MONSTROS,
VILÕES E MEDOS HISTÓRICOS
c.
a. albani da silva, o inventor do vento
Monstro
Móide olhou no calendário e lembrou que a virada do mês de outubro
para novembro é um período especial para os seres sobrenaturais
como ele. Feitos de ficção, fantasia e de medo, esses seres também
têm uma longa história bem real.
Dia
31/10 é o Halloween, dia das bruxas, dos monstros, dos fantasmas e
outras feras. Dia 01/11 é o Dia de Todos os Santos. Se os monstros
geralmente são os vilões e bandidos das histórias, santos são
aqueles seres perfeitos e sem pecados, ou seja, tipo sagrado de
heróis. O dia 02/11 é o Dia de Finados, no Brasil, temos um dia de
luto e de saudade de quem já faleceu e agora dorme o sono eterno nos
cemitérios do país. No México, como todos sabem, há um carnaval
de caveiras e esqueletos, misturando o catolicismo com a cultura dos
índios astecas, porque mesmo morto há que se festejar quem veio
antes de nós, acreditavam os índios ancestrais.
Para
o Monstro Móide, a Idade Antiga muito contribuiu para a história
dos monstros, vilões e medos que nos precedem. Não só porque foi
nessa época que pintou o primeiro herói do mundo, Gilgamesh, lá na
Mesopotâmia. E pintou também toda a mitologia grega e romana, rica
de heróis e de monstros. Mas os deuses pagãos, desde o Monte Olimpo
da Grécia antiga até os Orixás da África negra são todos eles
bons e maus ao mesmo tempo, cheios de poderes e de fraquezas,
eternamente se batendo entre os ciúmes e as paixões. Um não se dá
com o outro, mas alguns deuses montam até suas próprias panelinhas.
Assim
como, acredita o Monstro Móide que, se você viajar pelos livros do
Extremo Oriente antigo, a Índia e a China, encontrará religiões
mais racionais, ao menos aquelas religiões ligadas ao I Ching (O
Livro das Mudanças) e ao Yin Yang, ideias estudadas pelo sábio
Confúcio, pelo príncipe de luz Buda, entre outros, em que o bem e o
mal parecem muito mais ficar dentro de nossas cabeças e de nossos
corações do que realmente encarnados em deuses ou demônios…
Porém,
Monstro Móide identifica as raízes da dualidade, senso comum de
muita gente até hoje, lá na Pérsia antiga onde o Profeta
Zoroastro, 1000 anos antes de Cristo, foi quem inspirou o livro
Avesta e nele o universo vem dividido entre BEM X MAL. No caso, duas
forças (deuses) que governam o mundo e se completam: Ahura Mazda e
Arinam, uma força bondosa, criadora e amorosa, outra força
destrutiva, furiosa, violenta. Ambas, envolvendo a humanidade, a
natureza, o sobrenatural. Sendo possível, no máximo, um equilíbrio
entre elas, não havendo um fim nessa disputa, porque sem o Bem não
há Mal e vice-versa.
Entretanto,
quando os judeus escreveram o Antigo Testamento da Bíblia, ou ao
menos, o canonizaram, uns 100 anos depois de Cristo, isso já mudou
de cara. Primeiro a ideia de um só povo, o hebreu, escolhido por
Deus, agora Ele chamado Jeová. Pois o povo judeu ou hebraico é um
povo superior aos demais povos antigos, pelo menos nas histórias da
Bíblia. O mundo foi criado por Deus e esculhambado pelo Diabo, daí
a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, o peso do trabalho, da
doença, da gravidez e da morte na vida humana. Assim como, o mundo
terá um fim, o Apocalipse, e nele o Bem vencerá o Mal, embora o Mal
tente vencer o Bem desde que Lúcifer, o melhor dos anjos, se
rebelou, caiu do Céu, inventou o Inferno e virou Satanás.
Porém,
o Monstro Móide lembra que, nem nos 73 livros da Bíblia católica
consagrada em 325 d.C., nem nos 66 livros da Bíblia evangélica de
Martinho Lutero, original de 1534, o Livro de Enoque aparece. E foi
esse escriba, antepassado de Noé, o herói do Dilúvio, que sonhou
com a queda de Lúcifer, escrevendo o episódio mitológico que
desagradou os padres e os pastores, fazendo eles deixarem a obra como
um dos livros apócrifos, que são os textos que não entraram pra
Bíblia porque não seriam sagrados, não seriam escritos pelo poder
do Espírito Santo.
Mas
ninguém entende os cagaços de hoje se não fizer que nem o Monstro
Móide e olhar também para a influência da Idade Média em nossa
imaginação. Foi o poeta Dante quem inventou o Céu e o Inferno, ou
pelo menos, a geografia desses lugares do Além. Pouco se fala na
Bíblia de como seria o Paraíso e menos ainda de como seria o
Inferno. Isso até 1321, quando, atrás da alma de sua musa, Beatriz,
falecida, precocemente, Dante andou e depois cantou os Nove Círculos
do Inferno, a Montanha do Purgatório, os Sete Céus.
Nessa
mesma época medieval, outro italiano, Jacopo Varazze, foi quem
escreveu, nos idos de 1260, o livro mais famoso da vida dos santos
cristãos: A Legenda Áurea. E nem todo santo, dentre 150
hagiografias de Jacopo, era pacifista e protetor da natureza como São
Francisco de Assis foi. Veja o caso de São Jorge da Capadócia,
soldado turco que arrancou a cabeça do dragão. Hoje sabemos que
este dinossauro está extinto da fauna terrestre.
Na
Terra, por 600 anos, a Igreja ergueu um Tribunal da Inquisição,
perseguindo bruxas e pecadores, queimando livros e achando que tudo
que não fosse certo era errado. Assim, muita gente inocente foi
queimada na fogueira por bruxaria, que era não seguir a Igreja,
torturada para expulsar demônios, castigada publicamente, humilhada,
espionada em nome de deus.
Na
Idade Moderna, a partir de 1500 e, principalmente, depois do poeta
Goethe escrever sua versão mais famosa em 1829, o Doutor Johann
Fausto se transformou no mais célebre homem a fazer um pacto com o
demônio Mefistófeles, em troca de fama, poder, conhecimento,
beleza, vida eterna, os motivos são muitos e os mais banais
possíveis. Ou não? Uma vingança, a saudade da mulher amada também
valem um pacto diabólico?
Na
Idade Contemporânea, quando os reis começaram a perder a cabeça em
nome da democracia de massas (eleições e leis), na França de 1789,
e as disputas entre partidos políticos de esquerda e direita, estes
apoiando, aqueles criticando, o capitalismo, nascido das máquinas e
das indústrias inglesas de 1760, os monstros se renovaram e se
misturaram.
Uns
monstros ficaram com saudade da Idade Média, por isso foram chamados
de góticos, agarraram-se como assombrações e maldições em
lugares encapetados, desde o Castelo de Otranto, do escritor Horace
Walpole, em 1764, até a Mansão Belasco, de 1971, de Richard
Matheson. Passando pela poesia macabra de Edgar Allan Poe em O Corvo
(1845), ave que sucedeu o seu pioneiro detetive Dupin, que é de
1841, a investigar assassinatos antes mesmo do Sherlock Holmes. O
terror do mundo atual chegou até a ficção científica macabra de
H. P. Lovecraft, mestre de todos os que vieram depois, e são muitos,
digo e não cito nomes, o leitor pode bem montar a sua lista malvada
pessoal, misturando ciência, ocultismo e magia negra em aventuras
arqueológicas ou futuristas, ou até os dois.
Bram
Stoker, com o livro Drácula de 1897, resgatou o velho senhor feudal
da Romênia, Vladimir Tepes, o Dracul, falecido em 1476, e fez ele, desde então, ser o rei nosferatu dos vampiros: monstros condenados a
fugir da luz do Sol, a dormir em caixões e a chupar o sangue humano
para viver eternamente.
Daniel
Defoe, nos anos 1700, entre um negócio e outro, que o homem era um
bom burguês britânico, escreveu reportagens, algumas inteiramente
dedicadas a causos, reais ou de mentirinha, de aparições de
fantasmas e espíritos. Até mestre Charles Dickens, 100 anos depois
de Defoe, anotou histórias de fantasmas, geralmente, assombrando
avarentos e gananciosos empresários nas noites de Natal, o que
inspirou remorsos, penas e arrependimentos, depois de assombrados
pelos mortos, em morrinhas como o Ebenezer Scrooge, em 1843.
Monstro
Móide me acusa de omissão se, antes de terminar esta crônica, não
lembrar de Robert Louis Stevenson que, no livro O Médico e o
Monstro, de 1886, faz o monstro (Mr. Hyde) morar dentro, na dupla
personalidade, do notável, famoso e respeitado homem de bem, o Dr.
Jeckyl, ou seja, a pessoa que ninguém, na Escócia inteira,
suspeitaria de tocar o terror na noite fria das ruas escocesas quando
dominado pelo seu alter ego, seu duplo infernal. Antes desse terror
psicológico, ligado a estados alterados de consciência, quando não
o uso de drogas, as doenças psiquiátricas mesmo, tivemos o alemão
E. T. A. Hoffmann que transformou o Homem de Areia, publicado em
1816, um bicho papão das crianças germânicas como o culpado pelos recalques e
traumas no jovem suicida Natanael.
No
Brasil, o Monstro Móide gosta de ler os contos mórbidos de Álvares
de Azevedo, autor da Noite na Taverna (1855) e Macário
(1852), peça de teatro em que o personagem que dá título ao teatro
se encontra com o capeta. Ou o conto A Dança dos Ossos, de Bernardo
Guimarães, escrito 50 anos depois de Azevedo que, aliás, faleceu
precocemente aos 21 anos de idade. Além desses românticos de 1800,
Móide devora os precursores da ficção científica brasileira, como
a Dinah Silveira de Queiroz que, em 1969, bolou a cigana Comba
Malina, viajante no tempo, e o André Carneiro que fez, em 1963, o
Diário da Nave Perdida.
Por
fim, não menos monstruoso, mas entre a ficção científica e o
estilo gótico, portanto também fantasmagórico, Monstro Móide te
recomenda, bestial leitor, o livro Frankenstein (1818) de Mary
Shelley. O livro que conta o drama do cientista Victor Frankenstein
que, com choques elétricos e cadáveres costurados, criou um monstro
em laboratório. Este monstro assustou a todo mundo, até mesmo o
doutor que se arrependeu, mas o monstrengo começou a lhe atazanar a
vida, a destruir a sua família, querendo que lhe oportunizasse uma
companheira igualmente de laboratório. A criatura ficou enfurecida
pelo ser grotesco que era, inclusive sem nome algum.
Filha
de um famoso escritor inglês do século 18, William Godwin, com uma
das primeiras grandes autoras feministas da Europa, Mary
Wollstonecraft, que morreu no parto da própria filha, Mary Shelley
fugiu de casa aos 16 anos para viver com o poeta romântico Percy
Shelley. Numa noite de tempestade tinhosa, ela e o esposo, desafiados
por outro gênio maldito da poesia romântica, Lord Byron, tentaram
compor histórias de terror. Não preciso nem dizer quem mandou
melhor nesse desafio.
Nos
duzentos anos do livro, em 2018, escrevi o sambinha que segue abaixo,
auxiliado, claro, pela consultoria em assuntos horrendos do Monstro
Móide, que desde piá me acompanha ao assombrar criancinhas
ranhentas e primas bagunceiras, contando também a gente, nesta
gravação no Laboratório de Sons do Vento, com o contrabaixo e o
pandeiro do camarada Stanis Soares, dialogando assim os três num
papo reto e franco com Frank, com a autora Mary, o poeta Percy, o Dr.
Victor, o capitão Robert Walton e a sua irmã, a Margarete, a guria
que recebeu as cartas que formam o romance original, todos
personagens reais ou de mentirinha desse grande livro sobre o
Prometeu moderno.
Inclusive,
o Monstro Móide dedica este samba monstruoso ao monstro de
Frankenstein, de cada um e do todo o dia.
FRANQUEZA
(UM PAPO RETO COM FRANK)
Meu
amigo Frank, preciso ser franco
Tem
um monstro dentro de mim
Mas
você não é o culpado
Minha
amiga Mary, você é tão corajosa
Me
ajude a compreender
Esta
coisa monstruosa
Meu
amigo Lord, na beira da lareira
Foram
muitas as conversas
Sobre
Darwin, a Bíblia e outras besteiras
Percy,
amigo e amante
Vou
te contar uma coisinha
Sua
esposa também vive cheia de monstros
Melhor
deixá-la um tempo sozinha
Cuidado,
Capitão, com quem embarca em teu navio
O
mal também nos cerca implorando caridade
Você
já viu
Senhorita
Margarete, não rasgue aquelas cartas
Apenas
apague nelas as partes em que a verdade
Lhe
parecer farta…
Anoto
esses bilhetes
Em
nome do Dr. Victor
E
acrescento uma nota de cunho pessoal:
Não
consumam seus remédios!
Nem
receitem as suas receitas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário