20º
FESTIL
– Esquete “Por dentro da ampulheta”
Hoje
vou te contar um causinho sobre o RECOMEÇO.
Estou
contribuindo com o Festil (Festival de Teatro Estudantil de
Gravataí/RS) desde seu recomeço, em 2014. E, em 2019, o festival
chegou à sua 20ª edição, sendo o festival de teatro estudantil
mais antigo do Rio Grande do Sul, e é ali na escola, onde,
geralmente, essa arte começa.
Porém,
a minha sensação, a cada ano, é sempre a de RECOMEÇO. Partimos do
zero, todo ano, lá por volta do mês de maio, rumo a algo
imprevisível, misterioso, grandioso e, ao mesmo tempo, tão
minúsculo, porque trabalho de formiguinha, que é se apresentar no
Festil em novembro.
Embora
dirigindo e escrevendo esquetes que mantêm uma linha autoral já
reconhecida pelo público, entre o cômico, o filosófico, um
tiquinho de poesia e trilhas sonoras inteiramente ao vivo, cada ano,
tudo, ou quase tudo, parece novidade. Os erros e os acertos.
Começando pelas oficinas para a seleção de atores, que nunca são
competitivas, são sempre inclusivas: pois não importam as
dificuldades de expressão ou de leitura da gurizada, o que precisa é
ter gana pra encarar o palco, disposição pra respeitar a plateia,
cabeça aberta e criatividade, tentando com isso eu mesmo aprender e
tentando com isso eu mesmo ensinar um pouco pra eles sobre os
fundamentos da linguagem teatral.
O
recomeço prossegue nos intermináveis ensaios. Onde a repetição e
a criatividade são coisas que, curiosamente, se misturam, e parece
que nunca terminamos de ter novas ideias para enriquecer uma cena e
um movimento. E parece que nunca conseguimos realizar todas as cenas
e movimentos com a precisão idealizada.
O
recomeço é ainda mais forte durante a dúzia de apresentações que
fizemos antes do Festil, dentro da escola e fora, em outras escolas
da cidade. Veja só, mesmo em 2019 eu tendo dirigido, pelo segundo
ano consecutivo, um grupo de jovens que foi formado exclusivamente
por alunos das TURMAS de ACELERAÇÃO da escola Alberto Pasqualini
(do bairro Morada do Vale 2, onde trabalho há uma década), projeto
este, a Aceleração de Estudos, em que os estudantes, com idade de
Ensino Médio, ainda buscam recuperar suas defasagens, repetências e
dificuldades nos anos finais do Ensino Fundamental, tudo, tudinho, me
pareceu novidade e muito diferente do ano anterior. Em 2018 formamos
o grupo de Teatro A Milhão, que apresentou a esquete “História do
Bugio na Selva de Pedra”. Em 2019, formamos o Grupo de Saturno e os
Cronólogos, bolando a peça “Por dentro da ampulheta”, mas não
restando ninguém do grupo anterior, exceto quem viu a peça do ano
passado e estava doido pra fazer teatro também pela primeira vez.
Porque
são cerca de 4 meses de trabalho, em geral, dentro dos meus períodos
de Ciências Humanas (História e Geografia) em que, a cada ano, como
já disse, todo o elenco muda, os alunos se formam e se vão,
raramente um ou dois ficando pro ano seguinte. Por isso, cada grupo
tem uma nova identidade, um novo nome e um novo texto inédito e
escrito, em grande parte, em cima do perfil do próprio grupo, e tem
sido assim desde 2014. Então é sempre um eterno recomeço. E isso é
bem trabalhoso, mas extremamente pedagógico e muito lindo também,
eu diria.
O
teatro me parece a mais efêmera das artes. No sentido de que ela se
desvanece no ar quando encerra o espetáculo para só se materializar
novamente em outra apresentação na semana seguinte. Diferente da
música que ouvimos centenas de vezes uma gravação a qualquer hora
ou lugar, ou os livros que, apesar de seus muitos inimigos, estão
aí, conosco, resistindo, até hoje, desde as primeiras plaquinhas de
barro de 3000 mil anos atrás dos iraquianos antigos.
Cada
apresentação teatral é um novo recomeço, repito com gosto. É que
as reações da plateia são sempre novas, a energia do dia ou do
lugar transformado em palco se renova e precisa ser construída
meticulosamente para atrair para nossa história a atenção de
professores, crianças e adolescentes que, muitas vezes, está alheia
ao nosso enredo, aos nossos propósitos, perrengues e incapacidades,
como toda plateia só quer ver uma boa peça e pronto. Isso que
apresentando em salas de aula e auditórios, construímos encenações
e narrativas que, geralmente, pelas limitações técnicas, dispensam
iluminação, cenários sofisticados, mesmo um palco, cortina e
tablados. Entretanto, é esse clima de teatro mambembe, uma anárquica
e rudimentar companhia saltimbanco é o que mais me agrada no fazer
do teatro estudantil em escola pública a cada ano, que nunca se
repete do mesmo jeito.
