quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Santa Maria, Iemanjá e Carnaval


Goya, A peregrinação de Santo Isidoro, 1821-1823

Sobre Santa Maria
(Apontamentos históricos e antropológicos para as tragédias da vida moderna)

* Já há algum tempo o dinheiro é mais importante do que a vida alheia – é difícil sair sem pagar de um estabelecimento comercial, mesmo quando há um incêndio;

* A primeira reação de muitos frente aos semelhantes é a desconfiança – “não há incêndio coisa nenhuma, é malandragem pra sair sem pagar”;

* A cultura do levar vantagem em tudo: 1) Empreendedores do ramo do entretenimento noturno adoram colocar mais gente do que cabe em seus estabelecimentos; 2) Universitários em festas para arrecadar fundos para suas formaturas pensam parecido. Vender mais ainda é lucrar mais...

* ...e assim nada deixa de virar mercadoria;

* Jovens notívagos, por vezes, gostam bastante de ambientes superlotados para se divertir, pouco importando o conforto e o diálogo entre si;

* Festa também significa orgasmo, alucinação, estupor, frenesi, loucura, caos – isso é bem bom; mas, por vezes, pode ser trágico, violento e brutal;

* Luto não se confunde com inocência, portanto;

* Muitas casas noturnas funcionam sem estarem regularizadas, muito menos são fiscalizadas pelo poder público;

* O desleixo do poder público e suas “vistas grossas”, às vezes, é fruto da corrupção proposta pelas entidades privadas - empresários e empresas;

* Felizmente, pouquíssimas tragédias têm acontecido em boates;

* Por mais cultos, jovens, modernos, brancos e diplomados que podemos pensar ser ainda temos sérias dificuldades na vida pública e em meio às crises coletivas;

* Desconhecemos amplamente a legislação (em parte, municipalizada pela Constituição) referente à segurança e prevenção de acidentes em locais de trabalho e diversão em grupo;

* Quase todo dia uma favela pega fogo Brasil afora;

* Quase todo brasileiro é um super-herói enrustido que se manifesta quase sempre depois das tragédias, quase nunca antes;

Músicos da noite ganham cachês minguados, sendo geralmente operários da cultura, contratados por empreitada, digo, festa;

* A juventude (15 aos 29 anos) é sinônima de imortalidade. Mas somos nós, os jovens, que mais matamos e morremos no Brasil atualmente;

Tudo é tanto na sociedade industrial (globalizada/capitalista/massificada): os produtos nas prateleiras; os remédios; as doenças; a demografia; os carros; os acidentes de carro; a poluição; as imagens; o conforto de uns; as tragédias de todos; o prazer; o pranto.

* A vida é frágil a todo instante (para todos).

Tentar sair do sentimentalismo (diante de tantas tragédias)
        A escritora Susan Sontag (1933-2004) publicou em 2003 um livro instigante – “Diante da dor dos outros”. Na obra, Susan elabora muitas perguntas sobre o impacto das imagens (pinturas, fotos, filmes, cenas de TV, vídeos) que enfocam a dor, a guerra, a morte, a destruição - desde as pinturas de Francisco de Goya (1746-1828), às fotos dos campos de concentração nazistas, passando pela Guerra do Vietnã até a queda das Torres Gêmeas em 2001. Uma de suas primeiras questões é: todos reagimos da mesma forma frente a imagens de dor? “Nós” somos contra a violência e a barbárie – mas quantos significados cabem num “nós”? E assim ela filosofa:

As informações sobre o que se passa longe de casa, chamadas de 'notícias', sublinham conflito e violência – 'Se tem sangue, vira manchete', reza o antigo lema dos jornais populares e dos plantões jornalísticos na tevê – aos quais se reage com compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada desgraça se apresenta”. (Susan Sontag)

A imagem como choque e a imagem como clichê são dois aspectos da mesma presença.” (Susan Sontag)

Iemanjá, noite e morte
 Nossa Senhora
Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo seu dorso de fera,
E acalma-o misteriosamente,
Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!
 (Álvaro de Campos, trecho adaptado dos “Dois excertos de Odes”, 1914)             

Trilha Sonora para o Carnaval
Acadêmicos de GravataíDe Aldeia dos Anjos a Gravataí: Um Poema de Amor no Coração da Onça Negra (2013): Ficamos na torcida pela escola da MV1 no Carnaval de Porto Alegre.

Neil YoungPsychedelic Pill (2012): Uma pílula (musical) psicodélica pro Carnaval.

Mundo Livre S.A. O mistério do samba (2000): Videokê do CoV. O samba não é: carioca, baiano, do terreiro, africano, da colina, do salão, da avenida, carnaval, da TV, do quintal, emergente, da escola, fantasia, racional, da cerveja, da mulata, do playboy, liberal, não é chorinho, não é regional, do bicheiro, do malandro, canarinho, verde e rosa, aquarela, bossa nova, silicone, malhação, do Gugu, do Faustão.

Não tem mistério / Como reza / Toda tradição: É tudo uma grande invenção.

Alvinho LancelottiMeu bloco de amor (2012): Desfila só pra mim / Samba de dois / Que balança / No ar / Confetes pra gente brincar / Um beijo pra ela pegar / O bloco do amor vai passar.

Tom ZéFrevo (1972): Resumindo o espírito de Carnaval: Não quero saber de conselho / Esquece / Deixe pra lá / Me arranje / Um pecado / Quente / Pra me consolar / Depois tem o ano inteiro / Pra gente pagar / Vou morrer / Se você não me arranjar um pecadinho.

Rafael Castro e os Monumentais10% cristão (2010): Oh! Meu Deus!!!!!

Neil YoungAngry World (2010): Mundo furioso: para o empresário, para o pescador.

Los Hermanos Todo Carnaval tem seu fim (2001): 
Zé que dorme de pé / Rosas chamadas / Bossa nova usada / Brincar de ser feliz / Pintando o nariz / Nem toda banda tem um tarol...