sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Vidente Xalalá passa um pente fino em 2016


Vidente Xalalá, Deu Tilt na Bola de Cristal, 1867


Disse um abilolado Vidente Xalalá em seu programa na TV pública, pouco antes de tirarem a TV pública do ar: “Deu pau na minha bola de cristal! Não vou poder adivinhar bosta nenhuma do ano que virá! Mas se vocês agarrarem 2016 do avesso e apertarem espremerem os contracantos do tempo, afagando a memória, vão ver que não teve só retrocesso político, desgraceira e polêmica neste ano, teve mais coisa”:

JANEIRO
No Dia Primeiro, o Malandro Urubu dormiu em PAZ, depois de tomar o maior fogo das suas penas. O que demostra, acertadamente, que apesar de uma ou duas exceções, que só comprovam a regra, pacifismo é coisa de bêbado.

FEVEREIRO
Iemanjá deu de braços com Poseidon e foram pular Carnaval na Praia do Pinhal. Embora a rainha das águas não seja a senhora do destino (destino é coisa de Mãe Nana) ela sabia que o pior estava por vir, então aproveitou pra extravasar antes. No mesmo dia, o Picolezeiro da Praia de Baunilha vendeu seu picolé nº 100.001. De brinde ele ofereceu à menina que comprou o geladinho um mergulho gratuito no mar. Como ela já tinha mergulhado naquele dia, contentou-se em chupar o picolé. O Picolezeiro pegou jacaré sozinhamente.

MARÇO
Em Congresso Feminista no Uruguay que se estendeu por quase três semanas, Lolita Leine defendeu a tese e convenceu as congressistas de que Anitta assim como Joana D´Arc não chega à altura da bailarina Mata Hari nem da passionária espanhola Dolores Ibárruri, mesmo com outra guerra mundial isso nunca acontecerá. Disfarçado de mulher com batom e tudo o Paulo Coelho gostou da ideia e saiu a bolar o seu novo livro sobre a espiã holandesa; sobre a comunista de Espanha, enquanto, nada. Lolita Leine iria defender também a força punk da roqueira Patti Smith, mas ninguém ainda sabia que ela representaria o Bob Dylan no Nobel nos fins de ano (como de costume, minha bola de cristal estava com tilt em dezembro de 2015...), daí que a Lolita quietou-se e deixou o Congresso finalmente acabar, já que se alongava demais aquela pensativa reunião e muita menina inteligente precisava partir resolver outros problemas não menos complicados do que o machismo.

ABRIL
Foi visto o fantasma de Tiradentes sobre as ruínas de Mariana/MG. Um executivo da Cia Vale do Rio Doce ficou branco que nem uma vela, acusou a assombração. Outro endoidou e começou a rolar na lama pensando ser o barro mais limpo que sua maldita consciência suja de capitalista sujo (não há limpos, já antecipo). Um caboclo que perdeu tudo, pois até o rio em que pescava sumiu, disse que após o estouro da barragem é que o Tiradentes perdeu a cabeça e passou a assombrar os executivos crédulos (existem alguns!) da mineração multinacional.

MAIO
Em maio, o Moleque do Espaço comemorou 30 anos de vida. Geminiano encardido, bateu uma dúvida se festejava de noite, que era mais fresquinho, ou de dia, que os parentes mais velhos acreditavam ser mais seguro. Incapaz de superar as inseguranças voou pro céu sideral ter com Cástor & Pólux, as estrelas gêmeas. A confusão só se fez triplicar. Estão até agora debatendo. Em tempo decidem algo pra festa de 31 anos.

JUNHO
Houve uma greve de gnomos de Natal no quintal de roseiras do seu Valdemar. O Papai Noel acusou Jesus de Nazaré, que teria cooptado a gnomada para trabalharem por seus evangelhos e mandarem longe o paganismo consumista do velho Noel entregador de presentes. Jesus negou até a última. Chamava os gnomos de diabretes: estando impedido pelo Pai de fazer aliança com esse tipo de gente.

