quinta-feira, 1 de agosto de 2019

POETA LAGARTIXA & CUNHA DOS PASSARINHOS




AUDIÇÕES de FÉRIAS 5
POETA LAGARTIXA & CUNHA DOS PASSARINHOS

Como era a música popular brasileira no século XIX? Ora, repleta de modinhas e lundus. O piano ia se achegando ao RJ, importado da Europa, mas quem predominava nos ouvidos do povo era o muito mais barato para se comprar e tocar, o violão, assim como o cavaquinho e as flautas, também usados no choro. Instrumento ibérico (Portugal e Espanha), o violão, ou guitarra, era a versão moderna dos alaúdes árabes que colonizaram a Ibéria depois dos romanos. Por sua vez, o alaúde é herdeiro das liras de Grécia e Roma Antigas, de Orfeu e Homero.

Mas voltemos ao Brasil do século XIX, quando o movimento artístico romântico foi inaugurado por aqui, por escritores que também se arriscaram em letras de música, como GONÇALVES de MAGALHÃES (1811 – 1882) e ARAÚJO PORTO-ALEGRE (1806-1879), impulsionados pela Independência de 1822, desejando inventar uma coisa chamada Brasil, em espaços como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e principalmente na Loja do Canto, casa de chá (melhor não há) do agitador cultural PAULA BRITO (1809-1861), que reuniam figuras que, antes mesmo da indústria do disco, só inaugurada no século XX (por volta de 1915 no Rio de Janeiro e Porto Alegre), mesmo assim, conseguiram entrar pra história. Restaram algumas partituras pioneiras, muitas letras e muitos causos, colhidos em livros de quem viveu o século XIX ou logo após essa época.

Por exemplo, um dos sucessos de então foi a parceria de PAULA BRITO com o maestro que fez a música do hino brasileiro: FRANCISCO MANUEL DA SILVA (1795-1865). A música era em ritmo de maxixe e se chamava: a MARREQUINHA de IAIÁ. Muito funkeiro do século XXI vai ficar faceiro ao ouvir esta letra musicada pelo nobre autor de nosso patriótico hino verdeamarelo: um escracho pleno de duplo sentido (sexual).

Mas a primeira dupla de compositores brasileiros, muito antes de Vinícius de Moraes e Tom Jobim (que bolaram a mais famosa música brasileira: GAROTA de IPANEMA), Raul Seixas e Paulo Coelho (gênios do rock tupiniquim: GITA), e até mesmo de Lennon e McCartney (The Beatles), Jagger e Richards (Rolling Stones), reuniu o poeta satírico LAURINDO RABELO (1826-1864) e o violonista JOÃO CUNHA (CUNHA dos PASSARINHOS, 1830-1890).

Ambos frequentavam a Loja do Canto e sua SOCIEDADE PETALÓGICA (dedicada ao estudo do riso e da mentira). LAURINDO RABELO, filho de cigana, pobre de doer, brigão convicto, tinha um jeitão de vestir e uma aparência estroncha que lhe valeram o apelido de POETA LAGARTIXA. Seu único livro publicado em vida, TROVAS (1853), é cheio de lirismo triste e desgraçado. Mas a fama do moço veio mesmo das suas piadas, motes e glosas, onde esculhambou geral com autoridades do Brasil Império. Formado médico na Bahia, depois de abandonar o seminário de padres, Lagartixa chegou a trabalhar de médico no RS durante as guerras com as vizinhas repúblicas do Prata: Uruguay e Argentina, servindo na fronteira gaúcha, em Bagé, mas também se desentendeu com gente nobre e poderosa por aqui.

Depois, aos trancos e barrancos, virou professor do pioneiro (e elitista) Colégio Pedro II (1837) no RJ, onde teve um aluno, depois também compositor e letrista, talentoso cronista, chamado MELLO MORAES FILHO (1844-1919), aliás, tio-avô do poetinha Vinícius de Moraes. Em livro de 1904, ARTISTAS do MEU TEMPO, encontramos um simpático estudo sobre o Lagartixa, assinado por Mello Moraes Filho.

Ao todo, constam 15 modinhas com letra de Lagartixa e música do Cunha dos Passarinhos. Entre elas, a genial A ROSA DO CUME que, como se ouve nas internéticas, fez sucesso desde o século XIX até hoje, em Portugal também!

Para conhecer essa época, do começo da canção brasileira, vale ouvir o álbum de TEREZA PINESCHI – A MÚSICA BRASILEIRA ENTRE 1830 e 1910, lançado em 2018. E claro, tem que ler a obra histórica de José Veríssimo (1857-1916), Mello Moraes Filho, José Ramos Tinhorão, o Dicionário Cravo Albin da MPB, Antenor Nascentes (1886-1972, que reuniu toda a poesia, mais as modinhas do Lagartixa), e Olindo de Moura, livreiro que editou em 1982 um folheto vagabundo que circulava no RJ desde 1882, de editor anônimo, mas chamado o folheto POESIAS LIVRES DE LAURINDO RABELO, compilando também a obra de nosso bardo e menestrel.

Acrescento também um salve a outro letrista e boêmio, o GUIMARÃES PASSOS (1867-1909) que fundou a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras e escolheu como patrono justamente o poeta Lagartixa. Bayta sacada!

Vamos agora às rosas do cume!

Vuuuuush



Nenhum comentário:

Postar um comentário