novinhos em folha, que foram logo comprados, a preço de banana, por “Revives” e
“Alemão” (que, embora muito quisessem, não co*er*m a guria no processo de
negociação...).
Com
o instrumental completo começaram os barulhentos ensaios, primeiro na casa do
“Alemão”, num quartinho terrivelmente quente, às vezes, na bem mais agradável
sala de estar, depois, e em eterno, na memória dos quatro, ao menos, lá nos
fundos da casa dos Oliveira. Logo os aspirantes a músicos se depararam com um
novo dilema: botar um nome na banda! E foi um dos irmãos Oliveira quem cravou Madame Satã! Embora polêmico, ou
justamente por isso, já que é típico do expressionismo
roqueiro a provocação e a malícia, o nome ficou.
Aparte histórico-cultural: Madame
Satã era um rock maneiro da Bandaliera
(antiga banda do rock gaúcho); mas era também um bar underground de São
Paulo (coincidência ou não cidade para onde havia se mudado, virando boxeador,
o camarada Gian); por fim, Madame Satã
(João Francisco dos Santos Sant´Anna, 1900 a 1976) foi um personagem
folclórico da boemia/Carnaval de rua do Rio de Janeiro nos anos 1930 e ’40:
travesti, negro e capoeirista que ganhou fama ao se fantasiar conforme o filme
homônimo de Cecil B. de Mille.
Por
esta mesma época Carlinhos e “Gordis” descobriram que o rock não era novidade
no Brasil, tendo sido trazido pra cá bem antes do rock gaúcho dos anos 1980 – e
que a gurizada curtia nos discos de vinil (Rock
Grande do Sul, Garotos da Rua, Os Eles...) herdados de seus tios rebeldes. Pois bem, por sugestão do pai do Carlinhos e
com uma ajudona das fitas K7 da Tia Tânia, tia dos irmãos Oliveira e uma dessas
rebeldes da contracultura,
de que falávamos, ah! também poetisa, a dupla se pôs a escutar enlouquecidos o Raul Seixas e suas heranças
Tropicalistas. Enquanto que por influência da mãe do Carlos e dos pais do
“Alemão” o grupo conheceu a Jovem Guarda.
Ou seja, descobriram que até o Roberto
Carlos já tinha sido roqueiro, mas o afamado mau de verdade era mesmo o Tremendão
Erasmo Carlos; e que The Fevers, Renato e seus Blue Caps eram
embalos quentes nas domingueiras de 1970 e picos.
Talvez isso explique a paranóia retrô/passadista/nostálgica
em que a banda entrou dali em diante. Inclusive com Carlinhos tendo crise de
labirintite após escutar debaixo da cama o disco “Rocks” do Aerosmith. A
banda passou a pregar a volta aos anos 70 em uma de suas músicas autorais (“De volta aos anos 70”) conforme pregam
os pastores, padres e santos a volta de Cristo há 2000 mil anos. Mas ao longo
do tempo, através de custosas e sofridas sessões de psicoterapia, e escutando
muito o grupo The Black Crowes, acabaram
entendendo que, a banda logo atrás citada, foi, de fato, a única máquina do
tempo que já funcionou na História.
Falando
em músicas próprias, desde os primeiros ensaios mal-afinados da Madame o grupo
já produzia material inédito, geralmente invenções da cachola utópica, compulsiva
e repleta de Ideias
de Jerico do Carlitos: “Jaqueline”,
“Eu não nasci em Liverpool”, “Os olhos não mentem”, “Menino Magricela”, “Desejo Indecente”, “Volúpia
Sob-Medida” dezenas e dezenas de vinganças metafísicas contra todas as
garotas que não davam bola ao cantor e guitarrista-base da Madame.
Assim
sendo foram ao todo 1345 ensaios em 5 anos de banda. Uns 12 shows em bares, na
sede local da CUT, Cine Teatro Municipal de Gravataí, em escolas (no ginásio
velho do GENSA encararam uma plateia de 300 pessoas e repaginaram a batucada de
“Sympathy for the Devil”, dos Stones,
de maneira apoteótica), em alguns festivais locais e nas casas dos parentes.