JULHO
Afonsinho dono da banca de frutas na COHAB colocou o novo preço inflacionado da maçã miúda, pera pau, mamão papaya, laranja suco, milho que não é fruta. Do lado das frutas pôs uma placa onde se lia “o amor é de grátis”.

AGOSTO
O Cachorro Louco foi à tumba do Júpiter Maçã. Latiu 3x a prece mais importante de todo o mundo, o Pai Nosso. Adispois arriscou latir “Beatle George”. O coveiro chorou e os dois saíram juntos coçar as pulgas.

SETEMBRO
Um anjo caiu na cabeça da Presidenta Dilma. E disse que lá no céu também ocorrem golpes de Estado e puxam-se os tapetes celestes, manifestações de uma mesma luta de classes.

OUTUBRO
Mês dos paranormais se encontrarem em Praia de Baunilha e entortarem garfos. A Menina do Colar achou curioso quando a Girafa Elétrica lhe contou do encontro de gordos que rolava ao lado: pauta deles: como podem entortar garfos com tanta comida por aí?

NOVEMBRO
Escarafunchando há 80 anos nas “Raízes do Brasil” o mais famoso livro do historiador Sérgio Buarque abriu-se na página 214 e leu-se “Uma superação da doutrina democrática só será efetivamente possível, entre nós, quando tenha sido vencida a antítese liberalismo-caudilhismo”. E fechou-se. E quem comentou foi o taxista Sérgio que simplesmente falou “Bonito! Mas prefiro poesia”.

DEZEMBRO
Do canto do olho esquerdo e acima do bigode direito o Cigano reparou nas formigas andando em fila indiana e se perguntou se elas iriam pra Índia como um dia ele viera da Romênia. Toda andança de ida ou de volta, organizada ou bagunçada, começa antes do primeiro passo. O servo de há 40 anos no mesmo feudo em Goiás disse ao Cigano que a pior condenação é seguir e nunca poder ficar.


Trilha sonora pra 2017: EDVALDO SANTANA

EDVALDO SANTANA - CONSULTA (1993):

EDVALDO SANTANA - Choro de Outono (2004):


EDVALDO SANTANA - Quem é que não quer ser feliz? (2006):

EDVALDO SANTANA - Jataí (2011):


Edvaldo Santana - Dor Elegante (2000):


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Contos Pra Cantar do Inventor do Vento


Direto das NUVENS:
Nasceu o primeiro livro de histórias
do Inventor do Vento - CONTOS pra CANTAR!
São mais de 70 letras de músicas, causos modernistas, poemas ventosos!
Encomende o seu (Pelo Feicebuquis, Uats ou Email)!
Produção totalmente independente!
Cópias limitadas!
E vamos sempre Cavalgando o Vento!
Vuuuuuuush!






80 anos escavoucando as Raízes do Brasil


     Clássico de nascência, o livro “Raízes do Brasilde 1936, escrito pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, futricou lá no fundo da matéria d´alma brazuca. Entre outras coisas achou uma certa cordialidade da nossa gente que não tem a ver com sermos gentis e alegres o tempo inteiro, mas sim passionais e emotivos em se tratando da vida diária.
     Um desses livros maravilhosos a fazer a cabeça dos brasileiros dispostos a superar a casa-grande e finalmente, quem sabe, um dia, abolir todas as escravidões. Segue a última página da obra:
     “Se no terreno político e social os princípios do liberalismo têm sido uma inútil e onerosa superfetação, não será pela experiência de outras elaborações engenhosas que nos encontraremos um dia com a nossa realidade. Poderemos ensaiar a organização de nossa desordem segundo esquemas sábios e de virtude provada, mas há de restar um mundo de essências mais íntimas que, esse, permanecerá sempre inato, irredutível e desdenhoso das invenções humanas. Querer ignorar esse mundo será renunciar ao nosso próprio ritmo espontâneo, à lei do fluxo e do refluxo, por um compasso mecânico e uma harmonia falsa. Já temos visto que o Estado, criatura espiritual, opõe-se à ordem natural e a transcende. Mas também é verdade que essa oposição deve resolver-se em um contraponto para que o quadro social seja coerente consigo. Há uma única economia possível e superior aos nossos cálculos para compor um todo perfeito de partes tão antagônicas. O espírito não é força normativa, salvo onde pode servir à vida social e onde lhe corresponde. As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas. Há, porém, um demônio pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aos nossos olhos estas verdades singelas. Inspirados por ele, os homens se veem diversos do que são e criam novas preferências e repugnâncias. É raro que sejam das boas”.
(Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, 27ª edição, editora Cia das Letras, 2014)

80x Tom Zé & Rolando Boldrin

 
     Em 2016, dois cantadores do Brasil profundo completaram 80 anos de vida: Tom Zé, o tropicalista baiano que nos ensina a fugir do óbvio na música; Rolando Boldrin, o cantador e contador de causo, autêntico Sr. Brasil!

Nesta canção do álbum “Estudando o Samba” (1976) Tom Zé explica a clareza da sua confusão:

    Tô bem de baixo pra poder subir
    Tô bem de cima pra poder cair
    Tô dividindo pra poder sobrar
    Desperdiçando pra poder faltar
    Devagarinho pra poder caber
    Bem de leve pra não perdoar
    Tô estudando pra saber ignorar
    Eu tô aqui comendo para vomitar

    Eu tô te explicando
    Pra te confundir
    Eu tô te confundindo
    Pra te esclarecer
    Tô iluminado
    Prá poder cegar
    Tô ficando cego
    Pra poder guiar

    Suavemente pra poder rasgar
    Olho fechado pra te ver melhor
    Com alegria pra poder chorar
    Desesperado pra ter paciência
    Carinhoso pra poder ferir
    Lentamente pra não atrasar
    Atrás da vida pra poder morrer
    Eu tô me despedindo pra poder voltar

   

     Já nesta canção de 1981, Rolando Boldrin sugere meios de resistir à Gotham City Tropical, quando ela, vira & mexe, teima em se tornar a capital do Brasil. Segue a versão original e uma releitura do Inventor do Vento.


VIDE VIDA MARVADA
Corre um boato aqui donde eu moro
Que as mágoa que eu choro são mal ponteadas
Que no capim mascado do meu boi 
A baba sempre foi santa e purificada
Diz que eu rumino desde menininho
Fraco e mirradinho a ração da estrada
Vou mastigando o mundo e ruminando
E assim vou tocando essa vida marvada

É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda moda é um remédio pros meus desenganos
É que a viola fala alto no meu peito, mano
E toda mágoa é um mistério fora desse plano
Pra todo aquele que só fala que eu não sei viver
Chega lá em casa pruma visitinha
Que no verso e no reverso da vida inteirinha
Há de encontrar-me no cateretê

Tem um ditado dito como certo
Que o cavalo esperto não espanta a boiada
E quem refuga o mundo resmungando
Passará berrando essa vida marvada
Cumpadi meu que inveieceu cantando
Diz que ruminando dá pra ser feliz
Por isso eu vagueio ponteando
E assim procurando minha flor-de-liz



     Por fim, parceria de Tom e Rolando pra cantar o apocalipse na “Moda do Fim do Mundo” (c. de 1985):

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os BLUES do Inventor do Vento

Georg Eisler, Jazz in Montana, 1994

            
            Mãe Nana falou: “Num é assim um Rolling Stone, mai mininu, tu já inventô bocadinhu de blues desde piá. E bem que ocê pudia bolá uma pleilista ae no youtúbio pra módi nóis se adiverti um poko nesses dia tão infame que ocorre”.
            Sempre obedecendo aos caprichos de Mãe Nana, escolhi 07 blues numa retrospectiva artesanal, que começa lá na banda Madame Satã, quando este cantador nem sabia aparar os bigodes, vai até a dupla lunática Barata Atômica & Formiga Nuclear, chegando aos atualmentes do Cavalgando o Vento (CoV).

                                                                                      *(Notas por Prof. Linduarte Cantor)

Sukie Jones: O adolescente deve de ser um primitivo, expressionando-se, por vezes, no gritedo das suas músicas. Foi assim com a ópera-rock “Pornô Cor de Rosa”, da banda Madame Satã, em 2002.


