quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Encantamento Eterno

Artemisia Gentileschi, Judith e Holofernes, 1612 a 1621


Ela não sabia mais o que queria
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Durou somente um dia
Mas foi o dia mais longo da sua vida
Até então ela sempre soube o que quis
Mais ou menos o que todo mundo quer:
Saúde
Casar bem
Formar-se
Um bom emprego
Mandar mais do que obedecer
E
[...]
Ser feliz.
Porém naquela manhã
Ela acordou com a sensação
De que não sabia mais o que queria
Debruçou-se sobre os livros da faculdade
Pela primeira vez estava lendo a sério
Mas os livros não diziam coisa com coisa
Eram só passatempo
Procurou então sua mãe
De um modo geral, as mães sempre sabem o que os outros querem
À beira dos 70, a senhora desabafou:
“Eu já não quero é mais nada desta vida
Vire-se, minha filha! Vire-se!
Quando eu tinha a sua idade, não fazia o que queria
Mas o que podia”.
Carente, Doralice caminhou até a esquina
Lá se encontrou com o vento
Não era assim um ventão...
Estava mais pra ventinho
Olhou no fundo dos olhos dele: e não viu nada
Ficou um pouquinho mais
Tascou-lhe um beijo que quase lhe quebrou os dentes
Entre abraços e mordidas percebeu que anoitecera
Pediu licença e partiu
O ventinho ficou ali
Assobiando melodias que ele mesmo inventava
Sem querer, Doralice chegou ao centro espírita kardecista
Que frequentava quando ainda sabia o que queria
Afinal, os espíritas têm resposta pra tudo
Mais até do que os próprios cientistas
“As coisas têm o seu tempo, Doralice
Chegou a sua hora de perder a hora
Sabe como é
Sempre tem um dia na vida em que a gente dorme mais do que a cama”.
Brancosamente o médium refletiu.
Ainda sem saber o que queria, mas um pouco menos confusa
Dora entrou no ônibus
Foi quando o noivo ligou:
“Hoje vamos comer sushi”.
“Oba! Adoro temaki”.
“Prefiro só o sashimi”.
“Também”.
E assim ela soube o que queria:
Comer sushi.

Graças ao bom deus, criador do Céu, da Terra, capitalismo e democracia, a felicidade hoje está à disposição de todos ou quase: em praça pública, nos mercados (com bons preços, aliás, parceláveis no cartão).


Cavalgando o VentoVerônica (2011): Toada caipira para o século XXI: uma singela homenagem do Inventor e da Amazona do Vento a todas às Verônicas do Brasil (de ambos os sexos e além).



João GilbertoDoralice (1958): 


The Rolling StonesLies (1978): 



Eu, Mariana, que devia um texto
(Mariana Pereira Gama*)

Qual é a bola da vez?
Qual o hit enjoado?
Produto enlatado pro freguês
Em pouco tempo esgotado

Como ainda não cansaram?
Sempre os mesmos tons pasteis
Praticidade, eles disseram
Assinaram todos os mesmos papeis

Estremecedor esse silêncio
Essa imagem congelada
Onde tudo vem programado
Onde a reflexão é barrada.
(Mari G. é ex-aluna da EMEF Alberto Pasqualini, Gravataí/RS, atualmente trabalha em uma fábrica de pára-quedas voltada aos anjos que, já sem asas, vivem despencando dos céus).


Chá Chá Chá do Antropólogo
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Gente bamba
Gente branca
Gente bunda
Gente blues
Gente gente
Bamba e branca / Bunda Blues
Chá
Chá
Chá.

Engenheiros do Hawaii3ª do Plural (2001): 


The Rolling StonesFar Away Eyes (1978): 

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