Clássico
de nascência, o livro “Raízes
do Brasil” de
1936, escrito pelo historiador Sérgio
Buarque de Holanda,
futricou lá no fundo da matéria d´alma brazuca. Entre
outras coisas achou uma certa cordialidade da nossa gente que não
tem a ver com sermos gentis e alegres o tempo inteiro, mas sim
passionais e emotivos em se tratando da vida diária.
Um
desses livros maravilhosos a fazer a cabeça dos brasileiros
dispostos a superar a casa-grande e finalmente, quem sabe, um dia,
abolir todas as escravidões. Segue a última página da obra:
“Se
no terreno político e social os princípios do liberalismo têm sido
uma inútil e onerosa superfetação, não será pela experiência de
outras elaborações engenhosas que nos encontraremos um dia com a
nossa realidade. Poderemos ensaiar a organização de nossa desordem
segundo esquemas sábios e de virtude provada, mas há de restar um
mundo de essências mais íntimas que, esse, permanecerá sempre
inato, irredutível e desdenhoso das invenções humanas. Querer
ignorar esse mundo será renunciar ao nosso próprio ritmo
espontâneo, à lei do fluxo e do refluxo, por um compasso mecânico
e uma harmonia falsa. Já temos visto que o Estado, criatura
espiritual, opõe-se à ordem natural e a transcende. Mas também é
verdade que essa oposição deve resolver-se em um contraponto para
que o quadro social seja coerente consigo. Há uma única economia
possível e superior aos nossos cálculos para compor um todo
perfeito de partes tão antagônicas. O espírito não é força
normativa, salvo onde pode servir à vida social e onde lhe
corresponde. As formas superiores da sociedade devem ser como um
contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente
das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas.
Há, porém, um demônio pérfido e pretensioso, que se ocupa em
obscurecer aos nossos olhos estas verdades singelas. Inspirados por
ele, os homens se veem diversos do que são e criam novas
preferências e repugnâncias. É raro que sejam das boas”.
(Raízes
do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, 27ª
edição, editora Cia das Letras, 2014)
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