quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Edy Legrand, Crianças de Telouet, s/d

Confissões de Meursault nos 99 anos de Albert Camus
Parte 1

O Estrangeiro (1942)
            Eu, Meursault, simplesmente Meursault, confesso que fui um estrangeiro para Albert Camus (1913-1960). Alertei Camus, entre um cigarro e outro, em um café em Argel, nos anos 1940, que o que me abalava e, portanto, muito me incomodava, a partir daquele momento, era a alienação e o desencanto da humanidade após as Guerras Mundiais. Depois de 10 milhões de mortos na guerra de trincheiras, do Holocausto judaico e das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, maciçamente, homens e mulheres de todas as idades passariam a ver a vida como algo sem sentido, algo banal, mero fruto do acaso. Camus então era um jovem idealista e pensava diferente de mim. As lutas políticas contra o fascismo, contra o racismo, a descolonização iminente da África e da Ásia, o Comunismo fariam renascer, ou no mínimo, preservariam uma certa dose de rebeldia, indignação e, compartilhando esses sentimentos contrários à injustiça e à desigualdade, as pessoas encontrariam a felicidade no convívio coletivo.
        O fim do nazismo, disse-me Camus, faria que todos, ou quase todos, espontaneamente valorizassem a democracia e a diversidade de crenças e culturas, celebrando-se assim a vida. Mas discordei dele, e decidi pôr em prática aquilo que previa como destino do homem contemporâneo – o menosprezo, o deboche e a ignorância sendo considerados inevitáveis frente à pobreza material, mas, sobretudo, espiritual que assolaria a todos após as Grandes Guerras.
        Assim, adotei uma atitude de indiferença e ceticismo contra qualquer coisa humana. Não chorei ao enterrar minha mãe - a mesma senhora que havia abandonado em um asilo depois que envelhecera. Com quantos anos ela morreu? Até hoje não sei. Marie, minha companheira, pediu-me em casamento e disse que casaria, se ela assim quisesse. Mas quanto a mim, não a amava. Casar ou não casar dava no mesmo.
        Por fim, não hesitei em atirar naquele muçulmano que ameaçou com uma faca meu amigo Raymond, na praia. Mas não fiz isso por ele. Fiz sem saber por quê. Ou melhor. Fiz para que Camus percebesse que, com Deus ou sem ele, os homens modernos achariam cada vez mais a vida um absurdo e prefeririam ofendê-la, insultá-la, do que tentar melhorá-la começando cada um por si. Tementes da morte são os homens, isto sim, não do Inferno.
        E, por isso, não pedi perdão. De nada me adiantava o indulto da Justiça ou do padre. Jovem, a guilhotina separou minha cabeça do corpo. Cabeça esta que anteviu a estupidez das multidões desenraizadas nos centros urbano-industriais e tramou todo este triste teatro perante Camus para que ele, com seu talento, que eu, admito, não tinha, contasse minha história, assim podendo despertar a todos aqueles ainda não completamente contaminados pela crença de que se combate a estupidez com mais estupidez e a brutalidade com apatia e insensibilidade.
P.S.: Dedico esta confissão a todas as crianças. (Meursault, 12/10/1942).

O que é a felicidade senão a mera harmonia entre um homem e a vida que ele leva”? (Albert Camus, “A Queda”, 1956).
           

Elis ReginaRomaria (1978):

Zé RamalhoA peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979):

Orquestra Contemporânea de OlindaCanto da Sereia (2009): 

Cordel do Fogo Encantado Morte e Vida Stanley (2005): 

Luiz GonzagaA Morte do Vaqueiro (s/d): 

Chico Buarque e João Cabral de Melo NetoFuneral de um lavrador (1966): 

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