terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Sarau "Pimenta Cor de Rosa" I: Mulheres de Atenas & Adaga de Prata

Gaston Casimir Saint-Pierre, Diana e seus cães, c. 1900


                       Em busca de regalos e de justiça, o CoV apresentará no Mês das Mulheres (dia 08/03 é o dia internacional delas: uma reivindicação de mães operárias e comunistas que lutaram no século XIX pela liberdade de gêneros e pela igualdade social), o sarau temático “Pimenta Cor de Rosa”. Serão oito canções, aparecidas em duplas, semanalmente, refletindo sobre diferentes aspectos da feminilidade ao longo do tempo. Pra começar, um clássico da MPB, Mulheres de Atenas, composição de Chico Buarque de Holanda e do dramaturgo Augusto Boal, gravada originalmente em 1976, em releitura no acústico maresia do CoV, que uniu, mais uma vez, este Inventor do Vento e a Amazona ventosa: Aline. Esta balada trata do machismo na Grécia antiga, mas de uma forma onde todos os ouvintes, em qualquer época e lugar, se sentem gregos antigos, senão mesmo, machistas também. Completando a dobradinha, outro registro acústico e cheio de maresia da Praia de Baunilha, feito em fevereiro de 2014: Adaga de Prata. Letra e música de C. A. Albani da Silva, onde o poeta canta o mito da moça que decide morrer virgem por só encontrar maldade nos homens.

Mulheres de Atenas
Chico & Augusto, 1976
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas

Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas; cadenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas

Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas

Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Geram pros seus maridos,
Os novos filhos de Atenas.

Elas não têm gosto ou vontade,
Nem defeito, nem qualidade;
Têm medo apenas.
Não tem sonhos, só tem presságios.
O seu homem, mares, naufrágios...
Lindas sirenas, morenas.

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas


Adaga de Prata
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Não me venha com serenatas
Acordarás assim a minha mãe
Ela dorme aqui bem do meu lado
Com uma adaga de prata no seu punho direito cerrado
Jamais serei a sua esposa

Os homens são todos falsos
Afirma mamãe e a sua adaga
Eles sempre usam as mesmas cantadas
E na primeira ocasião
Cortejam outra
Desapontando assim suas namoradas

Meu pai foi um desses demônios
Sempre tão encantadores
Com a sua corrente de ouro puro
Acorrentou o coração de muitas meninas

Portanto vá cortejar outra moça
Mais ingênua
Torça pra que ela se apaixone
Por ti
E sua corrente de ouro de puro

Pois eu
Eu não quero ser ferida
Decidi então
dormir sozinha pelo resto da vida

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A trilogia de Nana - Parte 3: Samba

Mil escravos e um artista, O leão de Ishtar nos portões de Babilônia, 1800 a. C

            Quando uma deusa perde seus fiéis, ela deixe de ser imortal. Foi o que aconteceu com Nana, ou Ishtar, divindade na Antiga Mesopotâmia. Agora, não precisa ser babilônico ou assírio para meditar mais um pouco, no século XXI, sobre a fertilidade dos campos, as águas do Tigre e Eufrates, a sensualidade feminina, a maternidade.
            Sendo assim, o poema, em forma de carta, à ex-deusa, Nana, será entoado em três ritmos: o terceiro, e último, deles, nesta semana de Carnaval, será o sambafolia de Momo, arlequim e colombina, reinventada por Tias Ciatas e pelas batucadas nos morros cariocas após a Abolição e antes da Justiça social.

Nana
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Nana, veja quantos livros na estante e você não leu
Quantos dos seus amantes você já esqueceu?
Nana, se ao menos eu tivesse um bom conselho...

Nana, quantos dias eu sequer pude olhar na tua cara
Mas quantas vezes mais, desesperadamente, precisei do teu sorriso?
Nana, se ao menos eu tivesse uma explicação...

Nana, fique com suas mentiras que eu fico com as minhas
Eu sei que você sabe que nossas vidas não são tão nossas assim
Nana, se ao menos eu sentisse saudade...

Nana, saiba que ainda te levo no peito
Para todo soldado cicatrizes são medalhas
Nana, se ao menos eu tivesse um bom motivo...

Nana, se um dia eu voltar a me enxergar nos teus olhos
Espero enfim reencontrar tudo aquilo que perdi
Nana, todo mundo leva um pouco dos outros consigo...

Nana, em quantas canções já ouvi o teu nome?
Mas nenhuma delas foi feita pra ti
Nana, se ao menos eu soubesse compor...

Nana, sei que o que todos querem é ser felizes
Mas não será este mundo pequeno para tantas felicidades diferentes?
Nana, se ao menos eu me calasse...
(Gravada no Laboratório de Sons do Vento, um pouco antes do bloco passar, logo depois da Mangueira entrar na Avenida)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A trilogia de Nana - Parte 2: Brega

Escultor da corte de Hammurabi, Máscara de Nana, 1780 a. C

                Quando uma deusa perde seus fiéis, ela deixe de ser imortal. Foi o que aconteceu com Nana, ou Ishtar, divindade na Antiga Mesopotâmia. Agora, não precisa ser babilônico ou assírio para meditar mais um pouco, no século XXI, sobre a fertilidade dos campos, as águas do Tigre e Eufrates, a sensualidade feminina, a maternidade.
            Sendo assim, o poema, em forma de carta, à ex-deusa, Nana, será entoado em três ritmos: o segundo deles, nesta semana de Iemanjá, a Nossa Senhora dos Navegantes, será o bregamalandragem sentimental, um pouco debochada, outro pouco desesperada, criação de uma arte brasileira feita para o povão, às vezes pelo povão, nos subdesenvolvimentos do nosso país.

Nana
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Nana, veja quantos livros na estante e você não leu
Quantos dos seus amantes você já esqueceu?
Nana, se ao menos eu tivesse um bom conselho...

Nana, quantos dias eu sequer pude olhar na tua cara
Mas quantas vezes mais, desesperadamente, precisei do teu sorriso?
Nana, se ao menos eu tivesse uma explicação...

Nana, fique com suas mentiras que eu fico com as minhas
Eu sei que você sabe que nossas vidas não são tão nossas assim
Nana, se ao menos eu sentisse saudade...

Nana, saiba que ainda te levo no peito
Para todo soldado cicatrizes são medalhas
Nana, se ao menos eu tivesse um bom motivo...

Nana, se um dia eu voltar a me enxergar nos teus olhos
Espero enfim reencontrar tudo aquilo que perdi
Nana, todo mundo leva um pouco dos outros consigo...

Nana, em quantas canções já ouvi o teu nome?
Mas nenhuma delas foi feita pra ti
Nana, se ao menos eu soubesse compor...

Nana, sei que o que todos querem é ser felizes
Mas não será este mundo pequeno para tantas felicidades diferentes?
Nana, se ao menos eu me calasse...
(Gravada no Laboratório de Sons do Vento, verão mormacento de 2015, após 06 cervejas quentes e um pastel com ovo numa lancheria com cheiro de óleo de cozinha no ar e uma moça me olhando na esquina dos seus olhos, Avenida Voluntários da Pátria, Centro de Porto Alegre/RS)