sexta-feira, 31 de julho de 2015

Resenhas da Aline - Livro 01: O irmão alemão

Cindy Sherman, (Fotocópia do tema) Filme imóvel sem título nº 7, 1978


Simpatizante dos bons ventos, a historiadora Aline Sparremberger anda resenhando algumas de suas leituras e vai, aos poquitos, compartilhando aqui no blogue do CoV o que esses livros lidos contam:


O irmão alemão (Chico Buarque)
Adquiri o livro O Irmão Alemão numa compra de leituras para férias. Quando vi o livro na prateleira de lançamentos fiquei tomada pela curiosidade. Afinal, musicalmente falando, Chico está ativo e produzindo lindamente, e ouvir Chico é sempre um prazer, portanto como seria ler Chico dos anos 10?
A trama está relacionada com uma descoberta familiar do protagonista.
Ele se depara com a novidade de que seu pai, o grande historiador Sergio Buarque de Holanda, quando jovem, teve um filho na Alemanha.
O protagonista descobre a existência deste irmão de uma maneira casual e depois disso vai tentando mapear e entender este segredo velado de sua família; com isso vai percebendo que tudo relacionado a este irmão alemão é um verdadeiro mistério.
O enredo é envolvente e as descrições são bem detalhadas, juntando isso ao fato de não ficarem evidentes quais elementos da narrativa são autobiográficos e quais são ficcionais, o leitor se sente passeando pela intimidade da família Buarque de Holanda.
E é impossível não ficar encantado com as descrições da biblioteca do Sergio Buarque, para os amantes dos livros, imaginar esta casa é quase como se imaginássemos a casa da bruxa do conto João e Maria, toda feita de doces, porém esta é de livros.
Para mim, este livro é daqueles de digestão gradual, do tipo que acabamos de ler, mas a história não finaliza porque ele ainda está povoando nossos pensamentos; dias após a leitura e tu ainda te pega refletindo questões abordadas na narrativa.
Confesso que havia criado expectativas mirabolantes sobre o livro, mas posso afirmar que Irmão Alemão é uma leitura agradável e instigante que consegue contemplar de forma secundária relatos de momentos históricos mundiais relacionando-os à história familiar do autor.
É impossível saber o que é fato e o que é invenção na narrativa, e decidir sobre isso fica a cargo da imaginação de cada leitor.
Chico é verdadeiramente um grande contador de histórias, isso é inegável.
Recomendo a leitura.
 Título: O Irmão Alemão
Autor: Chico Buarque
Páginas: 240
Lançamento: 07/11/2014
Editora: Cia das Letras

E adivinha quem atendeu a Aline... “A GURIA DA LIVRARIA”:

sexta-feira, 24 de julho de 2015

(Chá Chá Chá dos) Sonhadores & outros poemas de Felipe Magnus

Sonhadores, Felipe Magnus, 2015


Os poemas de Felipe Magnus, Porto Alegre/RS, nos trazem um forte conteúdo social e político. Mas não só. Começamos a série com “Sonhadores” que também é a trilha sonora da semana com chá chá chá deste Inventor do Vento, C. A. Albani da Silva, em seu Laboratório de Sons.

Sonhadores
Os restos
das lendas
de ontem
são concreto
hoje.

O concreto
que nós
quebramos
diariamente
a marteladas
de sonhos.



Imagens do Novo Mundo
propagam a guerra
escondem diário massacre
nossa suposta paz erra
a violência veste fraque

depois de pólvora e chumbo
a verdade como cadáver moribundo
mundo livre, mundo novo
promessas no prato do povo

Elevador
teatro silêncio deserto
no hall hálito de mofo
elevador atende gemendo
como um velho geme de dor

andares desbotados no painel
ao primeiro movimento mecânico
meus versos quebram ao chão
seria aliteração da vida?

a queda queda queda
"queda" tudo em suspenso!
o chão perde vigência
baque poeira: sobrevivência

Brasa Lume
um êxodo
das energias todas
partes do corpo
que hoje hesitam
ensaiando êxito
esperando você
ser brasa lume
a me queimar
no frio de julho
transborda
seu fogo
léguas em volume
nas tuas tranças
labaredas ruivas
tua brasa lume
as energias todas
buscando teu ar
mergulho

Distopia: Bala
bala
é a palavra
dos jornais
a ponto de
bala
no cidadão
bala
é sem resquício
julga a ferida
aberta com a mesma
bala
doce a criança come
e a transgenia consome
bala
que bala essa coca zero
licor de câncer nos rins
bala
mas bala mesmo é ritalina
filho robô vai muito bem
bala
é o saudável sendo proibido
drogas legais e assassinas
bala
é viver para trabalhar
trabalhar para consumir
e consumir para… viver
bala
ponto final.

Mar Morto
na banal filosofia humana
plantamos em cada dia
sementes de eternidade

no mar morto, somos ilhas
prestes a serem engolidas

tempo onda, vida areia.


