sexta-feira, 2 de agosto de 2019

KRAFTWERK




AUDIÇÕES de FÉRIAS 7
KRAFTWERK

Essa noite foi muito divertida aqui na biblioteca. Porque eu conversei sobre música com os eletrodomésticos. Tudo começou com a geladeira.

(EU): Qual a sua banda predileta, geladeira?

(GELADEIRA): Ora, os alemães do KRAFTWERK que, em 1970, inventaram a música eletrônica e desde então não pararam mais.

(EU): E você, micro-ondas, por que concorda com isso?

(MICRO-ONDAS): Porque essa banda começou com a dupla RALF HÜTTER e FLORIAN SCHNEIDER, que estudavam música erudita na universidade em Düsseldorf, ouviam um maestro doidão chamado KARLHEINZ STOCKHAUSEN (1928-2007), que também inventou músicas eletrônicas, com sua orquestra, trabalhando numa rádio em Colônia, Alemanha, e era estudioso da música intuitiva. Assim Ralf e Florian começaram com esse negócio de batidão. Antes mesmo do computador se massificar eles já estavam inventando as batidas eletrônicas, com teclados e sintetizadores cheios de fios improvisados mas com sons dançantes e pop. Embora malucos de terninho e com cara de nerd, senão jeito de robô mesmo, eles não foram bobos, fizeram tudo de propósito, claro, artistas inteligentes também com a aparência, com as narrativas visuais experimentadas no palco.

(EU): Me explique a geografia de Düsseldorf, motor do carro, fiquei curioso sobre essa cidade germânica…

(MOTOR do CARRO): Vruuuum. Düsseldorf é uma cidade no oeste da Alemanha, vruuum, ham ham, meu amigo, motorista Albani dos Ventos. O rio Reno corta essa cidade ao meio. Sua parte antiga surgiu na Idade Média, século XIII, mas a parte moderna é um polo industrial poderoso desde a II Guerra Mundial. E foi no som dessas máquinas, batendo nas fábricas e oficinas, que buscou inspiração a banda Kraftwerk, aliás, em português, USINA de ENERGIA. Vruuuum. Ham ham.

(EU): Ah! Entendi! E você, telefone celular, tão pequenino e com mais de 500 canções gravadas na memória, embora a gente nunca escute todas, o que tudo isso significa?

(CELULAR): Que o quarteto alemão escancarou em sua arte a mistura de homem e máquina que vem nos envolvendo desde a Revolução Industrial (1760), e mais ainda com a indústria cultural do século XX, generosa nos lucros com os capitalistas (através do cinema, TV, música, moda). Com seu jeitão discreto dentro e fora dos palcos, o Kraftwerk teve uma ideia genial de considerar encerrado o ciclo dos artistas geniais: agora, a música mais ouvida no mundo não dependia mais do talento único de um maestro brilhante, de um pianista virtuoso, de um guitarrista mirabolante, de um letrista sem igual, pois tudo era eletrônico, ou digital: loops, círculos, repetições. Tudo virou máquina! Uma música que nunca para, uma autoestrada sonora, uma coisa que contamina que nem a radioatividade.

(EU): O que pode ser ruim e bom! Veja o meu caso, celuloso telefone, curto o Kraftwerk e outros músicos futuristas tipo assim a dupla francesa DAFT PUNK, mas não deixo de curtir uma boa canção acústica, só no violão, com um bom trovador nos contando umas histórias, rimando e fazendo poesia, como o Gil Scott-Heron nos primórdios do hip hop, o Bob Dylan na música folk, aqui no Brasil mesmo com um gaudério xucro como o Gildo de Freitas ou no sertão das barrancas do rio Gavião um músico que, somente com sua voz e violão encontrou restos de Idade Média portuguesa e espanhola no Brasil caboclo. Me refiro ao trovador ELOMAR FIGUEIRA MELLO. Além do que uma boa sinfonia que nem aquelas do Beethoven e do Vivaldi também é um barato!

