sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

NOITE FELIZ



NOITE FELIZ
Não tem neve no Natal do Brasil
Tem é bastante ventilador
Porque é o solstício de verão na América do Sul
Mesmo assim faz 200 anos
Da música mais famosa do mundo
Stille Nacht, Heilige Nacht” (Silent Night)
Foi poetada por um padre de Salzburgo:
Joseph Mohr, em 1816
E musicada por Franz Xaver Gruber, outro padre
Em 1818
Ambos apresentaram ao violão
(o órgão estava com defeito)
Esta obra na Missa do Galo
Da Igreja de São Nicolau (o Papai  Noel)
Uma rara música gospel que
Realmente me emociona.
*
Ainda não descobri quando e por quem
Foi traduzida para o português
(de Portugal? Do Brasil?
De Angola? Moçambique?).
*
Albani: Voz, guita e gaita
Alemão: Cajon
Ensaio em dezembro de 2013 para um sarau de Natal

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

#12 QUEM TOCA O SINO?



PLAYLIST DO LIVRO
CONTOS PRA CANTAR DO INVENTOR DO VENTO

#12 QUEM TOCA O SINO?
Desde piá gosto dos sons dos sinos
O sino é um instrumento da Igreja Católica
Mas não sou homem religioso
Minha espiritualidade encontra beleza
Em todas as crenças e em nenhuma
Meu ceticismo não duvida da fé dos outros
Apesar de muitas vezes lamentar
Da fé como mercadoria ou apelação
Fanatismo ou tosquice mesmo
Lembro do
Escritor Isaac Bashevis Singer (1902-1991)
Em suas memórias escritas na língua iídiche
Anotou ele:
...vida significa livre-arbítrio, e liberdade é Mistério. Se alguém soubesse a verdade, como podia haver liberdade? Se o céu e o paraíso fossem no meio da praça do mercado, todo mundo seria santo”…
*
Os sinos ecoam no vento
E me lembram que música é tempo
O tempo também pode ser música.
Sábado à tarde gosto de ler
Sentado na cama e ouvindo os sinos
Que badalam às 15 na Igreja
Nossa Senhora das Graças
Ali na parada 72
Duas paradas da minha:
Em Gravataí e outras cidades da Grande Porto Alegre
É assim:
O povo se orienta pelas paradas de ônibus
Por isso a burguesia local ironiza
O povo das paradas”…
Em 2014
Na época de Natal
Os sinos da Igreja da Nossa Senhora do Rosário
É que dobraram mais alto pra mim
Na Avenida Independência de POA
Caminho que desde 1829 (ou antes)
Liga a capital gaúcha
A Antiga Aldeia dos Anjos...
Dobraram alto em mim e na minha mãe
Sentados conversando
Entre árvores bicentenárias
Numa preguiça forçada
No interior do hospital
Santa Casa de Misericórdia que
Desde 1803 está em atividade em POA
Ali surgiu esta canção
Correspondendo ao badalo dos sinos
Do meu canto coração.
Vuuuush
*****
QUEM TOCA O SINO?
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

Hoje quem toca o sino:
é o pagão que sonha acordado
nos santuários, por vales e arroios
lugares profundos e largos
com o vento a seu favor o passado voltou
no amor da noiva

Hoje quem toca o sino:
é São Pedro nos quatro costados do mundo
com mãos de ferro o povo aprende
o trânsito parado da tarde
a engrenagem, a lança, o arado
pra vaca sagrada no campo
sob o sol do poente

Hoje quem toca o sino:
é Martha com o filho do pobre
quem sabe que deus é uno
para o soldado que se vê acuado
ao lado do salgueiro sem sombra
nas montanhas plenas de ovelhas
um dia esquecidas

Hoje quem toca o sino:
é o surdo, o ladrão e o cego
por todos nós desamparados
aquele que julga o tempo
do tempo que apaga e voa
pro bebê chorão e sua inocência
desde ontem perdida

