quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Brad Pitt

 

Esta semana me encontrei com Brad Pitt ao menos umas duas vezes. Primeiro lembrei dele no filme “O curioso caso de Benjamin Button” e olhei de novo. Depois, ele me veio, em músculos e coxas e outras delícias, nos créditos como o produtor do filme do Bob Marley: “One Love”. 
Fiquei, claro, com inveja de Brad, há 30 anos no topo da indústria cultural, multimilionário, sem mais pra onde subir, galardoado, inclusive, com o coração das mulheres mais lindas (Jennifer e Angelina, por exemplo), envolvido em projetos onde eu mesmo gostaria de estar.
Quem não gostaria de encenar um dos contos mais delicados da literatura mundial? Ou a vida de um dos músicos mais ouvidos do mundo? Quando até quem não gosta de dread, ganja, desconhece o mapa da América Central, vai ao cinema porque se emociona com suas músicas.
E o Brad, que danado, se enfia em minha vida assim, do nada, sem sequer pedir “com licença, camarada”, “por favor, meu irmão”, sem dizer: “quem sabe, nas férias, ainda leio um livro teu"; "ouço uma das tuas músicas”. Até uma zoação cairia bem, que fosse: “levo tua mulher embora comigo”.
Bom, daí eu pensei “que bobagem essa minha vaidade”, pois eu leio os mesmos livros que o Brad (do Scott Fitzgerald, da Anne Rice, por exemplo), as mesmas músicas que ele (reggae, por exemplo). Amo até as mesmas mulheres que ele (Jennifer e Angelina, por exemplo). E se ele conhecesse as que eu conheci ele as amaria também.
De quebra, só saio desses pensamentos inúteis, despertado, também do nada, por Roberto, que me chama: “Professor, lembra de mim? Quanto tempo! Já faz cinco anos". E Roberto relembra o quanto uma simples aula de História lhe fazia feliz, antes da pandemia. Agora, ainda não formado, produz e vende chocolates e outros doces, sob encomenda. Certamente ele conhece o Brad Pitt também. Porque viu “Tróia”, a carnificina grega, lembro de falarmos desse filme numa aula sangrenta sobre as guerras.
Mas Brad nunca ouviu falar de Roberto. Muito menos Brad conhece o bairro onde aconteceram as nossas aulas, nos rincões do Gravata/Ó. E assim me sinto inspirado para entender as diferenças positivas entre eu e o Brad. 
Além, é claro, da beleza, estou convicto que Brad não sabe nada da vida anônima dos rincões do Gravata/Ó. Talvez um pouco dos rincões do Cambodja, da Namíbia e da Etiópia, levado a marra por Angelina. Mas não conhece nada daqui. Já qualquer pessoa, do Gravataí, do Gravata/Ó e do Cosmos, com um celular na mão, sabe da vida dos famosos do mundo inteiro, num toque, do Brad, da Brenda, dos Walsh. 
Bem, voltei pra casa motivado pela minha própria sabedoria e me pus a dormir. Sonhei com quem? Com o Brad. Brad Pitt. Sem camisa, cabeludo, interpretando a minha vida num dos seus próximos filmes.
Vuuush 



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Oración a la maestra

 


A ORAÇÃO DA MESTRA


Senhor! Tu que ensinaste, perdoa que eu ensine; que leve o nome de mestra, que Tu levaste pela Terra.

Dá-me o amor único de minha escola; que nem a queimadura da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os instantes.

Mestre, faz-me perdurável o fervor e passageiro o desencanto. Arranca de mim este impuro desejo de justiça que ainda me perturba, a mesquinha insinuação de protesto que sobe de mim quando me ferem. Não me doa a incompreensão nem me entristeça o esquecimento das que ensine.

Dá-me o ser mais mãe que as mães, para poder amar e defender como elas o que não é carne de minha carne. Dá-me que alcance a fazer de uma de minhas crianças meu verso perfeito e a deixar-lhe cravada minha mais penetrante melodia, para quando meus lábios não cantem mais.

Mostra-me possível teu Evangelho em meu tempo, para que não renuncie à batalha de cada dia e de cada hora por ele.

Põe em minha escola democrática o resplendor que se discernia sobre tua roda de meninos descalços.

Faz-me forte, ainda em meu desvalimento de mulher, e de mulher pobre; faz-me desprezadora de todo poder que não seja puro, de toda pressão que não seja a de tua vontade ardente sobre minha vida.

