C.
A. Albani da Silva, o Inventor do Vento
Nos últimos anos este Inventor de Ventos teve a
oportunidade de contribuir criativamente com o FESTIL (Festival de Teatro
Estudantil de Gravataí/RS): Importante espaço para o desenvolvimento da
arte-educação e para o fomento das artes cênicas nas escolas da cidade.
O festival surgiu na década de 1990, quando professores e
teatreiros da Aldeia fizeram história organizando a primeira geração do evento.
Foram 14 edições consecutivas da competição no, hoje desativado, Cine Teatro
Municipal. Me alembro bem, quando piá, ir com meus colegas de ensino
fundamental, na escola pública, da COHAB para o Centro, prestigiar várias
esquetes.
Infelizmente, durante 07 ou 08 anos, o festival
desapareceu. Até que em 2014 os ventos da renovação sopraram desde o passado e, por iniciativa, dentre outros, da teatreira Izabel Cristina, vinda da Serra gaúcha (Veranópolis/RS) para o Vale do Rio Gravataí coordenar o departamento das cênicas na fundação local de cultura, o festival ressuscitou.
E coube a mim, em parceria com o ator e camarada Raonis
Jardim, lá na escola Alberto Pasqualini, Morada do Vale II, plantar a
sementinha do fazer teatral entre a rapaziada da comunidade: O grupo L.A.T.R.A.P.E.S, com um elenco de oito estudantes -
todos participando das oficinas de música (iniciação ao violão) que este
Inventor ventilava então na biblioteca da escola, bolou uma paródia
da paródia! Bagunçamos um pouco mais o texto e trouxemos pro universo juvenil o
famoso “Analista de Bagé”, do Luis Fernando Veríssimo, que virou, por estas
bandas, a “Analista de Gravataí”. Mas ela não veio
sozinha: Trouxe consigo a Secretária Feiaura e seu baianíssimo segredo, pondo-se
a consultar figuras como a Complexada (sempre inferior aos outros); a Ciumenta
Barraqueira e seu Marido machista; os músicos Gaudérios e sua Milonga; o
Malandro Mulherengo que levou um bayta joelhaço. A peça foi escolhida a 3ª melhor
do 15º FESTIL, recebeu também o troféu de melhor cenário e foi indicada entre
as melhores trilhas sonoras.
Já em 2015, com novo grupo – Os Arteiros do
Pasqual, mas ainda na biblioteca da escola (e no salão da Igreja ao
lado, quando a biblioteca ficava pequena para os ensaios dos 15 atores),
ironizamos a atual modinha das séries e filmes de zumbis. A esquete “Não deixa o zumbi
te pegar” (roteiro, trilha e direção de minha autoria) brincava de
maneira pop e musical com a cultura pop industrial: recebemos quatro indicações
- melhor direção, melhor trilha sonora, melhor figurino e melhor maquiagem.
Maquiagem esta que, por pouco, não foi por água abaixo com a choradeira que
acometeu algumas atrizes nas coxias do Palcão do SESC, Gravataí/RS, minutos
antes de nossa estreia, ao verem os familiares na plateia ou, simplesmente,
sentirem o nervoso roendo as entranhas.
Sim, lá em cima do Palco do SESC - um dos maiores e mais
bonitos do RS - onde muita celebridade global e internacional já se apresentou,
tudo parece mágico em 30 minutos de encenação. E é o charme do palco em questão
mais o feitiço dessa magia do faz de conta que servem como principais chamarizes
pra gurizada topar o desafio do teatro. Ah! Mas que dá um nervoso, dá! Até na
gente de barba graúda e cabelo branco, antes de entrar em cena no escuro dos
bastidores, diante o burburinho da plateia e com as cortinas fechadas, dá um
nervoso, sim.
Finalmente em 2016, o desafio se ampliou. Aliás, o FESTIL
se ampliou: Foram o dobro de apresentações, esquetes e escolas envolvidas em
comparação às duas edições anteriores. Ao Inventor do Vento coube não só
continuar liderando a caminhada dos grupos teatrais da escola Alberto
Pasqualini, mas também arar o terreno da imaginação na escola Nova Conquista, no
bairro Rincón de la Magdalena. Foram dois grupos lá: Com a rapaziada da EJA
(Educação de Jovens e Adultos) e com a gurizada medonha do 6º ano que, não
querendo ficar de fora, conquistou o coração deste ventoso compositor e escritor: Sabiam o que queriam e queriam muito pisar no palco pra atuar.
Três meses intensos se sucederam: Criação de três novos
roteiros e respectivas trilhas, ensaios semanais, mudanças de elenco,
imprevistos, mais criação (marcações, caracterizações, figurinos e maquiagens,
cenários), mais mudanças de elenco, repetição, risos e broncas. Chegado o mês
do teatro na cidade, chegado o mês de novembro: Entramos na maratona do
festival! Foram 04 peças em 04 dias. Aliás teve até duas peças num dia só! Mas sobrevivemos.
“100 anos de Manoel de Barros: Teatro Rupestre” prestou uma
homenagem poética e musical, metade barroca, metade anárquica, ao maior poeta
pantaneiro, em seu centenário, com o grupo de Teatro Rupestre.
