Arte por Arnaldo Branco
Em 2016, o escritor
paulista Ignácio de Loyola Brandão
chega aos 80 anos. Autor de extensa bibliografia, destaco aqui seu livro: Zero,
finalizado em 1973. Uma das primeiras obras de ficção a futricar na Ditadura
Militar que logo de cara o baniu. O que não impediu de o livro virar um
clássico. Nesse caso, um daqueles livros em que a gente lamenta que ainda seja
atual...
José, Rosa, Átila, tantas
outras gentes de papel que aparecem no livro, extraviadas, em uma reincidente Gotham Tropical:
“Zero foi produto de nove
anos de trabalho. Iniciado em 1964, logo depois do golpe, ele se estendeu até
1973, quando terminei a primeira versão. Um livro violento, de raiva. Eu estava
indignado, puto com os militares, odiava a censura aos livros e à imprensa, que
eu sofria diretamente. Como lutar? Ir jogar bombas? Pegar em armas? Não sou
disso. Então criei minha “bomba”. Aquele livro foi minha bomba”. Ignácio fala a
Luiz Rebinski, jornal Rascunho, julho de 2016.
E agora o livro fala por si mesmo:
TEMPERATURA INSTÁVEL,
SUJEITA A CHUVAS E TROVOADAS
No país, há calma.
O congresso foi fechado. Prisão de cem deputados
federais e estaduais. Aumentados os vencimentos dos militares. A polícia
recebeu gases estrangeiros para os trabalhos de repressão.
Continua, todas as noites,
nas praças principais de todas as cidades, a queima de livros ao som de hinos
religiosos.
INSCRIÇÕES
DE PRIVADA
Neste lugar solitário
Toda valentia se apaga
O mais forte só geme
O mais corajoso se caga.
QUEM
QUER, PODE
O Secretário da Segurança
foi a televisão e pediu a colaboração do povo diante da onda de assaltos. “É preciso reagir, não ficar passivo, guardar
a fisionomia dos bandidos, denunciar, ajudar a polícia a conter a onda de
assaltos, prostituição, contrabando, tráfico de entorpecentes. Vamos fazer de
cada cidadão um policial”.
AVISO
AOS NAVEGANTES
Não há aviso aos
navegantes.
Cidadão,
O
civismo precisa existir dentro de cada um. Precisamos amar nossa pátria. Você,
eu, todos, precisamos amar e honrar o pavilhão nacional. Sejamos dignos dele.
No dia da Pátria, coloque uma bandeira em sua janela e compareça às
festividades.
.Me dá uma bandeira.
?Grande ou pequena.
.Olha, eu pedi uma.
.Tem de levar duas.
?Por quê.
.Uma pra casa, outra pro
desfile.
.Eu lá vou em desfiles.
.Tem de ir. Determinação
Sagrada n° 7.
.Eu nem sabia disso.
.O aviso veio com imposto
de altura.
.Nem olhei o meu, nunca
olho aquela merda de papelada. É tanto. Rosa é que cuida deles.
Feriados: dia da pátria, dia do soldado, dia da
proclamação da República, dia do aniversário do presidente, aniversário da
mulher do presidente, aniversário da cabra mascote do regimento 11, grupo
heróico da guerra.
DETERMINAÇÃO
OFICIAL
O arauto proclamou:
A partir desta data, os
homens só devem apanhar os táxis pretos. As mulheres, os amarelos.
ESTILHAÇOS
DO BOMBARDEIO SOBRE JOSÉ
?O senhor quer comprar uma
mesa que não tem nada de excepcional.
?O senhor quer comprar um
colchão anatômico.
?O senhor quer comprar uma
coleção de livros em branco. Assim não é necessário ler.
?O senhor quer comprar um
garfo que leva comida à boca sem o uso das mãos.
TRILHA
SONORA sugerida pelo COV
O roqueiro Marcelo Nova tem uma poética Zero:
Marcelo Nova – Muito Além do Jardim
Marcelo Nova – Ainda Não Está Escuro
Marcelo Nova – Bomba Relógio Ambulante
Marcelo Nova – Faça a coisa certa
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