sexta-feira, 29 de junho de 2012


Carlos Scliar, Sesta IV, 1955

A festa no mar
O Paraguai por Delfina Acosta (1956) - extraído da Antologia Pan-Americana (2010) de Stéphane Chao:
“[...] E agora todos entramos no baile, esquecendo as tristes horas que passamos enjaulados nesta pátria miserável, sem mar, sem exército de marinha, sem entardeceres de salitre que golpeiem levemente os jasmins das sacadas, todo mundo metido no último vagão da casa, respirando o vapor crescente dos móveis velhos, dos armários de madeira de mogno e da centenária arca familiar, todo mundo na cozinha, ordenhando a vaca que se colocamos aqui não nos permite caber ali, que se colocamos onde quer que seja não nos deixa passar, porque o recinto ficou pequeno depois da última remodelação da ordenhadeira automática”. (Albani da Silva, 28.06.2012)

PélicoNaquela casa (2009):

O Novo Golpe no Paraguai e as veias abertas da América Latina...
Na sexta-feira / 22 de junho de 2012 / Mais um triste capítulo / Na História da América Latina / Sucedeu que / O Senado paraguaio / Impediu, sem direito a ampla defesa / O presidente eleito por voto popular em 2008 / Fernando Lugo. / Assumiu o cargo / Seu vice / O conservador Federico Franco / Lugo foi eleito / Coligado com o Partido Liberal / Um partido de centro-direita tradicional no Paraguai / Mas Lugo, ex-padre / Representou uma inédita guinada à esquerda / No país vizinho / Acompanhando as mudanças políticas / Que se desencadearam na América Latina / Desde a eleição de Hugo Chávez na Venezuela / Em 1997 / E a criação de seu / Socialismo bolivariano / Passando pela ascensão de novas lideranças de centro-esquerda / Nos anos 2000 / Em países como / Uruguai, Equador, Brasil, Bolívia / Todos esses políticos foram eleitos como alternativas-protestos aos prejuízos sociais / Causados pela hegemonia do capitalismo neoliberal na região / Ao longo dos anos 1990. / Prejuízos tais /Como a / Estagnação econômica / O aumento da desigualdade e da violência urbana. / Fernando Lugo fez carreira política / Atuando junto aos movimentos de camponeses e sem-terra / No Paraguai / Vinculando-se / Ao movimento da Teologia da Libertação / Corrente de esquerda / Surgida dentro da Igreja Católica / E que prega a conciliação entre cristianismo e marxismo / Porém, Lugo vinha perdendo popularidade após alguns escândalos de filhos bastardos / Enquanto padre / E estava enrolado / Num impasse / Em como / Realizar a prometida / Reforma Agrária em seu país / Destacadamente agrícola / E marcado pela concentração fundiária = 80% das terras estão na mão de 2% da população / E cerca de 40% dos paraguaios vive abaixo da linha de pobreza / A grande mídia comercial paraguaia / Apoiou a velha oligarquia dos fazendeiros do agronegócio financeiro / E tramaram o Golpe “branco” / Portanto, desta vez / Sem armas no Paraguai. / O estopim / Foram as recentes e crescentes ocupações de fazendas pelos sem-terra / Entre elas / A de uma fazenda de 10 mil ha em Curuguaty / Que resultou na morte de 17 pessoas / 11 sem-terra / 6 policiais. / No final de 2012 / Ocorrem novas eleições presidenciais / Mas novamente / o Paraguai / Vê-se envolvido / Por Golpes / Após tantos e tantos / Regimes ditatoriais e oligárquicos / Que mandaram e desmandaram no país / Desde a Guerra da Tríplice Aliança / No século 19 / Até hoje.   

P.S.: Infelizmente / Golpes de Estado contra governos de esquerda eleitos pelo voto popular / Continuam ocorrendo na América Latina / Como se já não bastassem / As brutais Ditaduras Militares dos anos 1960, 1970 e 1980, em meio à Guerra Fria - No próprio Paraguai e também na Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai, Brasil. / Em 2009, José Manuel Zelaya foi expulso, pelo Exército e pelo Congresso, da presidência de Honduras ao se aproximar de Hugo Chávez e propor mudanças na Constituição de seu país / Em 2010, foi a vez da Polícia Federal tentar derrubar Rafael Côrrea do Equador / Mas a intensa mobilização popular / E o apoio de outros setores sociais / Sustentaram o presidente / Assim como ocorreu com Hugo Chávez, na Venezuela, em 2002.

