Edy Legrand, Crianças de Telouet, s/d
Confissões de Meursault nos
99 anos de Albert Camus
Parte 1
O Estrangeiro (1942)
Eu, Meursault,
simplesmente Meursault, confesso que
fui um estrangeiro para Albert Camus
(1913-1960). Alertei Camus, entre um cigarro e outro, em um café em Argel, nos
anos 1940, que o que me abalava e,
portanto, muito me incomodava, a
partir daquele momento, era a alienação e o desencanto da
humanidade após as Guerras Mundiais. Depois de 10 milhões de mortos
na guerra de trincheiras, do Holocausto judaico e das bombas atômicas de
Hiroshima e Nagasaki, maciçamente, homens e mulheres de todas as
idades passariam a ver a vida como algo sem sentido, algo banal, mero fruto do
acaso. Camus então era um
jovem idealista e pensava diferente de mim. As lutas políticas contra o fascismo,
contra o racismo, a descolonização iminente da África e da Ásia, o Comunismo
fariam renascer, ou no mínimo, preservariam uma certa dose de rebeldia, indignação e, compartilhando
esses sentimentos contrários à injustiça e à desigualdade, as pessoas encontrariam a felicidade no convívio coletivo.
O
fim do nazismo, disse-me Camus,
faria que todos, ou quase todos, espontaneamente valorizassem a
democracia e a diversidade de crenças e culturas, celebrando-se assim a vida.
Mas discordei dele, e decidi pôr em prática aquilo que previa como destino do homem contemporâneo – o menosprezo,
o deboche e a ignorância sendo considerados inevitáveis frente à pobreza material, mas, sobretudo,
espiritual que assolaria a todos após as Grandes Guerras.
Assim,
adotei uma atitude de indiferença e ceticismo contra qualquer coisa humana.
Não chorei ao enterrar minha mãe - a mesma senhora que havia abandonado em um
asilo depois que envelhecera. Com quantos anos ela morreu? Até hoje não sei. Marie, minha companheira, pediu-me em
casamento e disse que casaria, se ela assim quisesse. Mas quanto a mim, não a
amava. Casar ou não casar dava no mesmo.
Por fim, não hesitei em atirar naquele muçulmano
que ameaçou com uma faca meu amigo Raymond,
na praia. Mas não fiz isso por ele. Fiz sem saber por quê. Ou melhor. Fiz para
que Camus percebesse que, com Deus ou sem ele, os homens modernos achariam cada
vez mais a vida um absurdo e prefeririam ofendê-la, insultá-la, do que tentar melhorá-la
começando cada um por si. Tementes da morte são os homens, isto sim,
não do Inferno.
E, por isso, não pedi perdão. De nada me
adiantava o indulto da Justiça ou do padre. Jovem, a guilhotina separou minha
cabeça do corpo. Cabeça esta que anteviu a
estupidez das multidões desenraizadas nos centros urbano-industriais e
tramou todo este triste teatro perante Camus
para que ele, com seu talento, que eu, admito, não tinha, contasse minha
história, assim podendo despertar a todos aqueles ainda
não completamente contaminados pela crença de que se combate a estupidez com
mais estupidez e a brutalidade com apatia e insensibilidade.
P.S.: Dedico esta confissão
a todas as crianças. (Meursault,
12/10/1942).
“O que é a felicidade senão a mera harmonia
entre um homem e a vida que ele leva”? (Albert
Camus, “A Queda”, 1956).
Elis
Regina – Romaria (1978):
Zé
Ramalho – A peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979):
Orquestra
Contemporânea de Olinda – Canto da Sereia
(2009):
Cordel do Fogo Encantado – Morte e Vida Stanley
(2005):
Luiz
Gonzaga – A Morte do Vaqueiro
(s/d):
Chico
Buarque e João Cabral de Melo Neto – Funeral
de um lavrador (1966):
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