O
sentimento dos próprios atores que dão vida aos personagens oscila
e se renova semanalmente também. A máscara de cena que é tão
bacana pra um, para outro, pode ser inconveniente, pois que esconde o
rosto do ator. A piada que leva uns às gargalhadas, para outro, é
boba ou até mesmo desnecessária. A trilha que é muito criativa, às
vezes sai confusa ou parece fraca para outro espectador. Uns acham o
texto genial porque doido, sem propor respostas logo de cara ao
público. Outro detesta isso, porque não se entende nada.
Isso
quando não pecamos pelo excesso de empolgação e euforia,
esquecendo marcações e rubricas, mastigando o texto, perdendo o
volume de voz. Ás vezes simplesmente travamos pela timidez, mesmo
com dezenas de repetições, apresentações, exercícios, até yoga
fizemos, mesmo com motivação tanto no coletivo quanto ao pé do
ouvido, a cada roda de conversa após todos os espetáculos. Claro
que nisso tudo entram as minhas falhas como diretor e professor que,
a cada ano, se renovam sempre e mais também.
Mas
a cada sessão com plateia é um outro tremendo recomeço. Se foi
incrível, o desafio é repetir no mesmo nível de qualidade e
intensidade, o que raramente acontece. Se foi fraco, temos que elevar
a grandeza da encenação, conduzindo a plateia por momentos de
sonho, fantasia, imaginação, riso e emoção, tudo ao vivo, numa
atmosfera artesanal que só o teatro pode proporcionar.
Por
fim, encerro destacando a renovação proposta pelos avaliadores
(jurados) deste ano. Não sendo mais um festival competitivo, como já
foi, o que eu acho muito melhor e correto para não desmotivar
ninguém (ainda mais que outros motivos para desmotivar nunca
faltam), todos os grupos participantes ganham troféus de destaque
(além de diplomas e medalhas para cada aluno). Mas este ano, talvez
identificando os grandes desníveis entre os diferentes grupos (e
foram 25 se não me engano), envolvendo desde grupos mequetrefes e
anárquicos, de escola, e falo, obviamente, do meu grupo, até grupos
de escolas de teatro ou com teatro consolidado no currículo, com os
melhores professores da cidade, nessa área, ou ainda grupos
maravilhosos que se formaram em escola mas se estabeleceram como
companhias independentes e que vêm amadurecendo juntos ano a ano, os
avaliadores procuraram salientar muito mais a sensibilidade de cada
espetáculo levada pro palco do SESC, enalteceram isso muito mais do
que as questões técnicas (figurino, trilha, cenário, melhor ator,
melhor direção etc).
O
Grupo de Saturno e seus Cronólogos foi reconhecido pela DETERMINAÇÃO
em cena. O que é muito lindo! Tremenda aprendizagem pros atores
aprendizes, que, determinados podem mudar qualquer realidade, seja de
tristeza, de injustiça, de pobreza, de desigualdade, sei lá, o que
for, determinados, e claro, unidos. Além disso, um dos nossos
protagonistas, o Luan, mesmo há mais de mês atuando com o braço
quebrado, não faltou a nenhum ensaio sequer, caminhando boas
pernadas pra chegar na escola. Ainda por cima, emendamos uma piada
certeira depois que o braço quebrou: quando ele é atropelado pela
atriz Letícia, futura namorada (em cena): “quebrou o cóccix,
moço?”. “Não! Quebrei o braço, não tá vendo?”…
Assim
como, mesmo chovendo rios, o grupo não deixou de estar às 08h em
ponto na escola, prontinhos da silva e doidos de pedra pra se
apresentar no Rincão da Madalena, no Morro do Côco e se tivéssemos
conseguido transporte e tempo, no Alasca.
Pra
acabar, os agradecimentos são muitos e sempre falta agradecer a
alguém nessa jornada coletiva, solidária e cooperativa que é o
teatro. Mas hoje agradeço a quatro pessoas em especial: a minha
companheira Juliana Negreiros, também egressa do teatro estudantil,
que meteu a mão e fez as máscaras do elenco, um desejo meu antigo
para homenagear as máscaras gregas onde o teatro começou inventado
pelo deus maluco chamado Dioniso; e, claro, para resolver os
problemas da narrativa (Felipes jovens e velhos que se encontram e se
embaralham no sonho da trama). Embora cética com minha ideia, em um
primeiro momento, foi ela quem customizou as mesmas, encontradas ao
acaso num bazar em Balneário Pinhal e no número exato que
precisávamos, quinze máscaras; agradecer ao prof. Dionatan Rosa,
que viu a peça duas vezes, nos ensinou bastante e propôs muitas
melhorias ao espetáculo; à Izabel Cristina, que coordena o Festil
desde 2014 sempre com a postura altiva e nobre da jovem dama do
teatro que ela é; e à Viviane Juguero, uma das três avaliadoras e
que, bicho, me presenteou com seu livro LACATUMBA. Então ´bora
estudar, ler e aprender que ano que vem recomeça tudo de novo outra
vez!
Dedico
este texto aos Cronólogos: Letícia (Lelê), Bruno (galã), Cauan,
Daniel, Eric, João, Júlia, Luan, Matheus, Yorran.
As
fotos são da Prefeitura de GVI, da Juliana Nunes e da Janice Soares.
Vuuuush
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