Takashi Murakami, 727, 1996
Tarde dum domingo de Inverno em 2005:
Frio,
chuva e melancolia
Raul
Seixas cantou
Tinha visita estranha na sala!
Não
passei a vista no jornal
Mas
me tranquei no quarto mesmo assim
Pra
não precisar fingir estar alegre quando estava triste
Ou
triste quando estava alegre
Dá
no mesmo...
O
Irmão do Vento
Havia
se casado há pouco
E
deixou algumas de suas boas tralhas na casa dos pais, do irmão mais novo
Aquário;
peixes dentro do aquário; quadro de um Jaguar preto: o carro anglo-hindu, não a onça das américas
A
melhor das tralhas
Uma
máquina de escrever Olivetti, ainda com fita vermelha - a preta tinha acabado...
Máquina-símbolo: das últimas representantes da fortuna de empresários do escritório antes da fortuna de empresários da computação
(Oh! Oh! Oh! João, técnico em computação...)
Dei
de bater uns poemas bestas chamados “A poesia de um louco”
Devo
ter criado umas 50 dessas poesias pra louco
Tive
a sabedoria de logo em seguida jogá-las todas fora
Mas
nesse exercício de criatividade
Tal qual o poeta Amaro Flores Castilhos
De Cachoeirinha/RS
Que ainda compõe seus versos ao som do tec-tec de uma Olivetti
Datilografei
as 20 estrofes
De
“O dia vai ser nublado”
O
lixo não levou estas estrofes
Pois
gostei delas
Como
gostei de muitas meninas
Desde
então
Desde
sempre
Em
Agosto de 2010 tentei transformar essas 20 estrofes do poema em música
Um
samba na guitarra
Bah! Era
como se uma cadeirante tivesse sido escolhida para globeleza
Haja
visto a falta de molejo daqueles acordes
Ainda
assim arrisquei uma gravação caseira – tão deficiente quanto o arranjo original
do som
É
que faria dali uns dias a minha primeira viagem de avião
Se
o pássaro de metal se esborrachasse no chão, ou nalguma nuvem enganadoramente frágil
e branca, mas pétrea como muitos corações, ou se algum anjo mal intencionado ou
urubu mesmo nos abatesse em pleno voo
A
canção poderia sobreviver frente ao Tempo inclemente e à ausência
Em
2013
5773
anos desde o engano divino que gerou o mundo, conforme os hebreus
Publiquei
as 20 estrofes de “O dia vai ser nublado” numa coletânea literária, lançada na
Feira do Livro de Gravataí
Na
mesma época
Tocando
no “1º Sarau ‘Ray Bradbury’ da Canção Cósmica”, em Tyrr - planeta mais conhecido pelos terráqueos como Marte -
gravei,
ao vivo, com os Sci Fi Boys (Verne,
Orwell, Huxley, Asimov, Dick, Clark)
uma versão psicodélica da canção
Nesta
semana de Maio de 2014
Lua
Minguante lá em cima a nos olhar de esguelha
28
anos depois
Da
tarde divina
Em
que Maria
Deu
à luz
Não a um Jesus
Mas
a este Inventor de Ventos
Revisito
àquele “Dia Nublado” de 2005
Ao
menos nublado na minha imaginação
Pois
que chovia, água, frio e melancolia
No mundo lá fora: de concreto, asfalto e outros que tais chamados, em síntese, realidade.
O Dia Vai Ser Nublado
(C. A. Albani
da Silva)
O
João levantava tão cedo que não era mais preciso dormir
Ele
que acordava o galo para o galo cantar
O
João por causa disso nem conseguia mais sonhar
O
que era um problema, pois ganhava dinheiro e não sabia onde gastar
João
Meu irmão
O
João tinha um velho amigo que se chamava José
O
José pretendia estudar filosofia
Tomou
um empréstimo do banco para pagar a faculdade
E
logo aprendeu que no mundo não há apenas uma verdade
José
Filósofo
O
José tinha uma namorada que se chamava Maria
Tão
meiga quanto uma flor seja de noite ou de dia
Num
fim de semana qualquer em que José estudava a sociedade
Maria
saiu com Marcelo e acabou aprontando algumas sacanagens
Maria
Mamãe
Na
casa da Maria trabalhava um pedreiro que costumava contar umas histórias
Dizia
que havia viajado pros EUA
Lá
ganhava muita grana trabalhando de frentista num posto
Mas
ele abandonou o Tio Sam porque sentia saudades do nosso café
Café
No bule
O
pedreiro tinha uma irmã que frequentava uma comunidade espírita
A
irmã dizia reencarnar a Luíza Mahin
Esta,
por sua vez, reencarnava a Cleópatra
Sua
sina era lutar pela liberdade sem fim
Abaixo com os grilhões
Ponham isso nas Constituições
A
irmã do pedreiro tinha um namorado chamado Leandro
Ponta
esquerda do time da loja de sapatos
Na
final do campeonato de várzea num domingo ensolarado
O
Léo bateu a falta no ângulo e correu pro abraço
Leandro
Campeão
O
Leandro era sobrinho de um metalúrgico de esquerda
Líder
de um sindicato da categoria
Certa
empresa se negava a dar uma cesta e um peru de Natal
Alegando
que a crise era grande no mercado internacional
Tio do Leandro
Greve geral
O
tio do Leandro era neto do Seu Mathias
Seu
Mathias se lembrava saudoso dos tempos de Getúlio Vargas
Contava
que esteve presente na inauguração da Petrobrás
E
acreditava que Getúlio tinha sido assassinado
Seu Mathias
Bons tempos que não voltam
mais
A
segunda esposa do Seu Mathias era descendente de italianos
O
avô dela chegou por aqui em 1875
Dona
Irene conheceu Seu Mathias num terreiro de umbanda
Casaram-se
abençoados por Xangô
Xangô
Iansã
Um
dos padrinhos do casamento de Irene era advogado
Especialista
em Direito familiar
Todos
os filhos de Dr. Antônio também seguiram a advocacia
Era
uma grande família de homens da Lei
Vossa Excelência
Doutor
Dr.
Antônio teve uma bisneta que não conheceu
A
Camila era filha do seu neto mais moço
Ela
mandou pro espaço todo esse papo de legislação
E
foi embora pra São Paulo estudar teatro
Vitupério
Desgosto pro velho
A
Camila teve uma professora chamada Otília
Ela
sempre incentivava os seus dotes artísticos
“Sora”
Otília havia nascido em Manaus, Amazonas
Sonhava
em casar com um francês e ir morar em Paris
Tout
comprendre
C´est
tout pardonner
“Sora”
Otília tinha um irmão que enfiou na cabeça que ia ser cineasta
O
Irajara vendeu o seu carro e comprou uma câmera
Tentou
fazer uns filmes “cabeça”, mas não obteve nenhum sucesso
Até
que alugou um barraco apertado e montou uma empresa de filmes “pornô”
Filmes “cabeça”
Sussurros e gemidos
A
Marlene trabalhou por dez anos na “Ira - Prazeres e Produções”
Depois
que largou a carreira de atriz fundou uma creche
Aplicou
boa parte das suas finanças em obras de caridade
Desfilou
nua na rua em protesto pelas Diretas Já
Marlene
José Sarney
A
Marlene costumava almoçar e jantar no restaurante do Paulo
O
Paulão tocava teclado na paróquia do bairro
Seguido
sentia saudades da Juventude Católica
E
sempre comentava aos amigos que lá conheceu a mulher
Nossa Senhora do Rosário
Este mundo não tem mais
solução
O
Paulão não gostava muito do emprego do primo
Pois
Luciano era pastor neopentecostal
Também
havia se filiado ao Partido dos Trabalhadores
E
estava de viagem marcada pra uma reunião do Comitê Regional
Pastor Luciano
Almoço grátis no Paulão
Pastor
Luciano era sogro do Pedro
O
Pedro era policial militar
Pastor
Luciano não gostava nenhum pouco disso
E
vivia dizendo pro genro virar guarda municipal
Estimado Pedro
Jesus é o Senhor, Ordem é
Progresso
Tenente
Pedro era pai do jovem André
O
André tocava guitarra numa banda de rock
Apesar
do Tenente insistir que música boa era samba e vaneira
Pro
André música de verdade era com o Led Zeppelin
André
Stairway to Heaven
O
André estava gamado na colega Elisa
A
Elisa era a coisa mais linda que ele já tinha visto
Quando
Isa passava na escola era como se o mundo inteiro parasse
E
a única coisa que se restasse movendo fosse o coração do André
Elisa
Nos pensamentos do André
A
Elisa era vizinha do incansável João
Aquele
que acordava o galo para o galo cantar
Isa
tinha cinco cachorros e uns nove gatos que
Viviam
sujando o pátio e roubando as roupas no varal do João
João
Técnico em computação
João
O dia vai ser nublado deu no
jornal
Não há início melhor do que um ponto
final.
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