Hoje quem toca o sino:
é Nassíria dos olhos escuros
sobre o terraço
do prédio do islã
na fortaleza com muros
de vidro
onde os lírios trazem
longos poemas
das lutas perdidas e ganhas
pela justa medida
entre o bem
e o
mal.
*Lab de Sons do Vento, 2015.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

#11 VERÔNICA


PLAYLIST do LIVRO
CONTOS pra CANTAR do INVENTOR do VENTO

#11 VERÔNICA

Verônica é uma personagem quixotesca
Louca na sua lucidez para os que olham de fora
E não vivem suas lutas e sonhos
Tal qual o Cavaleiro da Triste Figura
De Miguel Cervantes em 1615.
Verônica é
Uma das personagens mais importantes
Do Recital PIMENTA PINK
Onde canto somente as personagens femininas
Do livro CONTOS pra CANTAR
E para ela
(Que pode ser eu ou você também)
O esforço é para virar a mesa da
Cultura machista em que foi criada
Chutando o balde da “mística feminina”
Que faz de muitas mulheres
Escravas santificadas do lar e dos filhos
Como disse Betty Friedan em livro de 1964
Ou Simone de Beauvoir disse
No livro “O segundo sexo” (1949)
Em que podemos lembrar (aprender?) que
O corpo pode nascer com o sexo masculino
E com o sexo feminino, sim
Mas o uso dele, os símbolos que irão preenchê-lo
(Roupas, posturas, comportamentos, crenças)
As práticas de vida, em resumo
São construções conscientes e inconscientes
Tentando ser dignas ou simplesmente sendo
Estúpidas como as que transformam as mulheres
Em bundas e peitos para deleite dos machos que
Não choram e disparam suas arminhas
Ou santas assexuadas prontas para cozinhar
Para os machos que colonizam as suas mães.
*
A letra de VERÔNICA é de 2006
(Não me lembro direito,
Na real, o ano em que escrevi)
Mas todo ano toco de um jeito diferente
No piano, acústica, elétrica, lenta, rápida…
Em fevereiro de 2008
Num ensaio maravilhoso
Pude contar com o sax & flauta do Stanis Soares
E a batera do Alemão Cristiano
Depois encorpei a canção com overdubs:
Um coral anárquico como o vento
Um baixo vintage velha guarda
Dando uma cara tipo “ao vivo no bar”
Entre a The Band do Bob Dylan
E o Clube da Esquina do Milton...
(Claro, para o meu ouvido a la Verônica:
Quixotesco).
Vuuuuush
*
VERÔNICA
*Quixotismos
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

Ela já não pensa em marido
Ela já deixou o seu partido
E agora já não segue nenhum deus

Ela largou o clube feminino
Ela chamou o patrão de cretino
Já não torce mais pro time que torceu

Ela já não gosta de vestidos
Ela já não limpa os ouvidos
Não espera mais por um príncipe que nunca nasceu

Ai, ai, Verônica
Só encontrou alegria
Quando deixou de fazer
As coisas que sempre fazia

Ela não depila mais as pernas
Nem almeja mais a vida eterna
E agora cospe no prato que comeu

Esqueceu qual era sua causa
E só come sorvete em cauda
Coloriu todos os livros que leu

Ela já não sente mais saudade
Largou a sua velha faculdade
E queimou todos os diplomas que a vida lhe deu

Sua cor favorita era rosa
Mas agora muda a cada lua nova
E o amor tem um sabor de hortelã

Ai, ai, Verônica
Só encontrou alegria
Quando deixou de fazer
As coisas que sempre fazia

Parou de pensar sobre si mesma
Esqueceu até de sua magreza
E deixou a cara do jeito que acordou pela manhã

Trocou o celular por um carteiro
Perdeu o interesse pelo alheio
E a coisa mais bonita que disse foi “Bom Dia”