Ganharam alguns desses festivais no Vale do Gravataí entre 2003 e 2004. Já em um
outro tiveram duas guitarras, um contrabaixo, cabos, pedais e a Ford Caravan ’86 do pai do batera “Alemão” roubados. Precisaram tocar naquela noite
fria de 2002 com os instrumentos emprestados de outros músicos solidários (a
galera da banda “Frida”!). A Caravan encontrariam horas depois, a
duas quadras do palco; os instrumentos nunca mais...
Mas
agora chegamos ao principal talento da banda, e por isso este que vos escreve a
considera a maior da galáxia: são as suas gravações caseiras/artesanais/”do it yourself”/punk que deixaram. Das
dezenas de registros sonoros que produziram apenas cinco foram em estúdio
profissional (um ensaio gravado nos primeiros dias de banda em 2001 e duas
demos de 2004, que, por sinal, tocaram na Rádio
Ipanema - no programa Hot Club do
Mutuca...), porém mais de 20 porradas foram produzidas, gravadas, mixadas e
masterizadas totalmente artesanais. Isto sem contar as fitas K7 de ensaios
memoráveis que o bolor, 10 anos depois, devora a passos largos. Enfim, entre os
projetos caseiros, podemos incluir a ópera adolescente, verdadeira ode à puberdade
masculina proletária, intitulada “Pornô
Cor-de-Rosa”; do mesmo modo uma releitura do trovador gaudério Gildo de Freitas.
Como
tudo acaba um dia, a banda, certo dia, acabou. Claro, antes disso, até todos
aceitarem os fatos, como ocorre em namoros antigos, houve dissabores,
frustrações, traições, uns gorós a mais num show aqui, ausências físicas e/ou
espirituais em um ensaio acolá, a troca do baterista (entrou o Geison “Mason” que fez a batera de “Lucy não se esqueça de mim” em 2005) e
do nome (virou “Cartola Cósmica” ).
Mas não tinha mais jeito, como o sucesso (e o dinheiro) não veio, as coisas
foram mudando. Felizmente, as drogas também não vieram, já que os guris sempre foram
muito caretas, “loucos de cara” mesmo, como diz o poeta e músico Vitor Ramil. Mas mesmo o sucesso não
chegando, chegaram e sentaram praça naqueles quatro corações (bobos? rebeldes?
românticos?) as namoradas, os trabalhos em fábricas de automóveis e operando
fotocopiadoras e fazendo urnas, tanques de fibra plástica, o caramba, SENAI,
faculdade de História e o e u...
Nesse
processo todo, infelizmente, os rapazes descobriram que o mundo era bem maior do que seus quartos e
sua querida COHAB. Claro, o que não os impediu de continuarem fazendo
arte (mesmo o bom e velho Rock n´Roll,
só que agora de vez em quando): seja com a Dirigíveis,
nas horas vagas, seja com o Cavalgando o
Vento, nas horas ocupadas. Portanto, prezado leitor deste blogue
Ventoso, perdoe-me se espicho demais esta crônica, mas é que tenho mesmo a
convicção de que nem Beatles, nem Stones, nem Led, nem Casca, nem Legião: a
maior banda da galáxia em todos os tempos e eras prismas fótons prótons
neutrinos quarks e buracos negros foi a banda Madame Satã!
P.S.: Cabe aqui um pedido de desculpas a todos os fãs, amigos, colegas, familiares, músicos, groupies, bitches, musas (reais e/ou imaginárias) que não citei nesta crônica
por motivos de espaço ou esquecimento mesmo.
Vitor Ramil – Loucos
de Cara
(2012):
Cecil B. de Mille – Madam Satan (1930):
Excelente texto e história.
ResponderExcluirE a Madame Satã, apesar da existência um tanto curta tal qual um meteoro, foi ótima. Inclusive com uma de suas músicas (a minha favorita) tocada na festa de meu enlace matrimonial (vulgo casório).
Abraços.
Alex Albani (vulgo Leco Brown, hehehe)
Uma trajetória com altos e baixos( Ah, não estou falando do nanico Gordis..), ganhos e perdas, bem como uma bela história deve ser.
ResponderExcluirE claro que ainda não se encerrou. É apenas o começo de tudo.
Assim que possuir um endereço de Facebook, compartilharei isto.
Do eterno parceiro, e um dos personagens desta história.
Gian
Bom. Muito bom.
ExcluirSalve, salve camarada!!!
Saudade do eterno parceiro!!!