* Clica ali para mais informações sobre o Gabinete paralelo do presidente deposto do Paraguai, Fernando LugoGabinete paralelo de Fernando Lugo

Secos e MolhadosRosa de Hiroshima (1972)


T-RexHot Love (1971): 

 Guia Cavalgando o Vento para entender melhor o Paraguai:
Augusto Roa Bastos (1917-2005): O mais famoso escritor paraguaio no século XX. É um símbolo da própria maldição do país, tendo passado 40 anos longe de casa como exilado político, devido às ditaduras que marcaram sua pátria. E foi analisando a formação do Paraguai e a colonização europeia na América que sua obra se concentrou. Misturando vocabulário guarani e lirismo, Roa Bastos escreveu grandes e premiados livros como Yo El Supremo (1974) e Vigilia del Almirante (1992).

Barões de Itaipu: Burocracia aburguesada surgida após a instalação da hidrelétrica de Itaipu no Paraguai. Tem tido bastante influência nos rumos políticos do país desde então e atuado fortemente no Partido Colorado e na Ditadura de Stroessner.

Brasiguaios: Fazendeiros brasileiros com terras no Paraguai, geralmente ligados ao agronegócio (soja, gado, algodão, maconha, coca) e interessados na destituição de Fernando Lugo.

Camponeses: O mais significativo grupo dentro da classe trabalhadora paraguaia. Quase 40% dos paraguaios são agricultores, sendo a maioria deles mestiços de brancos de origem hispânica com índios da etnia guarani. Não à toa, além do espanhol, o Paraguai fala, oficialmente, o guarani.

Caudilhos: O termo específico, na América Latina, para oligarca. Geralmente um grande fazendeiro (latifundiário) respaldado ou pelas Forças Armadas ou por mercenários particulares que exercem, com violência e clientelismo, sua influência política e econômica na sociedade e governos. Apesar disso tudo, muitos caudilhos desfrutam de imensa popularidade e carisma junto às classes oprimidas.

General Alfredo Stroessner (1912-2006): Unificou as oligarquias rurais que disputavam o controle político do Paraguai, desde o século 19, a partir de seu Golpe de Estado, concretizado em 04 de maio de 1954. Atrelou o Partido Colorado ao Exército paraguaio e negociou Itaipu com o ditador brasileiro Emílio Garrastazu Médici nos anos 1970. Alternou brutal repressão aos movimentos camponeses, de sem-terra, operários, comunistas, sindicais, estudantis, artísticos e católicos com períodos de “fachada” democrática, inclusive com processos eleitorais fraudulentos e excludentes. Seu governo durou cerca de 35 anos, sendo derrubado, ironicamente, por um novo Golpe militar em fevereiro de 1989.

General Andrés Rodríguez (1923-1997): Liderou o Golpe contra a reeleição do veterano ditador Stroessner, em 1989. Propunha uma “redemocratização” negociada e controlada pela elite oligárquica (agrária e estrangeira), coibindo assim a mobilização social e o fortalecimento de forças de esquerda no Paraguai dos anos 1990.

General Lino Oviedo (1943): Um dos mentores do Golpe contra Stroessner. Foi também o mentor do primeiro presidente civil paraguaio após longas ditaduras, o empresário Juan Carlos Wasmosy, porém, Oviedo acabou entrando em conflito com seu pupilo. Supostamente, também apoiou o recente golpe a Fernando Lugo. Foi acusado de ter planejado o assassinato de Luis María Argaña (1933-1999) então vice-presidente paraguaio e dirigente histórico do Partido Colorado.

Golpe de Estado: Troca violenta de governantes através do impedimento parlamentar de algum mandatário (presidente, primeiro-ministro) ou através de intervenção das Forças Armadas.

Guerra do Chaco: Entre 1932 e 1935, Paraguai e Bolívia enfrentaram-se violentamente pelo controle do Pantanal, mais conhecido como Chaco naqueles países. Por trás do embate, as petroleiras Shell (da Grã-Bretanha) e Standard Oil (EUA) que financiaram e armaram os países beligerantes. Na primeira metade do século 20, eram fortes as suspeitas de imensas jazidas de petróleo no Pantanal. Inclusive o escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948) defendeu a prospecção do “ouro negro” no Mato Grosso.


Pausa para refrescar o cérebro (com música, claro!):
PixiesWhere is my mind (1988): 


Ufa…

Guerra do Paraguai (1865-1870): Chamada também de Guerra da Tríplice Aliança, pois uniu Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. A maior guerra da América do Sul, que matou cerca de 600 mil pessoas, ainda hoje gera polêmica entre os historiadores. Uma das interpretações mais fortes do embate afirma que a Guerra foi estimulada por bancos, mercadores e governantes ingleses que lucraram armando e financiando os países em guerra. Assim como, a toda poderosa Inglaterra, então senhora da Revolução Industrial, não aceitou a tentativa da jovem República Paraguaia, sob o comando do presidente Solano López, de se desenvolver autonomamente. E isso quer dizer: sem depender das tecnologias, produtos e capitais de Manchester e Liverpool. No que os historiadores concordam é que a devastação do Paraguai foi tão grande que, até hoje, ele se ressente e padece de pobreza e subdesenvolvimento, em grande parte, devido à Guerra.  

Itaipu: Essa gigantesca usina hidrelétrica construída entre 1971 e 1981 surgiu da parceria entre a Ditadura Militar brasileira e a Ditadura do General Alfredo Stroessner do Paraguai. Situada entre o Paraná (Foz do Iguaçu) e Ciudad del Leste, a hidrelétrica somente perde em gigantismo para a de Três Gargantas na China. Sua construção custou mais de $ 16 bilhões de dólares, tendo sido orçada em menos de $ 2 bi e pôs fim a catarata das Sete Quedas. A energia elétrica ali produzida é repartida meio a meio entre os dois países sócios. Sendo assim, 22% da energia brasileira de lá vem e 95% da paraguaia. Os excedentes paraguaios são vendidos ao Brasil, até o governo Lugo, a preço de custo, após, novos valores foram negociados entre Lula e o presidente deposto.

Josefina Plá (1909-1999): Outra grande artista, poeta, jornalista e dramaturga, pertencente à Geração dos 40 que sacudiu as artes paraguaias. Parceira de Roa Bastos, Plá nasceu na Espanha e veio para a América aos 18 anos com o marido, um artesão 21 anos mais velho do que ela. Talvez por isso escrevesse em Tiempo y tiniebla (1982):o vestido que veio demasiado cedo, que jamais caiu bem, o vestido, que chegou já tarde, para ir à festa, quando já tinha adormecido”.

Juan Carlos Wasmosy (1938): Primeiro presidente civil do Paraguai, eleito por voto popular em 1993. Desde 1811 um presidente paraguaio não era eleito por voto popular, ainda assim Wasmosy foi “tutelado” pelo Exército e seu Partido Colorado.

Latifúndio: Imensa propriedade agrícola, geralmente voltada para a monocultura de exportação (algodão, soja, drogas, gado) amplamente mecanizada e dependente de agrotóxicos para a produção em larga escala. Os latifúndios estão sempre concentrados na propriedade de poucas famílias e/ou empresas.

Missões Jesuíticas: Durante a América Colonial (1492 ao século 19), os padres da Companhia de Jesus, ou seja, os padres jesuítas, foram a vanguarda da Igreja Católica na tentativa de converter os povos originários (indígenas) ao cristianismo. Para isso, tais padres fundaram centenas de Missões ou Reduções acolhendo índios, criando verdadeiras cidades-Estado mestiças por toda a América. Aqui no Rio Grande do Sul, destacaram-se os Sete Povos, entre o fim do século 17 e o século 18, no Oeste do Estado, em que até hoje resistem as Ruínas de São Miguel. Outro pólo importantíssimo dessas Missões foi o atual Paraguai, durante o século 17, às margens do rio Paraná.

Nicanor Duarte Frutos (1956): Ex-presidente e liderança colorada, comandou o Paraguai no mandato anterior ao do governo Lugo. Apontado como um dos articuladores do Golpe “branco” de 2012.

Oligarquia: Grupo político, geralmente da elite (fazendeiros, banqueiros, industriais, governantes), que pratica um governo excludente, ou seja, “um governo de poucos e para poucos”.

Partido Colorado: Grande instituição política da elite paraguaia (oligarcas fazendeiros e “barões de Itaipu”) desde 1887. Atrelado ao Exército a partir da ditadura de Stroessner, em 1954, controla o país através de regimes ditatoriais ou democracias “de fachada”.

Partido Liberal: Partido de centro-direita paraguaio, considerado a segunda força eleitoral do país, atrás do Partido Colorado. Estava coligado com Lugo até a intensificação dos conflitos no campo paraguaio e a tentativa do presidente de unir-se aos colorados. Resultado: Lugo deposto, colorados e liberais unidos.

Rio Paraguai: É um dos grandes afluentes do Rio da Prata. Ao lado do Uruguai e da Argentina, o Paraguai integra a Bacia do Prata, aqui na América do Sul.

Teologia da Libertação: A partir da formação de Comunidades Eclesiais de Base em bairros pobres, alfabetizando os trabalhadores através da Bíblia e dos métodos pedagógicos do brasileiro Paulo Freire (1921-1997), os teólogos da libertação propunham: “um meio de originar um governo que alimente os famintos, vista os despidos, ensine os ignorantes e ponha em prática obras de caridade e o amor fraternal”. O padre colombiano Camilo Torres (1929-1966) foi um desses Teólogos da Libertação. Porém, o Papa João Paulo II (1920-2005) não gostou da idéia de conciliar cristianismo com marxismo e perseguiu este movimento político surgido dentro da Igreja.
(Albani da Silva, 28.06.2012, com uma ajudinha providencial da Enciclopédia Latinoamericana, organizada por Emir Sader e Ivana Jinkings em 2006).
 
Lô BorgesPaisagem da Janela (2010):  

Gotye Somebody that I used to know (2011): 



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