Tirou o carro da garagem
Mas preferiu fazer com as próprias pernas
Um caminho por um mapa que ela mesma desenhou




domingo, 16 de dezembro de 2018

#10 (Guajira) PARA OS NOVOS TEMPOS



PLAYLIST DO LIVRO
CONTOS PRA CANTAR DO INVENTOR DO VENTO
#10 (Guajira) PARA OS NOVOS TEMPOS

Composição de fevereiro de 2011
Quando eu acompanhava atentamente
Os desdobramentos da Primavera Árabe
E comparava isso com as
Minhas preocupações individuais:
Como podem ser
Grandiosamente insignificantes
Nossas paixões, dramas e expectativas pessoais?
*
Após duas ou três décadas
De ditaduras do petróleo
No Egito, Tunísia, Líbia, Síria…
Uma multidão de jovens
Com mais estudos que seus pais
Mas quase todos desempregados
E mobilizados pelas redes sociais
Tocaram fogo em seus corpos jovens
Ocuparam por semanas a fio
Praças como a Praça Tahir do Egito:
Os ditadores em sua maioria caíram
Seja com intervenção militar estrangeira (Líbia)
[Mais interessada no petróleo do que em democracia]
Seja com a briga nas ruas
Só na Síria, mesmo com guerra civil, o governo não caiu
Mas veja o caso do Egito…
Em que na primeira eleição nacional pós-Primavera
O partido que saiu consagrado nas urnas
Foi a velha Irmandade Muçulmana
Um grupo precursor no Oriente Médio
Na defesa do fundamentalismo religioso
Conservadorismo islâmico a uma unha do fascismo…
*
E dois anos após tudo isso
As Jornadas de Junho de 2013
Explodiriam pelas ruas de nossas capitais
Primeiro, lideradas por uma
Romântica juventude de esquerda
(Contra o aumento da tarifa de ônibus em POA, SP, RJ)
Cansada da própria esquerda no poder...
Espírito de insatisfação que a direita
Há três décadas aparentemente discreta no país
Articulou numa hábil mudança de rumos
Canalizando a agitação das massas urbanas:
Nascendo uma nova coalizão de forças de direita
Que assumiram a hegemonia do movimento das ruas
Com intenso apelo midiático
Militância digital
E agenda altamente conservadora
Do saudosismo militar ao ranço religioso
Incluindo a glorificação da iniciativa privada
Assim como, a demonização da esquerda
Via argumento da corrupção...
O que legitimou a guerra jurídica das velhas elites
Contras os líderes da esquerda pós-ditadura militar.
*
(Guajira) Para os Novos Tempos surgiu
Nessa muvuca toda
Como um poema
Sobre a Primavera Árabe
Tocada em acordes experimentais
Do principal ritmo popular afrolatino
Da ilha revolucionária de Cuba: a Guajira
Foi também uma das primeiras gravações
No Laboratório de Sons do Vento
(Numa frágil versão acústica)
Depois regravada com arranjo samba-soul
Em 2013
Conduzida por um sax elegante e suave
Como não foram
As ruas árabes e brasileiras de 2011 pra cá.
Vuuuuush


(Guajira)

PARA OS NOVOS TEMPOS
* Sobre a Primavera dos Povos Árabes, Fevereiro de 2011
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

Nesse mundo velho medonho maluco
Nem sempre é fácil achar explicação
Pra um sentimento que brota do nada
Pra desilusão com a menina amada
Pra demora em explodir outra revolução

Nesse mundo velho medonho biruta
Nem sempre é fácil achar solução
Pra indiferença e para o preconceito
Pra um coração vazio no peito
Pra o verniz na cara-de-pau do cínico

Nessa hora mal-dormida da madrugada
Nem sempre é fácil esquecer o próprio umbigo
E lembrar a juventude árabe
Tomando as ruas pela liberdade
Liberdade pra arriscar mudar uma (sua) nação

Se um dia você se perder
E sentir falta só das coisas bobas
Então terá valido a pena viver?