Reprise
O Repórter Esso informa:
é a reprise da História
depois da Inquisição
(o Holocausto Cristão)
o moderno império
chama-se corporação

Grita a escória Telejornal
"O Islaã é o novo vilão!"
dando ao ianque poder policial

esta vanglória predatória
é a reprise da História
rumo à nova Cruzada mundial


Chama
nasce
após inúmeros colapsos
se aquieta
arrepia cabelo
aprende a transpassar
e a consumir tudo
se reproduz
em um pavio curto
morre
beijando cera


Fome de Tudo
Salários
Cada vez mais
Cruzados novos

Sorrisos
Cada vez mais
Privatizados

Fome que resta
Cada vez mais
Nos alimenta


Engarrafamento
Quando houver pouco rio
e muito navio;
Quando houver muito avião
e pouco céu,
desistirei da humanidade.

quem sou eu?
que rei sou eu?
que mulambo sou eu?

mulambo eu mulambo tu
escravo ou mandante
de escolhas e abismos
nessa escada da vida
desgastante via
nos ístmos
míngua
recomeço
desistir não dá
ser saltimbanco com medo
também não dá
a lua cheia tem seu preço
sendo escravo ou rei

calçam a rua para pisar o solo
mulambo se suja

quem sou eu?

sexta-feira, 17 de julho de 2015

A última esperança

Grito Segredos por Léris Seitenfus, 2014


Em Julho de 2014 a microeditora Gente de Palavra, Porto Alegre/RS, lançou mais um volume da coleção “Cadernos de Poemas”: “Grito Segredos” de Léris Seitenfus. O CoV fez a abertura musical no sarau do livro. De quebra, este Inventor do Vento, C. A. Albani da Silva, musicou um dos poemas da moça para a ocasião:

A última esperança
(Léris Seitenfus)

Busco nas lamparinas
solitárias da noite
um pouco de ti.
Nas úmidas faces da Lua
um tanto de ti.
Nas ruas sorumbáticas,
vejo desertos e miragens
um infinito de ti.
Sou vulto em decadência
em cacos de solidão
vagando no solo infértil
pela cidade vazia.
Agarro mãos fantasmas
por medo do escuro
soletro cânticos, uivastes
no  coração  torto
quase morto...



quarta-feira, 8 de julho de 2015

Receita pra se fazer mão-de-obra barata

Georg Baselitz, A grande noite perdida, 1962 a 1963

(Tentativa de refletir com o Vento sobre os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e a redução da maioridade penal)

Receita pra se fazer mão-de-obra barata
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Esta não é a receita pra se matar um sem-terra
Esta não é a receita pra se fazer um herói
Esta é a receita pra se fazer mão-de-obra barata
Pra se fazer baratas baratas

Pegue uma menina aos 15 e acrescente um rapaz sedutor
Coloque-os na escola e mexa bem

De molho vai a periferia e um pai violento
Mais uma Dona Maria e a televisão

Esta não é a receita pra se matar um sem-terra
Esta não é a receita pra se fazer um herói
Esta é a receita pra se fazer mão-de-obra barata
Pra se fazer baratas baratas

Cozinhe nove meses e terás um pequeno aperitivo que
Chora e mama e chama “Mamãe”

Repita o procedimento 4, 5, 6 vezes
E o banquete começa a ser servido

Esta não é a receita pra se matar um sem-terra
Esta não é a receita pra se fazer um herói
Esta é a receita pra se fazer mão-de-obra barata
Pra se fazer baratas baratas

O rapaz sedutor virou uma mera assombração
E a menina bonita, farrapo humano
Sua avó traz do campo mil santos e uma fé sem igual
E também vai pra Igreja pentecostal
Só não entende que o amor é um doce veneno
E o sexo é bom
Mas já não tem mais escola com um filho nas mãos

Esta não é a receita pra se matar um sem-terra
Esta não é a receita pra se fazer um herói
Esta é a receita pra se fazer mão-de-obra barata
Pra se fazer baratas baratas

Filhos acolhidos, adotados, criados pela rua madrasta
Onde a liberdade é uma cela sem grades
Carol leve a sina da mãe na sua barriga
Carregando, em breve, um novo Dudu
Mas já não tem mais escola com um filho nas mãos
Mão-de-obra barata
Baratas e ratos

Esta não é a receita pra se matar um sem-terra
Esta não é a receita pra se fazer um herói
Esta é a receita pra se fazer mão-de-obra barata
Pra se fazer baratas baratas

E o Dudu vai pra obra erguer Shopping Center
E o Dudu vai montar carro pra multinacional
E o Dudu vai limpar a sola suja do sapato de algum advogado
E o Dudu rouba a velha no centro
E o Dudu vai em cana
É o Brasil que devora seus filhos e cospe no prato 
(Gravada em Julho de 2015 no Laboratório de Sons do Vento, escrita originalmente em 2010)