(MÁQUINA de LAVAR): Kling Klang Cha Cha Chua Chua Klang Kling. Quero dizer, ninguém discorda disso. Somos máquinas, mas não somos ignorantes. Claro, menos os revólveres e espingardas, que são máquinas feitas para ignorantes, autêntica tecnologia feita para guri de 5ª série, na melhor das hipóteses. Nós, pacíficas máquinas eletrodomésticas, também adoramos quando o pedreiro da vizinha põe pra tocar, bem alto, todos os sucessos cafonas de Roberto e Erasmo Carlos, desde a Jovem Guarda até a Nossa Senhora de Aparecida.

(VASO SANITÁRIO): Não sou assim tão moderno, mas escuto a eletrônica também e gosto de limpar a cagada dos outros ouvindo outras bandas da época do Kraftwerk, bandas com estilo mais barroco, menos pop, inclusive, com um jeito meio macabro mesmo de tirar som dos parafusos, como NEU! e o TANGERINE DREAM.

(TELEVISÃO): Negócio é o seguinte, sei que sou bastante burra, mas pra quem é curioso, além de ouvir na internet, pode ler três livros sobre o Kraftwerk e a música eletrônica, meu irmão, que eu recomendo de coração elétrico: HOMEM, MÁQUINA e MÚSICA (1993) de Pascal Bussy; EU ERA UM ROBÔ (2000) do ex-integrante da banda, o Wolfgang Flür e KRAFTWERK PUBLIKATION (2015) de David Buckley.

(CALCULADORA): Tenho que dizer 1 2 3 4 5 6 7 + 5 x 5 = 25, além disso, digo também que foi das batidas e ritmos desses alemães esquisitos que surgiu a primeira batida eletrônica do hip hop, o PLANET ROCK (1982), do DJ Kool Herc que veio, sampleado, pirateado, misturado, sei lá a tradução correta, do tema do Kraftwerk: Expresso Trans Europeu (1977) que, óbvio, lembra um trem nos trilhos.

(LIQUIDIFICADOR): Sabe aquela vozinha metálica de robô que bomba hoje em dia em tudo que é música? Pois é, esse som veio de músicas que nem essa do trem alemão aí. E até o batidão do Miami Drum N´Bass veio também, tipo que nem o grupo de Londres (isso mesmo: um grupo de Londres tocando o som de Miami! Eitcha porra essa tal de globalização hein!) o BAHA MEN (Who let the dogs out? - Quem soltou os cachorros?) que por aqui virou, na favela, o funk batidão carioca (Só as cachorras… Do Bonde do Tigrão, no ano 2000). Versão brasileira de sucesso pop estrangeiro é coisa comum, ou seja, coisa antiga, em país colonizado, com as suas ideias permanentemente fora de lugar: lembrem-se da banda Renato e Seus Blue Caps fazendo sucesso na Jovem Guarda (1965), traduzindo doidamente os Beatles.

(COMPUTADOR): Blip Blop. Blop Blip. Atualizações estão disponíveis. Vírus encontrado. Encerro essa arenga musical dizendo duas coisas: 1) Adoro o estúdio do Kraftwerk, um laboratório criativo chamado KLING KLANG onde os caras gravaram toda sua biruta bip bop bop bip discografia, em Düsseldorf, e que foi inspirado noutro ateliê famoso e genial, A FÁBRICA, do artista visual ANDY WARHOL (1928-1987). 2) As férias de inverno sempre acabam também. Chega de estudo e de debate. Vamos bater a bunda no chão!

(EU): Computador, você não tem bunda! Um livro até tem, a bundinha do livro, que é a última capa. Mas você não tem!

(COMPUTADOR): Ah é! Vamos dançar assim mesmo. De qualquer jeito dançar! Chacoalho meus bits, bytes, pixels e algoritmos: chu chu chá.

Vuuuush

P. S.: Dedico esta crônica cósmica ao meu irmão Leco Brown que, no começo dos anos 1990, punha pra tocar umas fitas K7 cheias de música eletrônica das antigas e gravada também por alemães. Uma pirataria deliciosa que nos afinou os ouvidos.







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