segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Lucy não se esqueça de mim

Albani & Mick, Trilha das Artes, 25/10/2014


Lucy não se esqueça de mim*
(Letra e música de C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Lucy, pare de tomar LSD
Lucy, o vizinho da esquina quer comer você
Lucy, pare de ler Edgar Allan Poe
Lucy, nunca deixe de escutar o bom e velho roque enrow

Ah! Lucy, não te esqueças de mim
Ah! Lucy, nosso amor chegou ao fim

Lucy, pare de pensar no amor e na fé
Lucy, Jesus Cristo pega ônibus e anda a pé
Lucy, por favor, pare de sorrir
Lucy, teu olhar é tão doce e eu não consigo dormir

Ah! Lucy, por favor, não se vá
Ah! Lucy, o teu nome é amar

Lucy, por favor, me desperte antes das seis
Lucy, o sonho acabou outra vez
Lucy, não estou atrasado, mas preciso ir
Sinto o coração quebrado, mas eu vou partir

Ah! Lucy, por favor, não se vá
Ah! Lucy, o teu nome é me amar
Ah! Lucy, não te esqueças de mim
Ah! Lucy, nosso amor chegou ao fim


*Escrita originalmente em 2004 para a maior banda da galáxia, a banda Madame Satã, esta canção também integra o repertório autoral do CoV desde sempre. Em 2013 surgiu a sua gravação beatnik, direto do Laboratório de Sons do Vento. Já no primeiro semestre de 2014, foi a vez do Inventor do Vento e seu comparsa, Mick Oliveira, o Profeta do Vento, registrarem uma versão acústica da canção em uma noite abençoada.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Postagem extraordinária: Professores - "Anjos da Guarda"


Quadro negro e giz branco, De Comenius até as estagiárias de 2014

            Desde 1995 quando foi gravada pela sambista Leci Brandão, a canção “Anjos da Guarda” tem sido um símbolo da luta dos educadores, Brasil adentro, pela educação pública de qualidade – hino entoado em greves e mobilizações; credo inconsciente nos conselhos de classe.
            Muitas vezes me pediram para que eu cantasse essa música... E este Inventor do Vento nunca conseguiu. Até chegar a tarde de primavera do dia 15 de outubro de 2014: exatamente o Dia do Professor!
            Passei o dia no asilo para professores aposentados “Saudosa Sociedade dos Mestres Queridos”, lá na Praia de Baunilha, ao sul de Moçambique. E lá me deparei com seis velhinhos que, para minha boa fortuna, tinham aprendido a tocar algum instrumento como terapia após se afastarem do giz e da lousa. Sendo assim, realizamos esta estranha gravação.
            A idéia era gravarmos no pátio de uma escola próxima, mas a preguiça não nos deixou passar do quarto do Professor Arquimedes Vieira, matemático e tocador do cajón, dono também de uma vasta biblioteca que ajudou a atrasar nosso ensaio. Na guitarra, contamos com Ary Tolueno, biólogo e professor da rede pública de Viamão, nos anos 1950, onde criava tigres nos Laboratórios de Ciências das escolas para deixar suas aulas mais atraentes aos filhos dos agricultores locais. No violão, conheci Dona Capitolina de Assis Machado, professora de língua portuguesa, francês, espanhol e latim, assanhada que só ela: embestou de me achar bonito. Lecionar, lecionou apenas 5 anos logo após sair do Magistério, pros pimpolhos do primário, isto em Porto Alegre. No mais de sua carreira, foi diretora nos anos 1960 e 1970 de uma escola hoje desativada, pois atendia apenas 75 alunos por ano, todos muito comportados, embora houvesse milhares de camponeses e sem-terra analfabetos (adultos e crianças) se achegando no bairro: na sua época, portanto, as comunidades não votavam para a direção das escolas como acontece hoje em dia após a redemocratização brasileira e sua LDBEN, dos anos 1990.
            Nas percussões, o General Positivista Quem Manda Aqui Sou Eu, Educador Físico ainda saradão, no alto dos seus 87 aninhos: evidentemente desritimado, mas teimoso que só, armado com seus galardões, foi também quem propôs o arranjo da canção e, talvez inconscientemente cumprindo a sina dos militares no Brasil, tentou pôr ordem no processo criativo, em busca de algum progresso, entenda-se, do melhor andamento musical, o que acabou transformando um samba autêntico num rock anárquico.
            Nos vocais de apoio, ainda contamos com o teólogo, professor de História e Geografia e Religião e padre jesuíta, Pedro Paulo dos Santos Inácio de Loyola: por três vezes paramos a gravação para ouvir sua maravilhosa explanação sobre a profissão de professor não ser uma profissão qualquer, muito menos ser qualquer profissão: mas, sim, uma predestinação: uma missão civilizatória e evangélica na América.
            Tecnocrático da Cunha, professor universitário e, por um triz, quase que o primeiro professor do ensino profissionalizante do Brasil (perdeu a vaga inexplicavelmente para um amigo seu de infância, ruim pra dedéu em cálculo) decidiu não participar da releitura, embora tocasse apito. Achou perda de tempo essa homenagem excêntrica e apressada (além de tudo, atrasada, pois conforme sua previsão, só na madrugada do dia seguinte este Inventor do Vento chegaria em Gravataí para poder escrever aos leitores do blogue do CoV sobre a aventura no asilo). Da mesma forma, julgou nossos instrumentos ultrapassados, nossas competências e habilidades como artistas incompetentes e inábeis. Se estivesse na ativa, estaríamos todos rodados na matéria de engenharia de ruídos ou canto orfeônico.             

