Goya, A peregrinação de Santo Isidoro,
1821-1823
Sobre Santa Maria
(Apontamentos
históricos e antropológicos para as tragédias da vida moderna)
* Já há algum tempo o dinheiro é mais importante
do que a vida alheia – é difícil sair sem pagar de um estabelecimento
comercial, mesmo quando há um incêndio;
* A primeira reação de muitos frente aos semelhantes é a
desconfiança – “não há incêndio
coisa nenhuma, é malandragem pra sair sem pagar”;
* A cultura do levar vantagem em tudo: 1) Empreendedores do ramo do
entretenimento noturno adoram colocar mais gente do que cabe em seus
estabelecimentos; 2) Universitários
em festas para arrecadar fundos para suas formaturas pensam parecido. Vender
mais ainda é lucrar mais...
* ...e assim nada deixa de virar mercadoria;
* Jovens notívagos, por vezes, gostam bastante de ambientes superlotados para se
divertir, pouco importando o conforto e o diálogo
entre si;
* Festa também significa orgasmo, alucinação, estupor, frenesi, loucura, caos – isso é bem bom; mas, por vezes, pode
ser trágico, violento e brutal;
* Luto não se confunde com inocência, portanto;
* Muitas casas noturnas funcionam sem estarem regularizadas, muito menos são
fiscalizadas pelo poder público;
* O desleixo do poder público e suas “vistas grossas”, às vezes, é fruto da corrupção proposta pelas entidades
privadas - empresários e empresas;
* Felizmente, pouquíssimas tragédias têm
acontecido em boates;
* Por mais cultos, jovens, modernos, brancos e diplomados que podemos pensar ser
ainda temos sérias dificuldades na vida pública
e em meio às crises coletivas;
* Desconhecemos amplamente a legislação (em parte,
municipalizada pela Constituição) referente à segurança e prevenção de
acidentes em locais de trabalho e diversão em grupo;
* Quase todo dia uma favela pega fogo Brasil
afora;
* Quase todo brasileiro é um super-herói enrustido
que se manifesta quase sempre depois das tragédias, quase nunca antes;
* Músicos da noite ganham cachês minguados, sendo
geralmente operários da cultura, contratados por empreitada, digo, festa;
* A juventude (15 aos 29 anos) é sinônima de imortalidade.
Mas somos nós, os jovens, que mais matamos e morremos
no Brasil atualmente;
* Tudo é tanto na sociedade industrial
(globalizada/capitalista/massificada): os produtos nas prateleiras; os
remédios; as doenças; a demografia; os carros; os acidentes de carro; a
poluição; as imagens; o conforto de uns; as tragédias de todos; o prazer; o
pranto.
* A vida é frágil a todo instante (para todos).
Tentar
sair do sentimentalismo (diante de
tantas tragédias)
A escritora Susan Sontag
(1933-2004) publicou em 2003 um livro instigante – “Diante da dor dos outros”. Na
obra, Susan elabora muitas perguntas sobre o impacto das imagens (pinturas,
fotos, filmes, cenas de TV, vídeos) que enfocam a dor, a guerra, a morte, a
destruição - desde as pinturas de Francisco de Goya (1746-1828), às fotos dos campos de
concentração nazistas, passando pela Guerra do Vietnã até a queda das
Torres Gêmeas em 2001. Uma de suas primeiras questões é: todos reagimos da mesma forma frente a imagens de dor?
“Nós” somos contra a violência e a barbárie – mas quantos significados cabem
num “nós”? E assim ela filosofa:
“As informações sobre o que se passa longe de
casa, chamadas de 'notícias', sublinham conflito e violência – 'Se tem sangue,
vira manchete', reza o antigo lema dos jornais populares e dos plantões
jornalísticos na tevê – aos quais se reage com compaixão, ou indignação, ou
excitação, ou aprovação, à medida que cada desgraça se apresenta”. (Susan Sontag)
“A imagem como choque e a imagem como clichê são dois aspectos da
mesma presença.” (Susan
Sontag)
Iemanjá, noite e morte
Nossa
Senhora
Vem
sobre os mares,
Sobre
os mares maiores,
Sobre
os mares sem horizontes precisos,
Vem
e passa a mão pelo seu dorso de fera,
E
acalma-o misteriosamente,
Ó
domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!
(Álvaro de Campos, trecho adaptado dos “Dois excertos de Odes”, 1914)
Trilha Sonora para o Carnaval
Acadêmicos de Gravataí – De
Aldeia dos Anjos a Gravataí: Um Poema de Amor no
Coração da Onça Negra (2013): Ficamos na torcida
pela escola da MV1 no Carnaval de Porto Alegre.
Neil Young – Psychedelic Pill (2012): Uma pílula (musical)
psicodélica pro Carnaval.
Mundo Livre S.A. – O mistério do samba (2000): Videokê do CoV. O samba
não é: carioca, baiano, do terreiro,
africano, da colina, do salão, da avenida, carnaval, da TV, do quintal,
emergente, da escola, fantasia, racional, da cerveja, da mulata, do playboy,
liberal, não é chorinho, não é regional, do bicheiro, do malandro, canarinho,
verde e rosa, aquarela, bossa nova, silicone, malhação, do Gugu, do Faustão.
Não tem mistério / Como
reza / Toda tradição: É tudo uma grande invenção.
Alvinho Lancelotti – Meu bloco de amor (2012): Desfila só pra mim /
Samba de dois / Que balança / No ar / Confetes pra gente brincar / Um beijo pra
ela pegar / O bloco do amor vai passar.
Tom Zé – Frevo (1972): Resumindo o espírito de
Carnaval: Não quero saber de conselho /
Esquece / Deixe pra lá / Me arranje / Um pecado / Quente / Pra me consolar /
Depois tem o ano inteiro / Pra gente pagar / Vou morrer / Se você não me
arranjar um pecadinho.
Rafael Castro e os Monumentais – 10% cristão (2010): Oh! Meu Deus!!!!!
Neil Young – Angry World (2010): Mundo furioso: para o empresário,
para o pescador.
Los Hermanos – Todo Carnaval tem seu
fim
(2001):
Zé que dorme de pé /
Rosas chamadas / Bossa nova usada / Brincar de ser feliz / Pintando o nariz /
Nem toda banda tem um tarol...
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