Gabriela Mistral (1889-1957)
Tradução de Maria Teresa Almeida Pina
#poesia #gabrielamistral #educação


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

COHEN CARNAVAL

 

COHEN CARNAVAL 1

Dança-me no ritmo da tua beleza, feito um violino em chamas
Dança-me em meio ao pânico até estarmos seguros
Ergue-me feito ramo de oliveira como fazem as pombinhas do quintal
Dança-me até o amor chegar ao fim

Deixa-me ver tua beleza sem testemunhas
Deixa-me sentir o ritmo que é o mesmo desde a Babilônia
Mostra-me devagarinho o que sei só por fora
Dança-me até o amor chegar ao fim

Dança-me a marcha nupcial, dança-me, dança-me
Dança-me ternamente, dança-me eternamente
Ambos menores, ambos maiores que o amor
Dança-me até o amor chegar ao fim

Dança-me pelas crianças pedindo pra nascer
Dança-me detrás das cortinas desbotadas de beijos
Montamos uma tenda de abrigo mesmo com todos os fios rasgados
Dança-me até o amor chegar ao fim

Dança-me no ritmo da tua beleza feito violino em chamas
Dança-me por entre o pânico até estarmos seguros
Toca-me com a tua mão nua, toca-me de luvas
Dança-me até o amor chegar ao fim.

*Para D. Isa e seu companheiro de longos-rápidos dias.


COHEN CARNAVAL 2

Quem por fogo, quem por água
Quem à luz do sol, quem à luz da lua
Quem por altas provas, quem por senso comum
Quem em um feliz mês de maio, quem por lentamente desvanecer
Quem é que me fez essas perguntas?

Quem caiu sozinho, quem por dependência química
Quem nos reinos do amor, quem de olhos fechados
Quem por arrastão, quem pela pólvora
Quem por ganância, quem por fome
Quem é que me fez essas perguntas?

Quem corajosamente, quem por acidente
Quem solitariamente, quem diante o espelho
Quem mandado pela esposa, quem por conta própria
Quem em correntes inquebráveis, quem todo poderoso
Quem é que me fez essas perguntas?


COHEN CARNAVAL 3

Invadiram a fronteira
Mandaram me render
Isso eu não faria
Peguei minha pistola e sumi

Mudei de nome tantas vezes
Perdi mulher e filhos
Mas ganhei muitos companheiros
Alguns estão aqui comigo agora

Uma senhora idosa nos acolheu
Sorrateiramente no seu sótão
Então as tropas chegaram
Mataram-na, ela aguentou a tudo quieta

Estávamos em três pela manhã
Sou o único esta noite
Mas seguirei
As fronteiras são minha única prisão

Ah o vento, o vento soprando
Por entre as tumbas o vento soprando
A liberdade logo virá com ele
E nós saíremos das sombras

Nazistas entraram em minha casa
Disseram pra concordar com eles
Mas deles não tenho medo
Recuperei minhas armas

Mudei de nome 100 vezes
Perdi mulher e filhos
Mas ganhei companheiros

Todos os rebeldes do mundo
Como a idosa naquele sótão
Pela noite a dentro invisíveis
Os nazistas não nos aceitavam
Houve muitas perdas

Ah o vento, vento soprando
Pelas tumbas o vento soprando
A liberdade logo com ele virá
Então saíremos das sombras.


COHEN CARNAVAL 4

Venha até a janela, guria
Quero tentar ler tua mão
Gosto de pensar que sou um cigano
Antes de aceitar a tua carona

Tu sabes que adoro estar contigo
Fico meio esquecido do resto
Até de rezar pros anjos me esqueço
E daí eles podem esquecer de cuidar de nós

Nos conhecemos quando éramos quase jovens
No fundo do parque verde e lilás
Tu me segurou como se fosse um crucifixo
Ajoelhados noite adentro ficamos

Em todas tuas mensagens diz que estou do teu lado
Mas por que será que ainda me sinto sozinho?
Na real me equilibro na borda da tua tênue teia de aranha
Se pudesse prenderia minha canela a uma pedra

Por enquanto me é necessário esse amor assim sob camadas
Fico frio feito lâmina nova de barbear
Mas, veja, tu saiu de perto quando fui-te contar algumas curiosidades
E nunca te prometi ser corajoso

Realmente tu és uma pessoa bonita
E que também muda bastante a toda hora
Por exemplo, quando terminei de escalar aquela montanha
Pra lavar as pálpebras na chuva, tudo já era diferente

Até mais, Mariana
Hora de começarmos
A rir a chorar a chorar a rir sobre tudo e todos de novo.