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A bordo do aeróstato um cão lê

Thomas Gainsborough, George Venable Vernon, [seria o rapaz ou o cão?], 1767


            “Numa extremidade da gôndola, indiferente aos que iam e vinham pelo tombadilho, batendo de vez em quando a cauda de modo expressivo contra as tábuas do assoalho, o focinho enterrado nas páginas de um volume do Sr. Henry James, um cão de nenhuma raça em particular parecia absorto no texto à sua frente. Desde o dia em que os Amigos (do Acaso), no decorrer de uma missão na capital da nação (ver Os Amigos do Acaso e o pateta perverso), salvaram Pugnax, na época ainda um mero filhote, de um conflito furioso, à sombra do Monumento a Washington, entre duas matilhas rivais de cães sem dono, ele tinha o hábito de perscrutar as páginas de qualquer material impresso que porventura encontrasse a bordo do Inconveniência, desde abordagens teóricas das artes aeronáuticas até leituras bem menos apropriadas, como folhetins sensacionalistas – embora, ao que parecia, ele gostasse mais de narrativas sentimentais a respeito de sua própria espécie do que de histórias que destacassem os extremos do comportamento humano, que lhes pareciam um tanto extravagantes. Ele aprendera, com aquela facilidade característica dos cães, a virar as páginas do modo mais delicado, utilizando o focinho ou as patas, e todo aquele que o visse entretido dessa forma não podia deixar de perceber as mudanças de expressão em seu rosto, em particular as sobrancelhas excepcionalmente articuladas, que contribuíam para o efeito geral de interesse, envolvimento e – impossível evitar a conclusão – compreensão”.
(Thomas Pynchon, Contra o dia, 2006, tradução de Paulo Henriques Britto)


Sugestão de trilha sonora para ler Thomas Pynchon>



Thelonious Monk – Blue Monk

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Crianças, bichos & flores

Luiza Fortes (Lulu) declama Fernando Pessoa, Território do Pensamento, 04/10/2014


 “Crianças, Bichos & Flores”
Ficha técnica:
Letra, música, voz e violão: C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento
Viola caipira: Mick Oliveira, o Profeta do Vento
Flauta transversal: Antonio Ramos, o Iogue do Vento
Gravada em Maio de 2014 no Estúdio LACOS, Cachoeirinha/RS

Andou tentando entender
Aquilo que não entendia
Sentou, parou pra pensar
Em coisas da vida
E perguntou, logo de cara,
Pelas crianças, bichos e flores
E procurou e procurou e procurou e procurou...

Procurou a professora
Que já sem voz nada respondeu
Procurou a moça grávida que desta busca nunca padeceu
Procurou a bióloga, amiga sua, mas estava de férias
Procurou o caçador: na mira do trabuco perguntas não cabiam

Andou tentando entender
Aquilo que não entendia
Sentou, parou pra pensar
Em coisas da vida
E perguntou, logo de cara,
Pelas crianças, bichos e flores
E procurou e procurou e procurou e procurou...

Procurou a florista
Enchendo a cesta mandou-lhe cheirar
Os crisântemos, azaléias, begônias e tulipas
Procurou o lavrador: não via flor havia quinze anos!
No cemitério um defunto conserva um jarro cheio delas

Andou tentando entender
Aquilo que não entendia

Na biblioteca
Se perdeu na seção de livros eróticos
Falavam todos ao mesmo tempo naquela rede social
Ouvindo o choro do nenê sentiu pena e depois raiva
Foi quando Deus pediu-lhe desculpas por já estar se aposentando

Andou tentando entender
Aquilo que não entendia
Sentou, parou pra pensar
Em coisas da vida
E perguntou, logo de cara,
Pelas crianças, bichos e flores
E procurou e procurou e procurou e procurou...



Das crianças:
Um mundo maravilhoso
Se esta cidade fosse minha
Eu mandava arrumar
Para todos serem felizes
E nela poder passear

Se esta lagoa fosse minha
Eu não deixava poluir
Joguem lixo em outra parte
Porque os bichos moram aqui

Se este mundo fosse meu
Eu faria tantas mudanças
Que ele seria um mundo maravilhoso
De animais, pessoas e plantas

Se esta floresta fosse minha
Eu mandava limpar
Para as pessoas e animais
Poderem assim brincar
(Júlia Bandeira Fonseca, Julinha, 11 anos, estudante da rede pública de Gravataí, sonhadora, sobre a cantiga folclórica “Se esta rua fosse minha”)


Poema de ClaCla (com uma ajudinha da Mama)
Em meu sonho vejo uma fada
Sei que ela é encantada
Traz nos dedos um segredo 
Como se fosse um brinquedo

Ao entardecer vejo um circo 
Com um anjinho colorido 
Sei que ele é meu amigo
Pois sempre está comigo

Na cachoeira chocolate 
E nela o coração que bate 
Na espera da boneca
Enfeitiçada pela rebeca
(ClaCla ou Clarice Freitas tem 10 anos, estuda, dança balé e toca saxofone de Vento)


CoVA Menininha Ventosa e o Esqueleto: