História e Memória na Escola: 50 anos do golpe civil-militar no
Brasil e o regime ditatorial (1964-1985)
Prof. Rafael Policeno de Souza
“Para que não se
esqueça. Para que nunca mais aconteça”. Dom Evaristo Arns
Este ano completa-se 50
anos do golpe civil-militar no Brasil. Do dia 31 de março ao dia 1º de abril de
1964 (não há consenso na historiografia quanto à data
específica; importa é que desde o dia 31 de março já se objetivavam as ações
golpistas, que se consolidariam no dia 1º de abril), efetivou-se a agressão ao
regime democrático constitucional vigente no país e instalou-se, por 21 anos,
uma ditadura militar que, desde seu primeiro dia, até o último, foi
caracterizada pelo Terror de Estado, com a mais variada lista de violações de
direitos, que passavam pelo afastamento de profissionais de seus postos de
trabalho (inclusive professores), cassação de direitos políticos, prisões
clandestinas, sequestros e desaparecimentos, execuções, bem como toda sorte de
violência física, como a tortura (com ampla lista de procedimentos). Este regime
levou à morte e causou tragédias coletivas e dramas psicológicos em um grande
número de brasileiros. Sob a Doutrina de Segurança Nacional, com a Guerra Fria[1]
como “pano de fundo”, e o aparato ideológico da direita conservadora, o Brasil
foi um dos primeiros Estados nacionais a violentar a democracia e implantar uma
Ditadura de Segurança Nacional[2].
Além disso, pesa contra a nossa história o protagonismo na implantação do
“terror para além das nossas fronteiras”, uma vez ter sido o Brasil um dos
principais países que organizou e colocou em prática a Operação Condor, responsável por uma rede de repressão nos países
da América do Sul.
Nossa ainda jovem
democracia enfrenta inúmeros problemas e limites, que possuem estreita ligação
com o período ditatorial recente. É papel da escola contribuir para a
compreensão da nossa sociedade, bem como promover espaços de construção de
conhecimento que permitam que sejam maximizadas as principais questões, que
envolvem a construção de uma nação soberana, que possua cidadãos aptos a
interpretar a sua própria história. Para isso, é necessário aproveitar momentos
únicos como os 50 anos do golpe e
início da ditadura brasileira, e
combatermos a nossa trágica “escolha” pela amnésia coletiva, que parece manter
boa parte do povo brasileiro“anestesiada” pela não reflexão crítica de seu
passado recente. Não questionar e não pensar como e de que forma o Estado
brasileiro colocou seu povo sob a tirania e terror por intermináveis 21 anos,
nos leva a um perigoso cenário de “naturalização” das violências contra uma
democracia ainda em fase inicial de desenvolvimento. Infelizmente o Brasil
também foi o último a se redemocratizar, além de até hoje não ter feito avanços
significativos na direção da abertura de arquivos, reconstrução da memória
coletiva e julgamento dos responsáveis pelo terror de Estado (países como
Uruguai, Argentina e Chile já fazem isso inclusive com ex-presidentes e
generais julgados e presos). Muitos desses limites estão relacionados à não
massificação da discussão ampla e crítica nas salas de aula do Brasil como um
todo.
Assim como a memória
individual, a memória coletiva da sociedade é seletiva, ou seja, de acordo com
a correlação de forças[3]
existente escolhe de que forma e em que intensidade “lembrar” de determinado
tema. Este item é demasiado complexo para se trabalhar aqui, apenas o inseri a
título de ilustração objetiva, em relação ao poder hegemônico exercido pelos
grandes conglomerados midiáticos atualmente. A grande e esmagadora maioria foi
cúmplice[4]
e sustentou ideologicamente o golpe e o regime militar. Hoje fazem editoriais
defendendo a democracia, mas são “filhos” de um regime ditatorial. Não é por
acaso que não vemos uma grande divulgação dos 50 anos, e quando vemos é a
partir da ótica que interessa a sua própria perspectiva, pois sabem estar com
as “mãos sujas de sangue”. Colocar o processo histórico que engendrou a
Ditadura Militar brasileira em perspectiva, é nosso dever mais urgente, para
defesa e consolidação dos valores humanistas que a escola tem o dever de
fomentar.
Notas de rodapé
[1] O mundo
bipolar, dividido em orientações distintas das potências hegemônicas EUA x
URSS. Os militares e a direita civil utilizaram o discurso de que o então
presidente João Goulart iria instaurar uma república sindicalista no Brasil e
um posterior comunismo. Assim, argumentam que em defesa da soberania nacional e
contra a intervenção estrangeira deram o Golpe. Em realidade, documentos
liberados recentemente pelo departamento de Estado dos EUA revelam que na
verdade os militares é que atuavam contra a soberania nacional e a serviço dos
interesses dos EUA na região, contando inclusive com aparato militar caso
necessário. Ver “Operação Brother Sam”.
[2] Na verdade,
o ciclo de ditaduras na América Latina, da segunda metade do século 20, foi iniciado
no Paraguai com a sanguinária direção do general Stroessner, que vergonhosamente
se exilou no Brasil e morreu tranquilamente sem o julgamento de suas
atrocidades.
[3]
Monopolização dos grandes meios de comunicação, concentração de renda e
educação deficitária são alguns dos elementos.
[4] A própria
rede Globo nasceu da “placenta” da ditadura e se sustentou a partir de sua
defesa.
ALGUNS MOTIVOS PARA NÃO
SENTIRMOS SAUDADES DA DITADURA MILITAR (1964-1985)
C.
