terça-feira, 29 de novembro de 2016

Dois dedos de prosa sobre o teatro estudantil em Gravataí/RS


Dois dedos de prosa sobre o teatro estudantil em Gravataí/RS
C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento

            Nos últimos anos este Inventor de Ventos teve a oportunidade de contribuir criativamente com o FESTIL (Festival de Teatro Estudantil de Gravataí/RS): Importante espaço para o desenvolvimento da arte-educação e para o fomento das artes cênicas nas escolas da cidade.
            O festival surgiu na década de 1990, quando professores e teatreiros da Aldeia fizeram história organizando a primeira geração do evento. Foram 14 edições consecutivas da competição no, hoje desativado, Cine Teatro Municipal. Me alembro bem, quando piá, ir com meus colegas de ensino fundamental, na escola pública, da COHAB para o Centro, prestigiar várias esquetes.
            Infelizmente, durante 07 ou 08 anos, o festival desapareceu. Até que em 2014 os ventos da renovação sopraram desde o passado e, por iniciativa, dentre outros, da teatreira Izabel Cristina, vinda da Serra gaúcha (Veranópolis/RS) para o Vale do Rio Gravataí coordenar o departamento das cênicas na fundação local de cultura, o festival ressuscitou.
            E coube a mim, em parceria com o ator e camarada Raonis Jardim, lá na escola Alberto Pasqualini, Morada do Vale II, plantar a sementinha do fazer teatral entre a rapaziada da comunidade: O grupo L.A.T.R.A.P.E.S, com um elenco de oito estudantes - todos participando das oficinas de música (iniciação ao violão) que este Inventor ventilava então na biblioteca da escola, bolou uma paródia da paródia! Bagunçamos um pouco mais o texto e trouxemos pro universo juvenil o famoso “Analista de Bagé”, do Luis Fernando Veríssimo, que virou, por estas bandas, a “Analista de Gravataí”. Mas ela não veio sozinha: Trouxe consigo a Secretária Feiaura e seu baianíssimo segredo, pondo-se a consultar figuras como a Complexada (sempre inferior aos outros); a Ciumenta Barraqueira e seu Marido machista; os músicos Gaudérios e sua Milonga; o Malandro Mulherengo que levou um bayta joelhaço. A peça foi escolhida a 3ª melhor do 15º FESTIL, recebeu também o troféu de melhor cenário e foi indicada entre as melhores trilhas sonoras.
            Já em 2015, com novo grupo – Os Arteiros do Pasqual, mas ainda na biblioteca da escola (e no salão da Igreja ao lado, quando a biblioteca ficava pequena para os ensaios dos 15 atores), ironizamos a atual modinha das séries e filmes de zumbis.  A esquete “Não deixa o zumbi te pegar” (roteiro, trilha e direção de minha autoria) brincava de maneira pop e musical com a cultura pop industrial: recebemos quatro indicações - melhor direção, melhor trilha sonora, melhor figurino e melhor maquiagem. Maquiagem esta que, por pouco, não foi por água abaixo com a choradeira que acometeu algumas atrizes nas coxias do Palcão do SESC, Gravataí/RS, minutos antes de nossa estreia, ao verem os familiares na plateia ou, simplesmente, sentirem o nervoso roendo as entranhas.
            Sim, lá em cima do Palco do SESC - um dos maiores e mais bonitos do RS - onde muita celebridade global e internacional já se apresentou, tudo parece mágico em 30 minutos de encenação. E é o charme do palco em questão mais o feitiço dessa magia do faz de conta que servem como principais chamarizes pra gurizada topar o desafio do teatro. Ah! Mas que dá um nervoso, dá! Até na gente de barba graúda e cabelo branco, antes de entrar em cena no escuro dos bastidores, diante o burburinho da plateia e com as cortinas fechadas, dá um nervoso, sim.
            Finalmente em 2016, o desafio se ampliou. Aliás, o FESTIL se ampliou: Foram o dobro de apresentações, esquetes e escolas envolvidas em comparação às duas edições anteriores. Ao Inventor do Vento coube não só continuar liderando a caminhada dos grupos teatrais da escola Alberto Pasqualini, mas também arar o terreno da imaginação na escola Nova Conquista, no bairro Rincón de la Magdalena. Foram dois grupos lá: Com a rapaziada da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e com a gurizada medonha do 6º ano que, não querendo ficar de fora, conquistou o coração deste ventoso compositor e escritor: Sabiam o que queriam e queriam muito pisar no palco pra atuar.
            Três meses intensos se sucederam: Criação de três novos roteiros e respectivas trilhas, ensaios semanais, mudanças de elenco, imprevistos, mais criação (marcações, caracterizações, figurinos e maquiagens, cenários), mais mudanças de elenco, repetição, risos e broncas. Chegado o mês do teatro na cidade, chegado o mês de novembro: Entramos na maratona do festival! Foram 04 peças em 04 dias. Aliás teve até duas peças num dia só! Mas sobrevivemos.