Pelos cinco mil alto-falantes: Garota, rua, uísque e violão: os segredos de um bom blues, existencialista. 2004.

O blues do cachorro magro: O anarquismo é a última salva-guarda da utopia. 2004.


Só quem me ama é a minha mãe: Uma homenagem da banda Madame Satã, Gravataí/RS, em 2004, a uma das mães do blues: Alberta Hunter (1895 a 1984).


Vocês vão ter que me aturar: Existem por aí muitos tricksters: Hermes no lombo do vento grego; Exu Legba mamando nas tetas da Mãe África; a Lebre e a aranha Anansi na savana dos leões depois que passa o Saara; o Rei Macaco voador de nuvens nas montanhas da China antiga; Tanuki, o guaxinim por dentro da túnica das gueixas japonesas; o Corvo, o Coiote procurados sem recompensa no velho Oeste pelo gaudério Pedro Malasartes. 2004.


Nana (Blues): Mãe Nana é a que teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles quando que os ia parindo ao som do blues do samba e do brega, suas paixões de toda uma vida, bem comprida, aliás. 2011.


História do Bugio na Selva de Pedra: Registro ao vivo em festival de cantadores que caminham sobre as águas e rolam no lodo dos rios Mississipi, Gravatahy e Guayba: Canções que nascem do barro. 2016.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Nana SAMBA TORTO nos 100 anos do baticum

Cena do filme Häxan, 1922 de Benjamin Christensen


            Mãe Nana é a que teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles quando que os ia parindo ao som do blues do samba e do brega, suas paixões de toda uma vida, bem comprida, aliás.
          Quando Mãe Nana samba, seja em Angola, na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre, seu samba é TORTO. 
           E que ninguém o "endireite" a bibliadas, verdeamareladas, patadas, privadas (iniciativas)!
        Em Cuba, cantando para o Camarada Fidel, seu samba foi guajira para os novos tempos.
       Voltou a entortar quando olhou as "Nuvens do Céu" na Praia de Baunilha, ao sul de Moçambique, e entendeu que as nuvens não têm forma definida, só dependendo do olho do olhador: elas têm todas as formas da imaginação.


           

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Dois dedos de prosa sobre o teatro estudantil em Gravataí/RS


Dois dedos de prosa sobre o teatro estudantil em Gravataí/RS
C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento

