segunda-feira, 28 de julho de 2014

Há um porto chamado coração

Luh Moraes, Tremenda Luz e Nivaldo, o Jegue*, 2014


* Tremenda Luz e Nivaldo, o Jegue são personagens do Inventor do Vento (C. A. Albani da Silva), nesta semana carinhosamente ilustrados pela estudante Luh Moraes.


Há um porto chamado coração
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Há um porto chamado coração
por ele passam caravelas, barcos, navios, todo tipo de embarcação

Uns ali jogam âncora
ancorando suas naves
na enseada da amizade, do amor, da paixão

Mas há tantos e tantos barquinhos que içam suas velas
e na imensidão de outros portos esperam encontrar paisagens mais belas

Assim o vento os sopra
soprando nos ares
a esperança que a tudo renova

No mar desses portos quem reina não é Poseidon
é uma confusão de deuses loucos
que ora se entendem, ora nem um pouco

(nem um pouco, deuses loucos, nesses portos)

Na alfândega de tantos sentimentos,
estes deuses muito ciumentos
riem dos jovens marujos
choram com os lobos no convés.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Uruguay

Luli Acevedo, Visiones, 2014



Nem só de caracóis vive o Uruguay...
Cheiro de Fruta
(Juana de Ibarbourou, 1895 a 1979)
Tradução de Aurélio Buarque de Holanda, “Grandes vozes líricas hispano-americanas” (1990)

Com marmelos maduros
Perfumo os meus armários.
Tem toda a minha roupa
Um aroma de fruta que ao meu corpo
Dá um constante sabor a primavera.

Quando dos guarda-roupas
Polidos e profundos
Tiro um braçado branco
De roupa íntima,
Pelo quarto se esparze
Um ambiente de horto.

Dir-se-ia que eu tivesse nos armários
Preso o verão!

Esse perfume é o meu. Beijarás mil mulheres
Amorosas e jovens, mas nenhuma
Há de dar-te a impressão de amor agreste
Que eu te dou.

Por isso, em meus armários
Guardo frutas maduras,
E entre as dobras de minhas roupas íntimas
Escondo, com manolhos secos de vetiver,
Marmelos redondos, maturescentes.

Trago a pele impregnada
Desta fragrância viva;
Beijarás mil mulheres, mas nenhuma
Há de dar-te a impressão de arroio e selva
Que eu te dou.

El cuarteto de nos Ya no sé qué hacer conmigo (2007):


Segunda, 21 de julho
(mas poderia ser Quinta, 29 de novembro)

            Cheguei à minha casa despenteado, com a garganta ardendo e os olhos cheios de terra. Tomei banho, troquei de roupa e me instalei atrás da janela para beber mate. Senti-me protegido. E também profundamente egoísta. Via passarem homens, mulheres, velhos, crianças, todos lutando contra o vento, e agora também contra a chuva. No entanto, não tive vontade de abrir a porta e chamá-los para que se refugiassem na minha casa e me acompanhassem num mate quente. E não porque não me tenha ocorrido fazer isso. A ideia me passou pela cabeça, mas me senti profundamente ridículo e comecei a imaginar as caras de desconcerto que as pessoas fariam, mesmo no meio do vento e da chuva.
         [...] Francamente, não sei se creio em Deus. Às vezes, imagino que, no caso de existir Deus, esta dúvida não o desgostaria. E então? Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa”.
(Mario Benedetti, A Trégua, 1959).

Noel Guarany Balseiros do Rio Uruguay (1975): 

O vendedor ambulante
(Juana de Ibarbourou, 1895 a 1979)
Tradução de Aurélio Buarque de Holanda, “Grandes vozes líricas hispano-americanas” (1990)

Nos seus grandes sapatos carrega pó de todos
Os caminhos da América. Nosso violento Sol
Tostou-lhe no amplo rosto a brancura nativa
E pôs-lhe como um selo essa morena cor.

No baú que lhe arqueia o dorso de gigante
Leva presa a menina do olho e a plena cobiça
Do índio, cujos olhos retintos se encadeiam
Com a tosca riqueza alegre dos vidrilhos.

Tornou-se amigo íntimo de auroras e de ocasos.
Conhece o paladar de acres frutas selváticas
E dos ásperos lábios das mulheres indígenas,
Fetichistas, citrinas, mudas, lentas e pálidas.

Nunca terá uma casa tépida quanto a minha,
E, se lhe nasce um filho, talvez não saiba nada.
Veio ao mundo com o fado vagabundo dos ventos:
Hoje, um povo; amanhã, a montanha ou a pampa.

Sinto, vendo-o passar, uma emoção complexa:
Eu, a mulher que nunca deixou a sua casa,
A que não vê jamais mudar seu horizonte,
Não sei bem se o que sinto será inveja ou lástima.

