AUDIÇÕES
de FÉRIAS 5
POETA
LAGARTIXA & CUNHA DOS PASSARINHOS
Como
era a música popular brasileira no século XIX? Ora, repleta de
modinhas e lundus. O piano ia se achegando ao RJ, importado da
Europa, mas quem predominava nos ouvidos do povo era o muito mais
barato para se comprar e tocar, o violão, assim como o cavaquinho e
as flautas, também usados no choro. Instrumento ibérico (Portugal e
Espanha), o violão, ou guitarra, era a versão moderna dos alaúdes
árabes que colonizaram a Ibéria depois dos romanos. Por sua vez, o
alaúde é herdeiro das liras de Grécia e Roma Antigas, de Orfeu e
Homero.
Mas
voltemos ao Brasil do século XIX, quando o movimento artístico
romântico foi inaugurado por aqui, por escritores que também se
arriscaram em letras de música, como GONÇALVES de MAGALHÃES (1811
– 1882) e ARAÚJO PORTO-ALEGRE (1806-1879), impulsionados pela
Independência de 1822, desejando inventar uma coisa chamada Brasil,
em espaços como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(1838) e principalmente na Loja do Canto, casa de chá (melhor não
há) do agitador cultural PAULA BRITO (1809-1861), que reuniam
figuras que, antes mesmo da indústria do disco, só inaugurada no
século XX (por volta de 1915 no Rio de Janeiro e Porto Alegre),
mesmo assim, conseguiram entrar pra história. Restaram algumas
partituras pioneiras, muitas letras e muitos causos, colhidos em
livros de quem viveu o século XIX ou logo após essa época.
Por
exemplo, um dos sucessos de então foi a parceria de PAULA BRITO com
o maestro que fez a música do hino brasileiro: FRANCISCO MANUEL DA
SILVA (1795-1865). A música era em ritmo de maxixe e se chamava: a
MARREQUINHA de IAIÁ. Muito funkeiro do século XXI vai ficar faceiro
ao ouvir esta letra musicada pelo nobre autor de nosso patriótico
hino verdeamarelo: um escracho pleno de duplo sentido (sexual).
Mas
a primeira dupla de compositores brasileiros, muito antes de Vinícius
de Moraes e Tom Jobim (que bolaram a mais famosa música brasileira:
GAROTA de IPANEMA), Raul Seixas e Paulo Coelho (gênios do rock
tupiniquim: GITA), e até mesmo de Lennon e McCartney (The Beatles),
Jagger e Richards (Rolling Stones), reuniu o poeta satírico LAURINDO
RABELO (1826-1864) e o violonista JOÃO CUNHA (CUNHA dos PASSARINHOS,
1830-1890).
Ambos
frequentavam a Loja do Canto e sua SOCIEDADE PETALÓGICA (dedicada ao
estudo do riso e da mentira). LAURINDO RABELO, filho de cigana, pobre
de doer, brigão convicto, tinha um jeitão de vestir e uma aparência
estroncha que lhe valeram o apelido de POETA LAGARTIXA. Seu único
livro publicado em vida, TROVAS (1853), é cheio de lirismo triste e
desgraçado. Mas a fama do moço veio mesmo das suas piadas, motes e
glosas, onde esculhambou geral com autoridades do Brasil Império.
Formado médico na Bahia, depois de abandonar o seminário de padres,
Lagartixa chegou a trabalhar de médico no RS durante as guerras com
as vizinhas repúblicas do Prata: Uruguay e Argentina, servindo na
fronteira gaúcha, em Bagé, mas também se desentendeu com gente
nobre e poderosa por aqui.
Depois,
aos trancos e barrancos, virou professor do pioneiro (e elitista)
Colégio Pedro II (1837) no RJ, onde teve um aluno, depois também
compositor e letrista, talentoso cronista, chamado MELLO MORAES FILHO
(1844-1919), aliás, tio-avô do poetinha Vinícius de Moraes. Em
livro de 1904, ARTISTAS do MEU TEMPO, encontramos um simpático
estudo sobre o Lagartixa, assinado por Mello Moraes Filho.
Ao
todo, constam 15 modinhas com letra de Lagartixa e música do Cunha
dos Passarinhos. Entre elas, a genial A ROSA DO CUME que, como se
ouve nas internéticas, fez sucesso desde o século XIX até hoje, em
Portugal também!
Para
conhecer essa época, do começo da canção brasileira, vale ouvir o
álbum de TEREZA PINESCHI – A MÚSICA BRASILEIRA ENTRE 1830 e 1910,
lançado em 2018. E claro, tem que ler a obra histórica de José
Veríssimo (1857-1916), Mello Moraes Filho, José Ramos Tinhorão, o
Dicionário Cravo Albin da MPB, Antenor Nascentes (1886-1972, que
reuniu toda a poesia, mais as modinhas do Lagartixa), e Olindo de
Moura, livreiro que editou em 1982 um folheto vagabundo que circulava
no RJ desde 1882, de editor anônimo, mas chamado o folheto POESIAS
LIVRES DE LAURINDO RABELO, compilando também a obra de nosso bardo e
menestrel.
Acrescento
também um salve a outro letrista e boêmio, o GUIMARÃES PASSOS
(1867-1909) que fundou a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras
e escolheu como patrono justamente o poeta Lagartixa. Bayta sacada!
Vamos
agora às rosas do cume!
Vuuuuush
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