segunda-feira, 20 de novembro de 2017

GRATIDÃO IORUBÁ

Máscara Ancestral, Abdias do Nascimento, 1988


No vale do rio Níger, Oeste da África, os griots iorubás, por séculos, contaram esta história, que Leo Frobenius (1873-1938), o viajante, me contou e eu conto agora procê assim:

GRATIDÃO

1. O caçador foi para a mata
E derrubou um antílope
Um gato-de-algália sentiu o cheiro
E faminto apareceu
Pediu-lhe um bocado de carne
O caçador lhe deu um bom bife
O gato lembrou: - Posso lhe fazer um favor, quando precisar…

2. Numa outra caçada
O mesmo caçador se embrenhou
Na mata fechada
Topou com um crocodilo
- Fui enganado! Moro no rio, mas vim parar aqui!
- Salve-me que lhe darei muitos peixes!
Falou o crocodilo
- Com prazer! Falou o caçador
Puxando o crocodilo numa corda
O caçador levou o réptil ao Níger
Solto, o crocodilo buscava os peixes Prometidos, um a um…
Pôs o primeiro no seco;
O segundo no raso;
E o terceiro peixe no fundo…
Quando o caçador buscou esse último peixe
O crocodilo lhe agarrou o pé!
De um banco de areia
Vieram os demais crocodilos:
- Oba! Comida! Venham todos pro banquete!
(Berraram)
O caçador lamentou: - É justo isso?
- Te salvei, crocodilo perdido
- E agora me devoras?
Os crocodilos resolveram ouvir as coisas que
Um dia pertenceram ao caçador:

3. O tapete acusou:
- Quando estava novo e limpo ele não me pisava
- Até me enrolava com carinho
- Mas quando fiquei velho e sujo ele me jogou no rio…
O vestido acusou:
- Quando era colorido e sem traças
- Ele e sua esposa me engomavam pra desfilar
- Agora todo puído e desbotado me jogaram no rio…
A égua que foi beber água acusou:
- Já morei no seu estábulo
- Comia da melhor grama para as corridas
- Dei-lhe potrinhos, mas desdentada
- E fraca das carnes
- Ele me enxotou da aldeia…

4. Os crocodilos já serviam a mesa
Quando o gato-de-algália apareceu
O gato pediu para irem onde tudo começou…
No sertão da mata fechada
O crocodilo ficou furioso:
- E foi daqui em diante que ele me amarrou
- E me arrastou pela estrada…
O gato disse: - Doeu, crocodilo?
O crocodilo disse: - Doeu!
O gato disse: - Como eram os nós?
E o caçador atou o crocodilo
E mostrou a amarração
- Entendo porque não está satisfeito, crocodilo!
O gato exclamou e soltou o réptil
No meio da mata
Disse também:
- Você já castigou o caçador
- Mordendo sua perna no rio!
- Agora para acabar com as brigas
- Você ficará solto por aqui
- E o caçador seguirá com suas caçadas por aí
O caçador então agradeceu o gato
Ambos foram embora…
O crocodilo, outra vez
Estava num mato sem cachorro
Ou melhor: sem caçador!

5. Toda pessoa, algum dia
Será tratada como tratou os outros?

(Reconto por Inventor do Vento)

Nenhum comentário:

Postar um comentário