Já “Os Noivos” foi uma esquete bolada a partir de
canção homônima, deste autor, gravada como faixa-bônus do álbum do projeto
cultural Cavalgando o Vento (CoV), em 2014, e encenada com o grupo #SomosTodosTeatreiros. Em “100 anos de samba:
No baticum da vida”, foi a vez do grupo Samba Teatro: Estudantes e professores da EJA, pela primeira e única vez em 17 edições do
FESTIL, teatraram e batucaram pra bem longe a escravidão, suas heranças
nefastas, cantando grandes compositores do samba como Donga, Lupicínio
Rodrigues, Adoniran Barbosa, Noel Rosa, as dores de cotovelo, o Carnaval e o
fantástico do dia a dia.
Ah! E ainda teve a participação deste que vos escreve na
peça que fez a abertura especial do evento: “Bella Donna”.
Com roteiro do prof. Daniel Assunção e direção do prof. Flávio Ávila - dois teatreiros
danados de habilidosos e pra lá de versados em festivais, assim como, fundamentais
desde a primeira movimentação do FESTIL há 15 anos. O grupo foi formado, em sua maioria, por professoras, quase todas, debutantes no palco. Dois estudantes, um da MV II
e outro do Rincão, figuraram no enredo que mostra um insólito triângulo amoroso
entre dois coronéis (o Coronel Leopoldo, de bengala e cachimbo, era eu!) e uma
cafetina fã de Edith Piaf.
Conquistamos mais alguns troféus com estes trabalhos: “100 anos de Manoel de Barros” recebeu três
indicações (texto, caracterização dos personagens, figurinos) e um prêmio –
trilha sonora; “Os Noivos” teve seu
protagonista, o Menino que só queria namorar (Brayan Ramos), escolhido o ator revelação na categoria juvenil. Mas
o maior prêmio mesmo foi conquistado em meio ao intenso processo criativo que
culminou nas três peças, passando por intercâmbios culturais bem legais (uma
escola visitou a outra: Morada do Vale no Rincão da Madalena, Rincão nas
Moradas, além das Moradas na Morungava); dezenas de sessões internas para
várias turmas de cada escola, no melhor estilo companhia mambembe, ou vaudeville, de teatro. Semeou-se assim novas parcerias pro futuro.
Antes que as cortinas se fechem e eu me alongue demais, me
parece que o FESTIL novamente se consolida, claro, ao ser encarado como política
pública (tomara!). Apesar da instabilidade política (na Brunzundanga, na
Aldeia), espero que o Festival tenha voltado para ficar. O primeiro passo nesse
sentido é os gestores (diretores de escolas, administradores da Prefeitura, coordenadores da rede estadual de ensino)
garantirem tempo e espaço aos professores/diretores teatrais. Quais escolas
públicas da cidade têm uma sala ampla, bem iluminada e arejada para ensaios? Qual escola possui um armário com opções de
figurinos pros elencos? Qual escola tem um palco italiano, auditório ou mesmo
um tablado? Quais livros de formação teatral estão à disposição de jovens e
educadores nas bibliotecas? Quantos professores dirigem seus espetáculos
voluntariamente, após o expediente, e não recebem um tostão por tudo que
investem em materiais, pesquisa e conhecimentos? Uma
impressão interessante: Embora haja uma longa luta por parte de artistas,
dramaturgos e educadores para inserir o teatro nos currículos escolares de
maneira permanente (apoio essa bandeira!), contraditoriamente, sinto que ele
funciona melhor quando partindo de grupos espontâneos, contando-se com o voluntariado
dos atores/estudantes.
Tendo atravessado nestes três anos uma fase de retomada
(novos participantes, resgate de participantes da primeira geração etc etc), provavelmente
a competitividade daqui pra frente também deve se consolidar no festival. O
que, por um lado, melhora a qualidade estética da maioria dos espetáculos, por
outro, dificulta a vida dos jurados (e pode alimentar rusgas e ninharias
desnecessárias entre os grupos). Como educador da escola pública, e humanista
de formação, não posso me esquecer que, por se tratar de teatro estudantil, o
que vale mesmo é o processo criativo, especialmente, o processo pedagógico que
envolve troca, parcerias (entre docentes e entre a gurizada, entre os pais e entre as comunidades) ou seja, estamos falando de cidadania, letramento, cooperativismo,
expressão, imaginação criadora, liberdade de pensamento. Troféus neste tipo de
disputa (em qualquer disputa!) são bens simbólicos motivadores, de
reconhecimento de talentos e esforços. Mas cá entre nós, respeitável público, a
arte e a educação são também bens simbólicos, com o diferencial de vararem
as estantes sendo patrimônios permanentes para a vida.
Analista de Gravataí, 2014
100 anos de Manoel de Barros:
Teatro Rupestre, 2016
Os
Noivos, 2016
100
anos de samba: No baticum da vida
Bella
Donna, 2016
Que linda e maravilhosa retrospectiva!!!E Parabéns pela criatividade e o heroismo de ser um produtor de arte e cultura!!!Espero que possamos trabalhar juntos novamente!!
ResponderExcluirValeu, guria! Seguimos polvilhando o mundo com imaginação e criatividade!
Excluir