quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vozes Líricas

Leopoldo Gotuzzo, Nu feminino, s/d

Cultivo uma rosa branca
(José Martí, 1853-1895, Cuba)

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me estende sua mão franca.

E para o mau que me arranca
o coração com que vivo,
cardo ou urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.

Los Fabulosos CadillacsCalaveras y Diablitos (2008): Caveiras e diabinhos. 

A vaca morta
(Manuel Del Cabral, 1907-1999, República Dominicana)

Amanheceu no caminho
sem que ninguém a velara,
só, sob as velas do céu,
que até seus olhos baixavam.

Estavam brancos seus dentes
(que sempre brancos estavam).
Que inofensivo era o dia
quando em seus dentes brilhava!

Ontem, jogaram-na à cova;
ficou de cara pra cima.
E dorme tal como quando
diante dos homens vivia!

Cavalgando o Vento - O Esqueleto (2012): Caveira e cachorrinho ingrato.

Sombra
(Mauricio Gómez Mayorga, nem nasceu nem morreu de acordo com o Google?!, México)

Sombra sobre
o ferro, dura.
Sombra sobre
o muro, quieta.

Sombra sobre
o ermo, sozinha,
e sombra sobre
a alma, amarga.

Ciro y Los PersasInsisto (2011): 
Receita
(Roberto Fernández Iglesias, 1941, Panamá)

Para escrever um poema
se necessita
a ausência de receitas
e o receituário completo.

Logo
queimá-lo todo
aplicando todo o calor
sem calcinar a mistura

A qualidade do produto
pode pertencer ao acaso
e à habilidade
do artífice ou à sua imperícia

Enfim
a gente se lança ao abismo
e para chegar à poesia
nunca leves pára-quedas.

Siba Ariana (2012):

O Canto
(Eugenio Florit, 1903-1999, Cuba)

Para que toda esta miséria alce uma noite o vôo, mais alta do que a Lua.
Para que o tanquezinho adormecido cresça em rumor de catarata.
Para que ao grão de poeira chegue a luz irisada que viaja no vento.
Para que o vento triste remova o fundo escuro das florestas.
Para que a ave com frio cruze, já livre, as manhãs.
Para que saibamos um dia qual é a cor dos sonhos.
Para que não fique o tremor na mão, e o medo não sele a boca.
Para que ao erguer a fronte suportemos a mirada do céu.
Para que o pé marche firme sobre recordações murchas de angústia.
Para que tu não me digas que estás bem longe da minha rota esperança.
Para que eu possa exclamar, com a voz nas nuvens, que te amo.
Para que tudo isto suceda uma tarde, com sol, com pombas, e com brisas, eu canto.


Jaime Sin Tierra Inquieto (2006): 

P.S.: Com aquela ajudona Ventosa do Aurélio Buarque de Holanda (1910 -1989) e seu “Grandes Vozes Líricas Hispano-Americanas” (1990).

Um comentário:

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