            Nos últimos anos este Inventor de Ventos teve a oportunidade de contribuir criativamente com o FESTIL (Festival de Teatro Estudantil de Gravataí/RS): Importante espaço para o desenvolvimento da arte-educação e para o fomento das artes cênicas nas escolas da cidade.
            O festival surgiu na década de 1990, quando professores e teatreiros da Aldeia fizeram história organizando a primeira geração do evento. Foram 14 edições consecutivas da competição no, hoje desativado, Cine Teatro Municipal. Me alembro bem, quando piá, ir com meus colegas de ensino fundamental, na escola pública, da COHAB para o Centro, prestigiar várias esquetes.
            Infelizmente, durante 07 ou 08 anos, o festival desapareceu. Até que em 2014 os ventos da renovação sopraram desde o passado e, por iniciativa, dentre outros, da teatreira Izabel Cristina, vinda da Serra gaúcha (Veranópolis/RS) para o Vale do Rio Gravataí coordenar o departamento das cênicas na fundação local de cultura, o festival ressuscitou.
            E coube a mim, em parceria com o ator e camarada Raonis Jardim, lá na escola Alberto Pasqualini, Morada do Vale II, plantar a sementinha do fazer teatral entre a rapaziada da comunidade: O grupo L.A.T.R.A.P.E.S, com um elenco de oito estudantes - todos participando das oficinas de música (iniciação ao violão) que este Inventor ventilava então na biblioteca da escola, bolou uma paródia da paródia! Bagunçamos um pouco mais o texto e trouxemos pro universo juvenil o famoso “Analista de Bagé”, do Luis Fernando Veríssimo, que virou, por estas bandas, a “Analista de Gravataí”. Mas ela não veio sozinha: Trouxe consigo a Secretária Feiaura e seu baianíssimo segredo, pondo-se a consultar figuras como a Complexada (sempre inferior aos outros); a Ciumenta Barraqueira e seu Marido machista; os músicos Gaudérios e sua Milonga; o Malandro Mulherengo que levou um bayta joelhaço. A peça foi escolhida a 3ª melhor do 15º FESTIL, recebeu também o troféu de melhor cenário e foi indicada entre as melhores trilhas sonoras.
            Já em 2015, com novo grupo – Os Arteiros do Pasqual, mas ainda na biblioteca da escola (e no salão da Igreja ao lado, quando a biblioteca ficava pequena para os ensaios dos 15 atores), ironizamos a atual modinha das séries e filmes de zumbis.  A esquete “Não deixa o zumbi te pegar” (roteiro, trilha e direção de minha autoria) brincava de maneira pop e musical com a cultura pop industrial: recebemos quatro indicações - melhor direção, melhor trilha sonora, melhor figurino e melhor maquiagem. Maquiagem esta que, por pouco, não foi por água abaixo com a choradeira que acometeu algumas atrizes nas coxias do Palcão do SESC, Gravataí/RS, minutos antes de nossa estreia, ao verem os familiares na plateia ou, simplesmente, sentirem o nervoso roendo as entranhas.
            Sim, lá em cima do Palco do SESC - um dos maiores e mais bonitos do RS - onde muita celebridade global e internacional já se apresentou, tudo parece mágico em 30 minutos de encenação. E é o charme do palco em questão mais o feitiço dessa magia do faz de conta que servem como principais chamarizes pra gurizada topar o desafio do teatro. Ah! Mas que dá um nervoso, dá! Até na gente de barba graúda e cabelo branco, antes de entrar em cena no escuro dos bastidores, diante o burburinho da plateia e com as cortinas fechadas, dá um nervoso, sim.
            Finalmente em 2016, o desafio se ampliou. Aliás, o FESTIL se ampliou: Foram o dobro de apresentações, esquetes e escolas envolvidas em comparação às duas edições anteriores. Ao Inventor do Vento coube não só continuar liderando a caminhada dos grupos teatrais da escola Alberto Pasqualini, mas também arar o terreno da imaginação na escola Nova Conquista, no bairro Rincón de la Magdalena. Foram dois grupos lá: Com a rapaziada da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e com a gurizada medonha do 6º ano que, não querendo ficar de fora, conquistou o coração deste ventoso compositor e escritor: Sabiam o que queriam e queriam muito pisar no palco pra atuar.
            Três meses intensos se sucederam: Criação de três novos roteiros e respectivas trilhas, ensaios semanais, mudanças de elenco, imprevistos, mais criação (marcações, caracterizações, figurinos e maquiagens, cenários), mais mudanças de elenco, repetição, risos e broncas. Chegado o mês do teatro na cidade, chegado o mês de novembro: Entramos na maratona do festival! Foram 04 peças em 04 dias. Aliás teve até duas peças num dia só! Mas sobrevivemos.
