terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Praia de Baunilha, ao Sul de Moçambique

Amazona do Vento, Poema na Perna, Natal de 2013

Música inédita!
CoV Praia de Baunilha (Ao Sul de Moçambique)
Esta música surgiu de um exercício de adaptação musical e poética do Inventor do Vento, C. A. Albani da Silva, sobre a canção “Capão da Canoa” de Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha (1927-1985), gravada originalmente em 1973.

A proposta era cantar e poetar sobre Cidrilha, a Praia de Baunilha, que fica no extremo Sul da costa de Moçambique.

O curioso é que todas as ruas, esquinas, praças, padarias e açougues de lá têm os mesmos nomes e a mesma arquitetura das ruas, esquinas, praças, padarias e açougues de Balneário Pinhal e Cidreira, no litoral Norte do RS.

Antigas valsinhas sopram forte no verão da Praia de Baunilha. Tanto que os turistas sentimentais vivem tentando exorcizá-las do peito com sorrisos e brincadeiras, propensos às paixões descaradas e intrigas de folhetim.


Poemas
Dupla dinâmica ataca novamente

1.
Cai o Pano
(Nátali da Silva Sarmento*)
A cortina fecha, o pano cai
O que você faz agora?
Nem sabe ao certo onde vai.
Mil amigos numa rede social
Enquanto todos riem, você chora.
Percebe agora o mundo real?
Ninguém liga pro seu status. 
Cego na sua "vida perfeita" 
Nunca ligou pros fatos.
A verdade está na espreita. 
A beleza então se esvai.
A cortina se fecha, e o pano cai


2.
A Natureza e o Vento
(Nátali da Silva Sarmento e Mariana Pereira Gama**)

''Quão bela és tu, natureza
A quem devemos agradecer
Por dar ao vento sua sabedoria
Feliz quem o pode entender.

Sábio quem ouve os murmúrios do vento... 
Quem não tem a preocupação de bagunçar o cabelo.
Para saber se ele sopra turbulento,
Basta ter a vontade de compreendê-lo

Basta acompanhar seus assovios
Derrubando folhas, movendo moinhos 
Deixar-se levar pela corrente de ar
Moldando sonhos, projetando caminhos  

Seus suspiros podem levar minha inspiração
Mas certo dia ela virá, mesmo que a passo lento.
Olhar pela janela faz acelerar o coração
Pois lá vem ela, cavalgando o vento.''
(* e ** são estudantes do Ensino Médio público, Naath e Mari: esta recentemente descobriu uma banda chamada The Black Crowes e seu disco “The Southern Harmony and Musical Companion” e agora, sim, pode dizer que ouve Rock n´ Roll; aquela cuida bem do sono pra manter a beleza e a inteligência sempre em dia).

Vento
(Lila Ripoll, 1905 a 1967, do livro “Ilha difícil", 1987)
Poema carinhosamente enviado pela Profa. Taís Castro, da rede pública de Porto Alegre.

O vento trança seus dedos 
de vento em meus cabelos.
Trança cabelos e vento
e me leva pra longe.

Sou barco, levado barco,
com enfunado vestido,
cabelos cheios de vento,
rosto de vento batido.

Vento invadindo porões
esquecidos da memória.
Vento folheando cadernos
desfolheando malmequeres

Ai! Vento vento de agora
trançando vento e cabelos 
com dedos fortes de vento,
enfuna de vento e vento
meu leve e claro vestido.
Há um cheiro de maresia
em tuas cordas de vento,
vento de rio e de mar.

Sou barco. Que o mar me leve
se o vento não me levar.
Com dedos de vento, o vento
balança barcos e mar.

Mar e vento. Vento e barco.
Quero as cordas desatar.

Que o mar me leve de leve
se o vento não me levar.

Mais música
Clara NunesA Deusa dos Orixás (1975): A mais bela das canções de amor que se passa na praia.


Diálogos na Praia de Baunilha ou
Do picolezeiro de Cidrilha
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

1.  Ele estava de cara amarrada.
Eu, vermelho que nem um peru.
“Que foi, picolezeiro?”
“Esta praia já foi melhor! Tem mais carro do que gente por aqui. E carro não compra picolé”.
“Falando nisso, me vê um cremoso, por favor”.
Devagarzinho, um Chevrolet rebaixado passou ao nosso lado com 3 barbados dentro: ouviam a todo volume o disco do CoV.
Por Deus, nunca revelei ao meu amigo picolezeiro que aquelas músicas fossem minhas.
Pena que os ganhos sejam muito poucos para os artistas devido a uma pesada taxa cobrada pelo Governo para manter o Comitê da Censura, justamente quem define o que é bom ou ruim em arte e o que pode fazer sucesso ou não em Cidrilha...

E nem por isso (pela poesia), sinto lhes dizer, que os moçambicanos de Baunilha são melhores ou piores que nós.

2.  Logo que saiu a Beldade com o Sansão, ela chupando um picolé de milho verde, ele com um de morango, o picolezeiro falou:
“As mulheres ainda preferem os pré-históricos: peito cabeludo, porrete na mão direita e nada na cabeça”.
“As beldades, você quer dizer”? Perguntei.
“Especialmente”. Respondeu.
“Sunguinha azul e tatuagem de Jesus Cristo ou dragão”. Acrescentei.
“Estamos fritos, camarada. Eu não passo de um medieval banguela e você, Inventor, um romântico do século XIX”.
Assenti com a cabeça. Pedi meu costumeiro picolé de limão, sinal dos tempos azedos em Moçambique, e parti. Não pude deixar de reparar num biquíni azul e branco, de lacinho: o meu favorito.