COHEN CARNAVAL 5

Sempre trabalhei muito
Mas nunca me chamei de artista
Reuni algumas bobagens
Procurando por Cristo e lendo Marx
Minha chama até se apagou
Mas a última centelha brilhou mais do que as outras
Diga aos novos messias
O que acontece dentro do coração da gente

Havia neblina naqueles beijos de verão
Bem aonde tentei estacionar na fila dupla
Cruel rivalidade
Mulheres no comando
Nada foi, restaram somente os negócios
E as marcas que foram feias
Vim até aqui revisitá-las
Como acontece dentro do coração da gente

Vendi falsas sagradas escrituras
Vesti-me quase elegantemente
Havia gatos na cozinha
Uma pantera no jardim
Na prisão, gente talentosa
Por isso me amiguei dos carcereiros
Mas nunca declarei em público
O que acontece dentro do coração da gente

Deveria ter previsto a rota
Afinal já tinha o mapa
De longe via que era problema
Problemão desde o princípio
Claro que fomos parceiros
Mas de repente já não era bem assim
Nem mais tão belo, nem mais tão sutil
O que acontece dentro do coração da gente

Anjos tocam os violinos
O diabo toca sua harpa
Cada alma é um peixinho no mar
Cada mente é um tubarão
Quebrei minhas janelas
E a casa continuou no breu
Me preocupo muito e pouco
Com o que acontece dentro do coração da gente

Estudei com aquele mendigo
Sem banho, coberto de cicatrizes
Pelas garras de tantos afetos
Quando deles não desapegou
No seu curso não haviam fábulas, nem lições haviam
Muito menos aves canoras
Mas em meio ao mau-cheiro
Muito bem ele sabia
O que acontece dentro do coração da gente

Sempre trabalhei muito
Mas nunca me chamei de artista
Segui apenas as velhas tradições
Como evitar pôr a carroça na frente do cavalo
Apostei convicto
No Dilúvio contra Noé
Sempre soube como acabaria
O que acontece dentro do coração da gente

Já fui habilidoso caçador
Como meu pai e o pai de meu pai
Briguei pelos finalmentes
Sem ter o direito de discordar.


COHEN CARNAVAL 6

Tem guerra entre o pobre e o rico tem
Tem guerra entre homens e mulheres tem
Tem guerra entre quem diz que tem guerra
E entre quem diz que não tem guerra, tem

Por que não voltar pra guerra, isso mesmo, pra guerra
Por que não voltar pra guerra, e assim dar início a mais um conflito

Tenho mulher e crianças
Essas situações me deixam meio nervoso
Me liberto do seu abraço
Daí você fala: Isso é amor?
Isso é obrigação!

Por que não voltar pra guerra, deixar de ser turista
Por que não voltar pra guerra, antes que a guerra dos outros nos fira
Por que não voltar pra guerra, vamos todos ficar nervosinhos

Você já não me aguenta mais
Você gostava do meu antigo cavalheirismo
Fui facilmente derrotado
Facilmente controlado
E nem sabia de guerra nenhuma

Por que não voltar pra guerra, não ter mais vergonha
Por que não voltar pra guerra, ainda pode por aliança no dedo

Tem guerra entre o pobre e o rico tem
Tem guerra entre homens e mulheres tem
Tem guerra entre a esquerda e a direita tem
Uma guerra entre o branco e o negro tem
Uma guerra de par ou ímpar tem

Por que não voltar pra guerra, cada um carrega o seu fardinho consigo
Por que não voltar pra guerra, todo o mundo quer é vingança
Por que não voltar pra guerra, tem ainda alguém por aí me ouvindo?


COHEN cinzas CARNAVAL final

Pergunto ao pai
Pai, posso abandonar esse meu nome?
Ele está coberto de medo, todo sujo, é covarde
E me envergonha

O pai explicou:
“Trancados na carne do corpo
“Suportar é o nosso teste
“Agimos e ferimos feito armas, deleitamos umas poucas mulheres”.

Eu gritei e chorei
Quero recomeçar tudo do zero
Eu quero um rosto bem mais justo
Quero um espírito muito mais calmo

Eu sempre fui o mesmo disse o pai
Eu nunca te abandonei
É só você o construtor desse templo
O responsável que me faz cobrir o rosto

Talvez cantando essa canção
Podemos nos purificar e libertar
Talvez tramar melhor defesa
Para com nós mesmos guerrear

(O pai falou):
Amor meu, amor meu, amor meu, volte atrás por mim
Mon amour revien pour moi
Amore mio, torna da me
Lover, lover, lover, come back to me

COHEN CARNAVAL