     “100 anos de Manoel de Barros: Teatro Rupestre” prestou uma homenagem poética e musical, metade barroca, metade anárquica, ao maior poeta pantaneiro, em seu centenário, com o grupo de Teatro Rupestre. Já “Os Noivos” foi uma esquete bolada a partir de canção homônima, deste autor, gravada como faixa-bônus do álbum do projeto cultural Cavalgando o Vento (CoV), em 2014, e encenada com o grupo #SomosTodosTeatreiros. Em “100 anos de samba: No baticum da vida”, foi a vez do grupo Samba Teatro: Estudantes e professores da EJA, pela primeira e única vez em 17 edições do FESTIL, teatraram e batucaram pra bem longe a escravidão, suas heranças nefastas, cantando grandes compositores do samba como Donga, Lupicínio Rodrigues, Adoniran Barbosa, Noel Rosa, as dores de cotovelo, o Carnaval e o fantástico do dia a dia.
            Ah! E ainda teve a participação deste que vos escreve na peça que fez a abertura especial do evento: “Bella Donna”. Com roteiro do prof. Daniel Assunção e direção do prof. Flávio Ávila - dois teatreiros danados de habilidosos e pra lá de versados em festivais, assim como, fundamentais desde a primeira movimentação do FESTIL há 15 anos. O grupo foi formado, em sua maioria, por professoras, quase todas, debutantes no palco. Dois estudantes, um da MV II e outro do Rincão, figuraram no enredo que mostra um insólito triângulo amoroso entre dois coronéis (o Coronel Leopoldo, de bengala e cachimbo, era eu!) e uma cafetina fã de Edith Piaf.
            Conquistamos mais alguns troféus com estes trabalhos: “100 anos de Manoel de Barros” recebeu três indicações (texto, caracterização dos personagens, figurinos) e um prêmio – trilha sonora; “Os Noivos” teve seu protagonista, o Menino que só queria namorar (Brayan Ramos), escolhido o ator revelação na categoria juvenil. Mas o maior prêmio mesmo foi conquistado em meio ao intenso processo criativo que culminou nas três peças, passando por intercâmbios culturais bem legais (uma escola visitou a outra: Morada do Vale no Rincão da Madalena, Rincão nas Moradas, além das Moradas na Morungava); dezenas de sessões internas para várias turmas de cada escola, no melhor estilo companhia mambembe, ou vaudeville, de teatro. Semeou-se assim novas parcerias pro futuro.
            Antes que as cortinas se fechem e eu me alongue demais, me parece que o FESTIL novamente se consolida, claro, ao ser encarado como política pública (tomara!). Apesar da instabilidade política (na Brunzundanga, na Aldeia), espero que o Festival tenha voltado para ficar. O primeiro passo nesse sentido é os gestores (diretores de escolas, administradores da Prefeitura, coordenadores da rede estadual de ensino) garantirem tempo e espaço aos professores/diretores teatrais. Quais escolas públicas da cidade têm uma sala ampla, bem iluminada e arejada para ensaios? Qual escola possui um armário com opções de figurinos pros elencos? Qual escola tem um palco italiano, auditório ou mesmo um tablado? Quais livros de formação teatral estão à disposição de jovens e educadores nas bibliotecas? Quantos professores dirigem seus espetáculos voluntariamente, após o expediente, e não recebem um tostão por tudo que investem em materiais, pesquisa e conhecimentos? Uma impressão interessante: Embora haja uma longa luta por parte de artistas, dramaturgos e educadores para inserir o teatro nos currículos escolares de maneira permanente (apoio essa bandeira!), contraditoriamente, sinto que ele funciona melhor quando partindo de grupos espontâneos, contando-se com o voluntariado dos atores/estudantes.
            Tendo atravessado nestes três anos uma fase de retomada (novos participantes, resgate de participantes da primeira geração etc etc), provavelmente a competitividade daqui pra frente também deve se consolidar no festival. O que, por um lado, melhora a qualidade estética da maioria dos espetáculos, por outro, dificulta a vida dos jurados (e pode alimentar rusgas e ninharias desnecessárias entre os grupos). Como educador da escola pública, e humanista de formação, não posso me esquecer que, por se tratar de teatro estudantil, o que vale mesmo é o processo criativo, especialmente, o processo pedagógico que envolve troca, parcerias (entre docentes e entre a gurizada, entre os pais e entre as comunidades) ou seja, estamos falando de cidadania, letramento, cooperativismo, expressão, imaginação criadora, liberdade de pensamento. Troféus neste tipo de disputa (em qualquer disputa!) são bens simbólicos motivadores, de reconhecimento de talentos e esforços. Mas cá entre nós, respeitável público, a arte e a educação são também bens simbólicos, com o diferencial de vararem as estantes sendo patrimônios permanentes para a vida.

Analista de Gravataí, 2014





   
 Não deixa o zumbi te pegar, 2015







100 anos de Manoel de Barros: Teatro Rupestre, 2016





 Os Noivos, 2016








100 anos de samba: No baticum da vida








 Bella Donna, 2016