Charles Paul Landon, Dédalo e Ícaro, 1799
O 4º maior acidente aéreo*
(C. A. Albani da Silva, o Inventor
do Vento)
*
Para Priscila, que me contou com um olhar tão malemolente sobre as três maiores
tragédias da aviação brasileira que me pus a inventar uma quarta em seguidinha.
1. Debaixo
daquele chapéu de palha
Com
um lenço laranja no pescoço
Ela
em nada se parecia com a
Moça
do passaporte
Estava
fugindo
De
si e da gente que a rodeava
Embarcou
no avião (seu símbolo de liberdade).
2. O Romeno
reparou no braço branquinho
Da
aeromoça
Quando
ela lhe entregou
A
esferográfica
Pedir
uma caneta através de mímicas
Pode
não ser difícil
Já
dar uma dentada naquele braço sem cor: Talvez.
3. Lia-se
numa nuvem:
“Leve
seu homem pela mão, garotinha”.
O
corvo crocitava:
“Ame
seu homem de coração, garotinha”.
Um
anjo e sua trombeta:
“Faça-o
entender, garotinha”.
O
copiloto com a testa suada:
“Nossas
vidas estão em suas mãos, comandante”.
O
comandante esboçou um stall que
deixou até o careca de cabelo em pé.
4. “Mas
que diabos, comandante!
Não
bastam essas suas piruetas e é como se a aeronave estivesse
sobrecarregada
também.
Desse
jeito vamos cair mesmo”!
“Tudo
o que sobe, desce”. Observou o comandante com toda a dor que
podia
haver na alma de um homem só.
Seu
semblante não era nuvem, mas lá também se lia:
“Estou
a trabalho nas lonjuras do Céu, onde dizem que Deus mora;
com
certeza, os pássaros passeiam.
Mas
meu coração está arraigado na terra firme: lá onde caminham os pés
delicados
da despachante de cargas”.
5. Refeito
do susto do stall
O
ator sem papel pensou
“Preciso
desabafar com alguém”!
Era
sua 1ª viagem de avião
Fechou
o livro
“Os homossexuais na História”
Com
muito a lhe dizer e pouco a lhe escutar.
Olhou
para a senhora na poltrona ao lado
Adormecida,
roncava
Entre
os dedos sapecados pelo tempo
As
cartas do baralho de sua última
Paciência.
6. A
despachante de cargas liberou
Mais
um avião
Era
o 3º desde o Voo Número WJ3307 - De: Santa Maria, Para: Comala
Comandante
da aeronave: Seu marido
Pediu
com licença
Foi
ao toalete
No
espelho: 35 anos daquele rosto
Ainda
assim, poucas rugas
Cintilou
os lábios com o batom vermelho
O
predileto do comandante
E
lembrou que dali a pouco
Sairia
algemada do aeroporto
Dez
anos de serviço
Cinco
deles casada com o comandante Ícaro da Silva
Flagrou
o marido com a controladora de voo
Pediu
o divórcio no dia seguinte
“Tragédias
na aviação acontecem”. Disse em voz alta.
“Mas
não traições”. Pensou também.
A
faxineira lançou-lhe um olhar bovino
E
enxugou a bruxa no balde
“São
os olhos de Deus a me condenar”.
Riu
a despachante quando finalmente ficou sozinha.
7. “Tragédias
na aviação acontecem”.
O
comandante de barba mal-feita, olheiras.
“Mas
não traições”! Gritou, dando um soco no manche.
“Você
enlouqueceu, comandante?
São
duzentas pessoas a bordo.
Não
pode derrubar o avião só porque sua mulher
o
traiu”!
“Tarde
demais, Roberto.
Vou
soltar o último parafuso”.
O
comandante não precisou apontar arma alguma ao copiloto.
Bastavam
as medalhas em seu uniforme
A
hierarquia paralisava e submetia o novato
Nem
mesmo o medo da morte motivaria
Uma
insubordinação
Desde
os tempos da escola
O
agora copiloto Roberto, então Betinho,
Era
perito em obedecer
Serviu
o Exército
Mantendo
o estoicismo
Em
plena aviação civil
Toda a família Pereira era assim:
Obedecia
Primeiro
Perguntava depois.
8. O
magrinho talvez
Tenha
sido o único passageiro
A
procurar a cabine de comando
Sua
indignação era
Inversamente
Proporcional
A
sua magreza
Mas
fora barrado pelas aeromoças
Que
eram como que a Guarda Pretoriana do comandante
Louco
e traído
Ele
as comprou com dinheiro, colares e anéis
Antes
da despressurização adormecer a todos
Passageiros
com máscaras ou sem
Sacos
de vômito vazios ou cheios
Bíblia,
Alcorão e Kama Sutra
Uma
das comissárias de bordo teve tempo de retrucar a colega:
“Eu
te disse que ainda não era hora de enriquecer.
Como
vamos gastar nosso dinheiro na cova”?
Raro
momento de lucidez na curta vida de Márcia.
9. Tudo
que li
No
Clique Notícias
Era
que o avião despencou
Por
falhas técnicas
E de
que não havia sobreviventes
Ainda
procuravam a caixa-preta, é verdade
Mas
o coração do comandante
Se
perdera para sempre
Nas
águas do Atlântico.
Numa
praia aqui ou acolá
Ondas
traziam, intermitentes,
Um
anel de falso brilhante
Um
chapéu de palha Tifany
Um
sapato romeno.
10. Me
furtei como sempre me furto
Dos
detalhes mórbidos
De
mais uma tragédia
Há
bastante tempo eles já não
Me
despertam a curiosidade
Terminei
a cerveja quente do copo
Fui
tomar banho
Antes
da água cair prestei atenção às palavras do chuveiro
Sempre
haverá alguém a nos trazer más notícias
Já
não se pode dizer outra coisa além de
Putz!
Que azar.
Olivia Ruiz – Volver
(2013):
O “IX Concurso Plínio Motta de Poesias” será realizado no anfiteatro da Prefeitura de Machado-MG (Brasil), às 20hs do dia 09 de novembro de 2013.
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POESIAS CLASSIFICADAS DA CATEGORIA II ( ACIMA DE 17 ANOS)
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Álvaro Campos de Carvalho= (AVISO AOS NAVEGANTES) Machado-MG
Jorge Nuno= (A LA CARTE) Bragança/Portugal
Robério Campos Costa= (DEMÔNIOS) Machado-MG
Flávio Rubens M. Queiroz= (EXAMINANDO FOTOGRAFIAS) Cabo Frio/RJ
Adelaide Aparecida Pereira (MENINA DE RUA) Machado-MG
Tiago Correia de Jesus (POEMA DO DAR) Salvador-BA
Gabrielly Terra Freire= (SAUDOSISMO) Machado-MG
Amélia M. Raposo da Luz = (SEDUÇÃO) Pirapetinga-MG
Ademar Jesus Bueno (SONETO DA PRAIA GRANDE) Varginha-MG
Geraldo Trombin= (TANTO MAR) Americana/SP
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