quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Angélica e a Espada de São Miguel

René Magritte, O reconhecimento do infinito, 1963

 
Aqui vai um pequeno desabafo
(Angélica Andrade Reis ou seria Acilégna?)
 
E de repente seu mundo desaba.
Nunca imaginou que coisas assim acontecessem.
Sim, seu mundo desaba.
Você chora, você sai magoada.
Mas também sabe dar gargalhada.
E percebe que não há tempos melhores!
 
Parágrafo angelical
A vida é engraçada, mas não há coisa mais séria. A vida é um sonho lindo, cheio de pesadelos. A vida pode nos fechar as portas, mas também abrir uma janela na nossa frente. Facilmente a vida nos alivia, mas está sempre disposta a nos machucar. É tão justa essa vida de injustiças! Pois, feliz é a vida, que é tão triste. É tão simples, tão confusa! Tão monótona, tão impressionante! Tão renovadora, tão devastadora! Tão longa, tão curta.
(Angélica Andrade Reis, ex-estudante do Vento na EMEF Alberto Pasqualini, Gravataí/RS, editora do blogue leReler)

Acesse o blogue de resenhas e dicas culturais aqui: leReler.


Angélica e a Espada de São Miguel
De: C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento
Para: Acilégna, Ailáthan e Leonam

1.    Foi quando a noite despencava
dos Céus
Carlos Magno já não reinava sobre
a França
Nem a França estava mais protegida
pelos Doze Pares
Mas o Cavaleiro Rolando ainda caçava
três javalis no Mato Alto
E os levava mortos no lombo do cavalo
Angélica veio à procura do Graal:
“De onde vens tu, menina”?
“De onde moram os operários, num Vale do Brasil.
Nem sou cristã, mas busco o Graal”.
“O que és o Graal para ti”?
“Não sei, por isso o procuro”.
“Então estás procurando uma coisa que nem sabes o que é”?
“É”.

2.    Se o Graal que Angélica procurava
Fosse os dos olhos carnais
Não havia de passar
De uma taça lavada pelo sangue de Cristo
O cálice da Última Ceia
Por vezes objeto dourado
Em outras, transparente vidro
Ou mesmo latão
Isso só dependia do dedo indicador
De algum padre ou louco ou bispo ou conde
Que apontava: “É esta a taça” e afirmava
em tom solene: “Eis o Graal”!
Explicou assim o Cavaleiro Rolando
O fogo crepitava
A fogueira aquecia
Embora frio não fizesse
Naquela época do ano.

3.    Se o Graal que Angélica procurava
Fosse o dos olhos espirituais
Continuou explicando o Cavaleiro
A busca deveria começar em outro lugar
Rolando desembainhou
A Espada de São Miguel: Durandal
Ela reluziu tão forte que
a noite se fez dia
a fogueira esfriou
Embora fizesse calor
Entre os dois.

4.    “Mais de mil mouros matei
Na Andaluzia”.
E Durandal podava os galhos do cipreste
Ao lado de Angélica
Com os golpes de Rolando
“A mais de mil mortes sobrevivi
Em Marselha
Aos 16 anos
Já sabia o que era carregar
A França
Digo
O mundo
Nos ombros”.
Com o Sol da lâmina de Durandal
Nos olhos
Angélica mal pode observar
O cabelo desgrenhado do Cavaleiro Rolando
Mas contemplou as formigas que carregavam em
fila indiana
O seu mundo
A sua França,
de folhas caídas,
Indiferentes a Rolando
Mas não talvez quanto ao Graal.

5.    “Jurei sob a Cruz
E desde então tenho rezado
- Com o cantar do galo;
antes e depois de cada refeição;
ao anoitecer e ao dormir. –
Engajei-me nas 7 Missas Solenes
Da Catedral de Reims
E uma vez por ano tenho até lá
Peregrinado
Jurei no altar do Santo Sepulcro
Em Jerusalém, onde os caminhos se cruzam
Beijei a mão da Rainha
Da princesa, não!
Ela já estava comprometida!
Desfraldei a bandeira
Ergui o estandarte
Ambos sujos de sangue
Do Império carolíngio
Em nome da Ordem da Cavalaria
Benzi 33 escudeiros
E quando a camponesa
Estava prestes a sujar seus pés no lodo
Joguei minha capa ao chão para que passasse
Em meio à chuva, ao vento e ao frio
Muitos palavrões dela ouvi
No campo de batalha
Zelei por Carlos Magno, meu tio”.
Rolando cortou a estrela mais próxima
entregando a pontinha a Angélica
Ela sorriu.

6.    Colocou as mãozinhas
Sobre as mãozonas
Do Cavaleiro Rolando
Um sentindo o hálito do outro
A menina dos cabelos ruivos falou então
“Sim. Eu sei de tudo isso
Foi quando o Rei lhe entregou
O poderio de Durandal
A lâmina forjada pelo Arcanjo
A lâmina das Cruzadas
Que picotou o Corão no Oriente
Na Espanha rasgou mesquitas inteiras
E prostrou mil virgens aos teus pés
Calejados
Ou melhor, mil e duas
Pois houve Houria e Nassíria que
O historiador esqueceu de anotar”.
Rolando trazia os olhos cansados
A barba áspera
Fiapos de branco
Uma cicatriz enorme na testa
Que Angélica inclusive
Ainda não havia reparado.
“Este é o teu Graal, Rolando.
Este é o teu Graal, Cavaleiro”.
Angélica tocou com a ponta dos dedos, pela primeira e última
vez,
Na lâmina de Durandal
Não estava nem quente nem fria.

7.    É possível fugir das respostas fáceis?
A essa pergunta não existia uma resposta fácil
Acreditando nisso
Angélica enveredou campo afora
O Arcanjo São Miguel lhe esperava
Enquanto Rolando se punha a dormir
Somente o Arcanjo
Talvez
Pudesse esclarecer
Alguma coisa
Por menor coisinha que fosse
(Mesmo para um não cristão)
Acerca do Graal
De cada um
De cada dia.

Brothers of a FeatherCold Boy Smile (2007): 

Led ZeppelinWhat is and what should never be (1975): 



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