3.  O picolezeiro andava preocupado com a política.
“Não é que eu goste de política. Pelo contrário, desconfio de todos que dizem gostar, pois quem de bom coração vai gostar de uma coisa tão perversa?”
“Os politiqueiros é que gostam de intrigas e vaidades”. Interrompi.
“Exato, Ventoso! Só eles gostam mesmo. Mas às vezes a política se torna inevitável. Pois a vida é feita de escolhas, forças de tamanhos diferentes que se chocam. É preciso tomar partido, escolher um lado. Ainda que nada seja muito definitivo. É mais ou menos que nem meus picolés, por mais gostosos que sejam sempre acabam – e quando não tem o nosso favorito é preciso escolher o menos pior. Vais votar em quem, Ventoso, para presidente?”
“Mais do que a República, me preocupo agora com as futuras eleições escolares, picolezeiro. Sempre parto do menor para o maior. Meu método de análise. Mas confesso que, há alguns anos atrás, já cheguei a pensar que o voto em branco fosse a melhor opção. Como se abrir mão de minha própria voz fosse um protesto... Mas um tio meu me demonstrou que se posso escolher entre um picolé de limão e outro de uva, por que deixar que o picolezeiro escolha por mim? Falando nisso, camarada, me vê um bem azedo de limão”.
“Esse seu tio só pode ser comunista. Daqueles em que as únicas coisas que não se pode compartilhar são a escova de dente e a mulher”.
“Eu não sei o que é mais difícil, picolezeiro: compartilhar o conhecimento, o poder e a riqueza ou escovar a língua”.

4.  Batíamos bola na beira-mar da Praia de Baunilha.
Eu e o picolezeiro.
“Donde já se viu chamarem o Gauchão de 'charmoso'... Coisa do Grupo Errebesse mesmo, e daquele narrador sem emoção”...
“Tem um tio meu que jogou bola na Serra, pelo Caxias e  Juventude. Eu ia ver esse meu tio jogar. Até meados dos anos 1990, quando o Campeonato Gaúcho terminava no inverno, os campos eram de lodo e o futebol não passava de um autêntico quebra-canelas”.
“Hehe. A bola era apenas mais um desses mistérios da vida a ser decifrado por 22 marmanjos não muito propensos à filosofia”.
“Curiosamente após largar a carreira de futebol por um problema no joelho, meu tio cursou Filosofia na UFRGS. Charmoso é como chamam o Cariocão”.
A essa altura da prosa já estávamos sentados na areia. O picolezeiro sentia falta de ar: fumante inveterado não concatenava direito dominar, chutar e passar enquanto conversávamos.
“Vá lá: o RJ ainda preserva um ar aristocrático. Veja as novelas das 9. Os clubes grandes de lá têm origem na elite social, na virada do século XIX pro XX. Além de a Cidade Maravilhosa ter sido capital do Brasil de 1763 a 1960”.
“Pra mulato jogar tinha que passar pó de arroz na cara, veja o Friedenreich”.
“Até o racismo pode ser charmoso”.
“O nosso Gauchão vem dos anos 1930”.
“Mas Gauchão mesmo, desde os 60. Antes era por região, tipo um Gauchinho”.
“Conversar com historiador é sempre bom e chato ao mesmo tempo: sabem tudo”.
“Já conversar com picolezeiro é difícil: estamos sempre numa gelada. Aliás, podias começar a vender cerveja nesse teu carrinho”.
“Sou muçulmano. Nada de álcool. Apenas ki suco. Acho que, hoje, com essa grana pesada da TV, dos patrocinadores, os gramados do Interior ficaram bem legais. Mas o Gauchão ficou alguma coisa assim entre o insosso e o fastio: para atletas e torcedores”.
“Eu ainda gosto de ir a um estádio ou ao bar acompanhado de velhos boleiros que lembram daquele Brasil de Pelotas e Grêmio lá de ´62, ou quando o São Paulo de Rio Grande bateu o Inter de Falcão, Carpegianni, Manga e Figueroa, mais as trombetas de Jericó, em pleno Beira-Rio”.
“Não frequento CTG´s. E há tempos troquei meu cavalo por um Fiat Uno. Mas acho que o falecido cronista esportivo Cláudio Quintana Cabral (1940-2012) foi quem inventou a alcunha perfeita pro Gauchão": ‘entrevero pampeano’.
“O Mestre”.
“Meu pai gostava muito dele”.
Disse o picolezeiro, enquanto limpava a areia da mão pra alcançar o troco ao menino que já estava todo lambuzado com um de laranja.

Alexander Petrov - O Velho e o Mar (1999): Animação em curta-metragem baseada no romance homônimo de Ernest Hemingway (1899-1961). Têm momentos em que a alma fica tal qual o pescador Santiago: velha e alquebrada. Entretanto sair para o mar infestado de tubarões em busca do peixe-espada gigante pode ser a única coisa a se fazer.