segunda-feira, 16 de março de 2015

É de Maria que falo é pra Maria que canto

Mamica, Mãe do Inventor do Vento, c. de 1974



Esta é uma postagem extraordinária. Mas não é uma postagem de luto. Esta canção surgiu como uma resposta poética e histórica à impotência e à indignação, ainda durante a luta pela vida e pela saúde. Voltar ao seio da natureza é sair do nosso atabalhoado tempo histórico para entrar na serenidade do tempo infinito. Além do que, não há doença que possa ser maior do que a VIDA. Por isso é pra MARIA que canto!

É de Maria que falo é pra Maria que canto
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Se for segunda o bife é à milanesa
Ferve a lentilha que espanta a fome e a tristeza
Foi-se o domingo que começou na Cachoeirinha
Ou lá na barra do Tramandaí
Na tela o Silvio antes de um beijo de boa noite
A casa limpa pra receber a luz do sol
E colorir de artesanato o chão, a mesa
Pano de prato e o banheiro, com certeza
Ainda menina, cabelo ao vento, encaracolado
De campo e mata e de cascatas em Santo Antônio
Os 15 irmãos, o bergamasco com os pais e as tias
Tem pés na sanga e um medo louco de temporal
Desceu do morro pra esse vale cheio de indústrias
Seus olhos verdes viram a luz da noite elétrica
Aos 11 anos deixou a escola pra faxinar
A tantas casas que só a ela coube limpar

É de Maria que falo
É pra Maria que canto

Aos 19 foi operária de bola e latas
Para o azeite e a árvore dos Natais
Chegada a hora, na domingueira da Jovem Guarda
Um cara magro pegou seu braço e a levou pro altar
Corria rápido o mês nove de ´76
A ditadura rolando solta aqui outra vez
E a Maria, recém-casada, peregrinava
Atrás do lar que o manto da Virgem abençoava
Viriam logo os primeiros dias pela COHAB
Hoje incontáveis quanto os verões lá de Baunilha
Plenos de vento, de chocolate e maresia
Secreto amigo e de lambari, as pescarias
O primeiro filho veio no tempo das vacas magras
Isso que o esposo as madrugadas ele varava
Fazendo bombas e geringonças na metalúrgica
Ainda assim curaram a asma do pequenino
Em 09 anos chegava ao mundo o seu caçula
Naquele outono, 22, de utopia
Levá-los todos para o colégio de mãos dadas
É a merenda, feita com esmero, pra criançada
A história vai pro “digodieime”, pro futebol
Pintou o rock e outras formas de fantasia
Com namoradas, na faculdade, era sempre a Maria
A esperar, vigilante, pelo portão
Às vezes braba: fazer dos jovens homens feitos
Só pra sentir falta da infância deles depois
Mas não importa, o cafuné continuará
Nos pés, na alma, sempre que a gente precisar

É de Maria que falo
É pra Maria que canto

Teu amor é a flor do quintal
Tu és a flor do nosso quintal
Não há dor que murche o jardim
Pois o nosso amor não tem mais fim

É de Maria que falo
É pra Maria o meu canto



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