Sobre si, como dentro do baú milionário,
Quanto espantado olhar arrastará consigo!
Os seres que contemplam as coisas invisíveis
Crerão que arrasta um maço multicolor de fitas.


Dorival Caymmi Dora (1960):





segunda-feira, 14 de julho de 2014

"Grito Segredos" por Léris Seitenfus

Erick Lopes da Silva*, Casal, 2014


*Erick Lopes da Silva é estudante do Nono Ano na EMEF Alberto Pasqualini, Gravataí/RS: arranha seus primeiros acordes no violão e desenha a vida, vivida-imaginada.

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        Em 09.07, no Novo Tutti, Centro de Porto Alegre, a poetisa Léris Seitenfus lançou seu livro “Grito Segredos”: quinto lançamento da microeditora “Gente de Palavra” e sua coleção “Caderno de Poemas”. A trilha sonora ficou a cargo do CoV. Abaixo, uma palhinha dos poemas da moça (com trilha sonora do CoV, claro)!!!!

Não insista
Se vieres a mim
dar-te-ei uns versos,
dar-te-ei um abrigo,
um chá quente,
um bolo gostoso,
um afago
talvez um abraço
porém, não insistas!
Meu amor
é elo perdido.
Meu coração
está fechado, lacrado;
dele só dar-te-ei
uns versos e creia,
nada mais...


Liberdade
pés descalços
na calçada
da tarde quente
vestido esvoaçante
corpo solto
procura o mar
ondas e frescor
encontram o lar
na escaldante areia
quando menos
se espera
a liberdade se perde
se o coração não devaneia

CoV Pequena Gaulesa






A cura
Deixe a poesia lamber a ferida,
do ser estirado na calçada do desprezo,
da dor de mãe ausente ou convalescente,
da saudade do filho perdido, amargurado,
dos que tem uma tênue esperança...
de quem sonha com um amor perdido,
do desespero por extinguir uma doença,
da criança que quer estudar, brincar,
dos que acreditam na humanidade.


Caminhar
Navego nos mares
de magia e acalanto
perpetuando passos
do eterno caminhar
sigo altiva
driblando a dor
e o pranto
para um dia
em poesia
poder descansar.

CoV Guria (Chuva Caindo)






Incógnita
Não eram reticências
eram três pontos finais
que na indecisão
queriam muito mais.
Perderam-se em tempos:
no começo
meio ou fim;
para driblar o instinto
do que não se quer terminar.
Sobrou incógnita
a interrogação sem ponto algum.
Na continuação tudo virou
reflexão com erros,
acertos e repetição.


Marcas
transito na saudade
de quem nunca tive
refugio-me
vez em quando
no abrigo que não foi meu
na vivência abolida
na estrada esquecida
planto flores diversas
sabendo que também
brotam espinhos
na beleza do caminho
que criam raízes
ás vezes em flores
sem sementes
nas pétalas revelação
que tudo se aguenta
quando se pode
transformar em poesia

CoV Despetalada Rosa



sábado, 5 de julho de 2014

Cinco personagens de ficção em cinco músicas

Marc Chagall, O violinista, 1912


   Recentemente o blogue leReler, abastecido pelo power trio acilegnÁ, leonaM e ailáhtaN, escolheu os seus cinco personagens prediletos da ficção (Dom Quixote, Harry Potter, Homem de Ferro, Simba, Mafalda). Leia mais aqui: http://lereler13.blogspot.com.br/2014/05/os-cinco-personagens-mais-marcantes-da.html

Inspirado na postagem dessa galerinha ventosa pensei nos meus cinco: mas todos personagens de músicas!

1)   Jesus:
Há mil anos o mais famoso dos super-heróis; está sempre na boca dos cantores gospel.


2)    Maluco Beleza:
Na lei da sociedade alternativa a gente embarca no trem das 7 rumo à cidade de Thor; a gente perde o medo da chuva; super-heróis são ironizados, mas se reza a Ave Maria da rua e declama-se Gita; pra gente não ter ouro de tolo um maluco beleza pode ser também mosca na sopa, metamorfose ambulante.



3)    Sargento Pimenta:
Há 40 anos é o maestro da Banda dos Corações Solitários. Entraram e saíram de moda, mas ainda garantem que nos fazem sorrir.


4)    O Lôco da Guitarra:
Irmão gêmeo do “Cachorro Louco” é mais um fruto do expressionismo porraloka roque enrow de adolescentes suburbanos tirando sarro de suas desilusões amorosas e da grana curta tirando sarro dos amantes correspondidos e da burguesia ou melhor das burguesas.



5)    O Grosso:
O grosso reconhece a sua grossura. Conhece o sistema antigo. Não tem tempo de ser vagabundo. Lida o campo cantando pros bichos. Lálárilálálá. Dança aos domingos no galpão. Dá adeus de mão em mão. O respeito é muito lindo.