sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A luminária pifou














 







Gerrit Dou, Astrônomo na luz da vela, 1659

Uma das experiências criativas mais legais que tive em 2017 foi compor e gravar com a Juliana Schmidt.

Parceria inesperada que surgiu após a luminária dela pifar num show meu e como ressarcimento eu ter poetado e musicado com a moça.

Se não fosse o cantor Marcos Delfino não haveria nada disso. Ainda pudemos contar com a flauta mágica do mestre Antonio Ramos.

A arte vai por conta do holandês Gerrit Dou, cerca de 1659, já que os pintores barrocos e flamengos souberam como ninguém trabalhar o jogo das luzes contra as sombras.

Nossa luminária é inspirada no movimento iluminista e suas lâmpadas desde o século XVIII. Assim como nas memórias de Érico Veríssimo:

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.
(ÉRICO VERÍSSIMO, 1973)



A LUMINÁRIA PIFOU
(Carlos Albani / Juliana Schmidt)

Não era sobre o fim do dia
Mas era a luz que findava
Era a falta que fazia
Nada mais irradiava
Nada mais cintilando

Era sobre a falta que fazia
Nada mais reluzindo
Aquela luz faltando
Onde estava o poeta
Clarão de ideias
Cabeças se iluminando

Isso até um rei tirano
Coroar o apagão
Difamando a luz do sol
Prender a Prometeu
Cobrir a todas às lâmpadas

Sequer o gênio encontrou perdão
Nem a lenha do fogão ardeu
Não se viu mais raio no céu
Nem Julieta, nem Romeu
A paixão não mais amanheceu

Ainda assim há que se incendiar
E acender as velas
Há que se riscar os fósforos
Fazer fogueiras no fundo do poço

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A Menina do Colar e a Girafa Elétrica


Segundo livro do Inventor do Vento / já está à disposição / 
dos leitores ventosos




Sessão de autógrafos na 31ª Feira do Livro de Gravataí/RS


Que o colar de coração apaixonado da Menina multiplique os lirismos!
Que a elétrica Girafa nos dê uns choquinhos de leve, só pra fazer pensar!
Seguiremos cantando nossos contos de vento!

Vuuuuuush!


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

GRATIDÃO IORUBÁ

Máscara Ancestral, Abdias do Nascimento, 1988


No vale do rio Níger, Oeste da África, os griots iorubás, por séculos, contaram esta história, que Leo Frobenius (1873-1938), o viajante, me contou e eu conto agora procê assim:

GRATIDÃO

1. O caçador foi para a mata
E derrubou um antílope
Um gato-de-algália sentiu o cheiro
E faminto apareceu
Pediu-lhe um bocado de carne
O caçador lhe deu um bom bife
O gato lembrou: - Posso lhe fazer um favor, quando precisar…

2. Numa outra caçada
O mesmo caçador se embrenhou
Na mata fechada
Topou com um crocodilo
- Fui enganado! Moro no rio, mas vim parar aqui!
- Salve-me que lhe darei muitos peixes!
Falou o crocodilo
- Com prazer! Falou o caçador
Puxando o crocodilo numa corda
O caçador levou o réptil ao Níger
Solto, o crocodilo buscava os peixes Prometidos, um a um…
Pôs o primeiro no seco;
O segundo no raso;
E o terceiro peixe no fundo…
Quando o caçador buscou esse último peixe
O crocodilo lhe agarrou o pé!
De um banco de areia
Vieram os demais crocodilos:
- Oba! Comida! Venham todos pro banquete!
(Berraram)
O caçador lamentou: - É justo isso?
- Te salvei, crocodilo perdido
- E agora me devoras?
Os crocodilos resolveram ouvir as coisas que
Um dia pertenceram ao caçador:

3. O tapete acusou:
- Quando estava novo e limpo ele não me pisava
- Até me enrolava com carinho
- Mas quando fiquei velho e sujo ele me jogou no rio…
O vestido acusou:
- Quando era colorido e sem traças
- Ele e sua esposa me engomavam pra desfilar
- Agora todo puído e desbotado me jogaram no rio…
A égua que foi beber água acusou:
- Já morei no seu estábulo
- Comia da melhor grama para as corridas
- Dei-lhe potrinhos, mas desdentada
- E fraca das carnes
- Ele me enxotou da aldeia…

4. Os crocodilos já serviam a mesa
Quando o gato-de-algália apareceu
O gato pediu para irem onde tudo começou…
No sertão da mata fechada
O crocodilo ficou furioso:
- E foi daqui em diante que ele me amarrou
- E me arrastou pela estrada…
O gato disse: - Doeu, crocodilo?
O crocodilo disse: - Doeu!
O gato disse: - Como eram os nós?
E o caçador atou o crocodilo
E mostrou a amarração
- Entendo porque não está satisfeito, crocodilo!
O gato exclamou e soltou o réptil
No meio da mata
Disse também:
- Você já castigou o caçador
- Mordendo sua perna no rio!
- Agora para acabar com as brigas
- Você ficará solto por aqui
- E o caçador seguirá com suas caçadas por aí
O caçador então agradeceu o gato
Ambos foram embora…
O crocodilo, outra vez
Estava num mato sem cachorro
Ou melhor: sem caçador!

5. Toda pessoa, algum dia
Será tratada como tratou os outros?

(Reconto por Inventor do Vento)