A. Albani da Silva, o Inventor do Vento
(Crônica
publicada originalmente em 05/04/2012, 2ª edição em 04/04/2013, 3ª revisão
01/04/2014)
Há 50 anos, na madrugada de
31/03 para 1° de abril de 1964, o Exército derrubou o Presidente João Goulart
(1919-1976) e passou a ditar as regras no Brasil. Apoiado por empresários
nacionais e estrangeiros, pela Igreja, por setores da classe média, fazendeiros
e pelo governo dos EUA, o Golpe Militar foi uma reação das elites contra as
então crescentes reivindicações sociais de sindicatos, agricultores, partidos
de Esquerda,
estudantes, intelectuais e artistas. Essas lutas populares eram em prol das REFORMAS
de BASE (reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional e
política). O pessoal da Direita,
que deu o Golpe Militar, temia que ocorresse no país uma Revolução Comunista,
como na Cuba de Fidel Castro e “Che” Guevara em 1959. Sendo assim:
1) É verdade que havia mais
segurança nas ruas durante a Ditadura? Não! Durante a
Ditadura, a repressão policial se concentrou contra grupos políticos de Esquerda (guerrilheiros,
estudantes, líderes sindicais, intelectuais, artistas críticos). Se as ruas
eram mais pacatas é porque os centros urbanos brasileiros eram bem menores e
muita gente (cerca de 60% da população) vivia no campo. Em 1970, por exemplo, Gravataí
tinha menos de 70 mil habitantes. Em 2000, tinha 270 mil habitantes!
2) As favelas e o êxodo rural
têm a ver com a Ditadura então? Tudo a ver!
Entre 1967 e 1979 os militares incentivaram a vinda de muitas empresas
estrangeiras para o Brasil, sobretudo empresas norteamericanas. O país se
industrializou de vez. Porém, o campo continuou dominado pelo latifúndio, ou seja, muita terra na mão de poucos fazendeiros
e pouca terra na mão de muitos agricultores. Resultado disto? Milhões
de camponeses sem-terra
abandonaram o campo, ocupando as periferias das cidades atrás de emprego nas fábricas.
Alguns conseguiram... Outros, não!
3) Não existiam drogas durante a
Ditadura? Foi exatamente durante a Ditadura
que o campo, no Brasil, se
industrializou também, a partir de 1972. Máquinas agrícolas substituíram
a mão-de-obra de milhões de agricultores e isso ocasionou ainda mais êxodo rural. Nesse
embalo, fazendeiros, empresas multinacionais de agrotóxicos e equipamentos
agrícolas investiram
pesado na produção de alimentos, mas também, de entorpecentes (tudo em nome do lucro,
claro!) em um processo simultâneo em quase toda a América Latina. Rapidamente,
as drogas inundaram as cidades...
4) Não havia corrupção na Ditadura?
Enormes obras de infraestrutura (estradas, pontes, hidrelétricas,
aeroportos) aconteceram no Regime Militar, quase todas superfaturadas e com
muitos desvios. Veja o caso da Rodovia Transamazônica, caríssima e até hoje inacabada. Ou mesmo
a enorme dívida externa,
contraída pelo Governo Militar para industrializar o país. Poucas denúncias
apareciam na TV, pois o próprio governo censurava a imprensa, e porque também grande parte da imprensa apoiava
o Regime Militar (a Rede Globo, a Folha de SP, o SBT...)
5) Mas a Globo não foi censurada
também? Algumas novelas da Globo foram censuradas, mas quase
todas por cenas de sexo, beijos e nádegas, não por ideias políticas como foram
censurados dezenas de compositores, escritores e professores. Mesmo assim, foi
a Ditadura que patrocinou dezenas de filmes estilo PORNOCHANCHADA, via Embrafilme, aqueles filmes brasileiros de comédia-erótica que
fizeram muito sucesso no país nos anos 1970.
6) A Ditadura no Brasil foi
menos violenta que as Ditaduras no Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia,
Chile? Não! Ainda hoje centenas de pessoas estão desaparecidas
por terem sido torturadas e mortas por órgãos militares e policiais: outras
milhares morreram assassinadas. Atualmente, a resistência ainda é grande entre
os militares e políticos de Direita que, por vezes, contestam a Comissão Nacional da Verdade,
instituída pelo governo Dilma Roussef em Maio de 2012 e que busca apurar os
crimes de torturadores e terroristas do Regime Militar, resgatando e
preservando também documentos históricos do Regime. Muitos desses torturadores
seguem hoje recebendo salários, homenagens e mantêm títulos militares. Mesmo a Lei da Anistia Geral, de
1979, promoveu a impunidade dos torturadores e não prescreveu, como deveria, em
2009.
7) Alguém votava na Ditadura?
Na maior parte da Ditadura, não! Os militares liberaram o voto em
certos momentos, mas apenas para os alfabetizados (milhões de brasileiros eram
analfabetos então) e para algumas prefeituras e Estados. Nada de voto para presidente!
A lógica era: o povo brasileiro é incompetente, incapaz de votar por ser
ignorante. Ou seja, novela
(ou pornochanchada), futebol e cerveja pro povo, pois assim o povo deixava
que os Generais, os “técnicos” do Exército e das empresas governassem o país.
RESUMINDO:
Grande parte dos problemas do
Brasil de hoje tem sua origem nos 21 anos de Ditadura Militar!!!!
P.S.: Site da Comissão Nacional da Verdade (CNV)
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