     “100 anos de Manoel de Barros: Teatro Rupestre” prestou uma homenagem poética e musical, metade barroca, metade anárquica, ao maior poeta pantaneiro, em seu centenário, com o grupo de Teatro Rupestre. Já “Os Noivos” foi uma esquete bolada a partir de canção homônima, deste autor, gravada como faixa-bônus do álbum do projeto cultural Cavalgando o Vento (CoV), em 2014, e encenada com o grupo #SomosTodosTeatreiros. Em “100 anos de samba: No baticum da vida”, foi a vez do grupo Samba Teatro: Estudantes e professores da EJA, pela primeira e única vez em 17 edições do FESTIL, teatraram e batucaram pra bem longe a escravidão, suas heranças nefastas, cantando grandes compositores do samba como Donga, Lupicínio Rodrigues, Adoniran Barbosa, Noel Rosa, as dores de cotovelo, o Carnaval e o fantástico do dia a dia.
            Ah! E ainda teve a participação deste que vos escreve na peça que fez a abertura especial do evento: “Bella Donna”. Com roteiro do prof. Daniel Assunção e direção do prof. Flávio Ávila - dois teatreiros danados de habilidosos e pra lá de versados em festivais, assim como, fundamentais desde a primeira movimentação do FESTIL há 15 anos. O grupo foi formado, em sua maioria, por professoras, quase todas, debutantes no palco. Dois estudantes, um da MV II e outro do Rincão, figuraram no enredo que mostra um insólito triângulo amoroso entre dois coronéis (o Coronel Leopoldo, de bengala e cachimbo, era eu!) e uma cafetina fã de Edith Piaf.
            Conquistamos mais alguns troféus com estes trabalhos: “100 anos de Manoel de Barros” recebeu três indicações (texto, caracterização dos personagens, figurinos) e um prêmio – trilha sonora; “Os Noivos” teve seu protagonista, o Menino que só queria namorar (Brayan Ramos), escolhido o ator revelação na categoria juvenil. Mas o maior prêmio mesmo foi conquistado em meio ao intenso processo criativo que culminou nas três peças, passando por intercâmbios culturais bem legais (uma escola visitou a outra: Morada do Vale no Rincão da Madalena, Rincão nas Moradas, além das Moradas na Morungava); dezenas de sessões internas para várias turmas de cada escola, no melhor estilo companhia mambembe, ou vaudeville, de teatro. Semeou-se assim novas parcerias pro futuro.
            Antes que as cortinas se fechem e eu me alongue demais, me parece que o FESTIL novamente se consolida, claro, ao ser encarado como política pública (tomara!). Apesar da instabilidade política (na Brunzundanga, na Aldeia), espero que o Festival tenha voltado para ficar. O primeiro passo nesse sentido é os gestores (diretores de escolas, administradores da Prefeitura, coordenadores da rede estadual de ensino) garantirem tempo e espaço aos professores/diretores teatrais. Quais escolas públicas da cidade têm uma sala ampla, bem iluminada e arejada para ensaios? Qual escola possui um armário com opções de figurinos pros elencos? Qual escola tem um palco italiano, auditório ou mesmo um tablado? Quais livros de formação teatral estão à disposição de jovens e educadores nas bibliotecas? Quantos professores dirigem seus espetáculos voluntariamente, após o expediente, e não recebem um tostão por tudo que investem em materiais, pesquisa e conhecimentos? Uma impressão interessante: Embora haja uma longa luta por parte de artistas, dramaturgos e educadores para inserir o teatro nos currículos escolares de maneira permanente (apoio essa bandeira!), contraditoriamente, sinto que ele funciona melhor quando partindo de grupos espontâneos, contando-se com o voluntariado dos atores/estudantes.
            Tendo atravessado nestes três anos uma fase de retomada (novos participantes, resgate de participantes da primeira geração etc etc), provavelmente a competitividade daqui pra frente também deve se consolidar no festival. O que, por um lado, melhora a qualidade estética da maioria dos espetáculos, por outro, dificulta a vida dos jurados (e pode alimentar rusgas e ninharias desnecessárias entre os grupos). Como educador da escola pública, e humanista de formação, não posso me esquecer que, por se tratar de teatro estudantil, o que vale mesmo é o processo criativo, especialmente, o processo pedagógico que envolve troca, parcerias (entre docentes e entre a gurizada, entre os pais e entre as comunidades) ou seja, estamos falando de cidadania, letramento, cooperativismo, expressão, imaginação criadora, liberdade de pensamento. Troféus neste tipo de disputa (em qualquer disputa!) são bens simbólicos motivadores, de reconhecimento de talentos e esforços. Mas cá entre nós, respeitável público, a arte e a educação são também bens simbólicos, com o diferencial de vararem as estantes sendo patrimônios permanentes para a vida.

Analista de Gravataí, 2014





   
 Não deixa o zumbi te pegar, 2015







100 anos de Manoel de Barros: Teatro Rupestre, 2016





 Os Noivos, 2016








100 anos de samba: No baticum da vida








 Bella Donna, 2016




2 comentários:

  1. Que linda e maravilhosa retrospectiva!!!E Parabéns pela criatividade e o heroismo de ser um produtor de arte e cultura!!!Espero que possamos trabalhar juntos novamente!!

    ResponderExcluir