sábado, 9 de abril de 2016

Manuel Scorza


MANUEL SCORZA
O autor peruano Manuel Scorza (1928 a 1983) ficcionalizou a luta dos povos indígenas de Cerro Del Pasco, no alto da Cordilheira dos Andes, para garantir suas terras ancestrais contra empresas mineradoras norteamericanas. A série “A Guerra Silenciosa” (publicada entre 1970 e 1979) se divide em 05 baladas: “Bom dia para os defuntos” e “Garabombo, o invisível”, que remetem aos começamentos dos conflitos étnicos e por terra nos Andes peruanos; já com a balada 03 “Cavaleiro Insone”, e, com as últimas baladas, “Cantar de Agapito Robles” e “A tumba do relâmpago”, a narrativa nos traz a organização do campesinato e das lideranças indigenistas após o massacre de Chinche. Nas aldeias do que pode ser o fim do mundo, mas não o é, alguns lutam por seu mundo, em vias de se escangalhar após milênios e outros tentam com cifrões nos olhos agarrar novas fontes de lucro, mananciais de dinheiro.
         Scorza bolou romances de testemunho com o filtro criativo do realismo mágico. E ele também foi grande poeta, vivendo entre exílios (no México, na França) por seus livros provocarem os generais e caudilhos peruanos; portanto, lecionou e agitou a cultura literária da América latina na segunda parte do século XX.


O Mendigo

O Rei,
            incendiado em ouro,
seus impérios galopa,
e sente o levíssimo triturar das genuflexões
no seu compasso fulgurante.

Vassalos, estandartes,
esquadras, cantos, orvalhos,
lhe pertencem.

Tudo aos seus pés,
menos o amor da mulher
que, neste instante,
aos arautos sorri, desdenhosa.

O Rei percebe então seu miserável esplendor,
e compreende que não passa de um mendigo resplandecente.
(Do livro “Os adeuses”, 1960)


Carta aos poetas que virão

Talvez amanhã os poetas perguntem
por que não celebramos a graça das raparigas;
talvez amanhã os poetas perguntem
por que nossos poemas
eram largas avenidas
donde vinha a ardente cólera.

Eu respondo:
por toda parte ouvíamos o choro
por toda parte nos sitiava um muro de ondas negras.
Seria a Poesia
uma solitária coluna de orvalho?
Tinha de ser um relâmpago perpétuo.

Enquanto alguém padeça,
a rosa não poderá ser bela,
enquanto alguém olhar o pão com inveja,
o trigo não poderá dormir;
enquanto chover sobre o peito dos mendigos,
meu coração não sorrirá.

Matem a tristeza, poetas.
Matemos a tristeza com um pau.
Não diga o romance dos lírios.
Existem coisas maiores
que chorar os amores perdidos:
o rumor de um povo que desperta
é mais bonito do que o orvalho!
O metal resplandecente da sua fúria
é mais belo que a espuma!
Um Homem Livre
é mais puro que o diamante!

O poeta soltará o fogo
de sua prisão de cinzas.
O poeta acenderá a fogueira
que vai queimar este mundo sombrio.
(Do livro “As maldições”, 1955)


Palavras a Nicolas Centenário

No começo o homem abandonava os seus mortos.
Há cinqüenta mil anos começou a cavar tumbas.
Na pele das cavernas cinzelou seus medos belíssimos.
Inventou a alma.
Por isso estou aqui
Aventando palavras contra o céu indiferente.
No parque, tua filha brinca.
Escritor e poeta
A vida passa tão rápido
Que qualquer tarde dessas voltará belíssima mulher.
Nicolas, deveríamos tratar de dizer a verdade.
Porque em nosso tempo
adolescentes dourados combateram no horror da América.
Mas a metralhadora lhes desmontou os sonhos!
Belos nascendo para a morte.
Nós tatuávamos poemas esquecíveis
em corpos esquecíveis de mulheres esquecidas.
Em puteiros de mal morrer
cicatrizávamos nosso fracasso
bebendo cachaça que não era sete campos.
O Che levava em sua mochila versos de Léon Felipe
e Javier Heraud também versos em sua jaqueta.
O impiedoso rio Mãe de Deus
Levou sua juventude salpicada.
Porém a vida flui mais rápida que o rio Mãe de Deus!
Impossível erguer outro mundo
sem desembarcar nas ilhas vistas nos sonhos!
Uma revolução que é só uma revolução não é uma
                        revolução!
Há que se derrubar tudo!
Não permitas que nasça de novo esta realidade!
Impedir que voltem a existir esta vida, esta água,
esta pátria, esta luz, este amor, este futuro, este sol!
Quem poderá nos absolver?
Um ardente poema nos resgataria.
Mas não pronunciamos a Palavra.
No parque tua filha joga.
Voltará muito linda a vida.
E o quê?
A vida vale a pena.
Estou alegre, sou árvore, sou relâmpago, sou luz.
O homem que está mais próximo de sua morte que do seu
                        nascimento
precisa urgentemente ser feliz.
Há cinqüenta mil anos comecei a gravar este poema.
Por isso ventilo estas palavras contra o céu indiferente.
(Hotel de Turistas de Tacna, 1977, inédito até 2003)

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CalexicoWhen the angels played (2015):



CalexicoMiles from the sea (2015):

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