quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O 4º Maior Acidente Aéreo

Charles Paul Landon, Dédalo e Ícaro, 1799  


 O 4º maior acidente aéreo*
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

 * Para Priscila, que me contou com um olhar tão malemolente sobre as três maiores tragédias da  aviação  brasileira que me pus a inventar uma quarta em seguidinha.


1.       Debaixo daquele chapéu de palha
Com um lenço laranja no pescoço
Ela em nada se parecia com a
Moça do passaporte
Estava fugindo
De si e da gente que a rodeava
Embarcou no avião (seu símbolo de liberdade).

2.     O Romeno reparou no braço branquinho
Da aeromoça
Quando ela lhe entregou
A esferográfica
Pedir uma caneta através de mímicas
Pode não ser difícil
Já dar uma dentada naquele braço sem cor: Talvez.

3.     Lia-se numa nuvem:
“Leve seu homem pela mão, garotinha”.
O corvo crocitava:
“Ame seu homem de coração, garotinha”.
Um anjo e sua trombeta:
“Faça-o entender, garotinha”.
O copiloto com a testa suada:
“Nossas vidas estão em suas mãos, comandante”.
O comandante esboçou um stall que deixou até o careca de cabelo em pé.

4.     “Mas que diabos, comandante!
Não bastam essas suas piruetas e é como se a aeronave estivesse
sobrecarregada
também.
Desse jeito vamos cair mesmo”!
“Tudo o que sobe, desce”. Observou o comandante com toda a dor que
podia haver na alma de um homem só.
Seu semblante não era nuvem, mas lá também se lia:
“Estou a trabalho nas lonjuras do Céu, onde dizem que Deus mora;
com certeza, os pássaros passeiam.
Mas meu coração está arraigado na terra firme: lá onde caminham os pés
delicados da despachante de cargas”.

5.     Refeito do susto do stall
O ator sem papel pensou
“Preciso desabafar com alguém”!
Era sua 1ª viagem de avião
Fechou o livro
Os homossexuais na História
Com muito a lhe dizer e pouco a lhe escutar.
Olhou para a senhora na poltrona ao lado
Adormecida, roncava
Entre os dedos sapecados pelo tempo
As cartas do baralho de sua última
Paciência.

6.     A despachante de cargas liberou
Mais um avião
Era o 3º desde o Voo Número WJ3307 - De: Santa Maria, Para: Comala
Comandante da aeronave: Seu marido
Pediu com licença
Foi ao toalete
No espelho: 35 anos daquele rosto
Ainda assim, poucas rugas
Cintilou os lábios com o batom vermelho
O predileto do comandante
E lembrou que dali a pouco
Sairia algemada do aeroporto
Dez anos de serviço
Cinco deles casada com o comandante Ícaro da Silva
Flagrou o marido com a controladora de voo
Pediu o divórcio no dia seguinte
“Tragédias na aviação acontecem”. Disse em voz alta.
“Mas não traições”. Pensou também.
A faxineira lançou-lhe um olhar bovino
E enxugou a bruxa no balde
“São os olhos de Deus a me condenar”.
Riu a despachante quando finalmente ficou sozinha.

7.     “Tragédias na aviação acontecem”.
O comandante de barba mal-feita, olheiras.
“Mas não traições”! Gritou, dando um soco no manche.
“Você enlouqueceu, comandante?
São duzentas pessoas a bordo.
Não pode derrubar o avião só porque sua mulher
o traiu”!
“Tarde demais, Roberto.
Vou soltar o último parafuso”.
O comandante não precisou apontar arma alguma ao copiloto.
Bastavam as medalhas em seu uniforme
A hierarquia paralisava e submetia o novato
Nem mesmo o medo da morte motivaria
Uma insubordinação
Desde os tempos da escola
O agora copiloto Roberto, então Betinho,
Era perito em obedecer
Serviu o Exército
Mantendo o estoicismo
Em plena aviação civil
Toda a família Pereira era assim:
Obedecia
Primeiro
Perguntava depois.
8.     O magrinho talvez
Tenha sido o único passageiro
A procurar a cabine de comando
Sua indignação era
Inversamente
Proporcional
A sua magreza
Mas fora barrado pelas aeromoças
Que eram como que a Guarda Pretoriana do comandante
Louco e traído
Ele as comprou com dinheiro, colares e anéis
Antes da despressurização adormecer a todos
Passageiros com máscaras ou sem
Sacos de vômito vazios ou cheios
Bíblia, Alcorão e Kama Sutra
Uma das comissárias de bordo teve tempo de retrucar a colega:
“Eu te disse que ainda não era hora de enriquecer.
Como vamos gastar nosso dinheiro na cova”?
Raro momento de lucidez na curta vida de Márcia.

9.     Tudo que li
No Clique Notícias
Era que o avião despencou
Por falhas técnicas
E de que não havia sobreviventes
Ainda procuravam a caixa-preta, é verdade
Mas o coração do comandante
Se perdera para sempre
Nas águas do Atlântico.
Numa praia aqui ou acolá
Ondas traziam, intermitentes,
Um anel de falso brilhante
Um chapéu de palha Tifany
Um sapato romeno.

10.  Me furtei como sempre me furto
Dos detalhes mórbidos
De mais uma tragédia
Há bastante tempo eles já não
Me despertam a curiosidade
Terminei a cerveja quente do copo
Fui tomar banho
Antes da água cair prestei atenção às palavras do chuveiro
Sempre haverá alguém a nos trazer más notícias
Já não se pode dizer outra coisa além de
Putz! Que azar.


 Olivia RuizVolver (2013):


 Olivia RuizLes crêpes aux champignons (2010): 


Um comentário:

  1. O “IX Concurso Plínio Motta de Poesias” será realizado no anfiteatro da Prefeitura de Machado-MG (Brasil), às 20hs do dia 09 de novembro de 2013.
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    POESIAS CLASSIFICADAS DA CATEGORIA II ( ACIMA DE 17 ANOS)
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    Álvaro Campos de Carvalho= (AVISO AOS NAVEGANTES) Machado-MG
    Jorge Nuno= (A LA CARTE) Bragança/Portugal
    Robério Campos Costa= (DEMÔNIOS) Machado-MG
    Flávio Rubens M. Queiroz= (EXAMINANDO FOTOGRAFIAS) Cabo Frio/RJ
    Adelaide Aparecida Pereira (MENINA DE RUA) Machado-MG
    Tiago Correia de Jesus (POEMA DO DAR) Salvador-BA
    Gabrielly Terra Freire= (SAUDOSISMO) Machado-MG
    Amélia M. Raposo da Luz = (SEDUÇÃO) Pirapetinga-MG
    Ademar Jesus Bueno (SONETO DA PRAIA GRANDE) Varginha-MG
    Geraldo Trombin= (TANTO MAR) Americana/SP
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