quarta-feira, 19 de setembro de 2012


João Baptista Mottini, Negrinho do Pastoreio, s/d

Modernos Causos Fantásticos
            Em plena Semana Farroupilha, os estudantes de 8ª série da EMEF Alberto Pasqualini, Gravataí/RS, foram desafiados a trazer para o mundo contemporâneo alguns dos personagens do folclore regional. No centenário de publicação da obra “Contos Gauchescos” de Simões Lopes Neto (1865-1916) a gurizada invocou Blau Nunes para contar histórias assim:


Os Três Profetas (ou o Surrealismo da Literatura Fantástica)
Leandro Silva Bagolin – pesquisa oral, argumento e texto
C. A. Albani da Silva – edição do poema

Há duas semanas / Um grupo de Profetas / Vagava / De pago em pago / Rumando / Ao seu caminho / Sem Rumo.
Eles resolveram parar / Debaixo de uma árvore / Sem galhos / Sem sombra.
Era mais ou menos / Meia-Noite / Em meio às trevas / De um dia claro / E um Negro careca / Penteava sua cabeleira / Loura.
Sentado num toco / De pedra / Feito de madeira / Um cego / Lia jornal / Com letras de perna pra cima.
A vaca assobiava / Enquanto / O passarinho mugia / Falando, mudo:
“Prefiro morrer a perder a vida”.
“E os 4 Profetas do Mundo são só 3: Moisés e Elias”.

Amor de Santo (Um conto do Negrinho do Pastoreio)
Angélica Andrade Reis
           
            O Negrinho do Pastoreio nunca foi esquecido pela população de Gravataí. Ele, menino bom – Santo Protetor -, sempre esteve disposto a ajudar a todos que precisassem encontrar algo. Bastava acender uma vela e o chamar que ele aparecia, concentrado apenas na procura do que fosse perdido. O Negrinho nunca falhara.
           Certo dia, estava passeando pelo céu com seus cavalos, como de costume, quando ouviu o choro de uma garota. Não pensou duas vezes e foi ver o que estava acontecendo. A menina estava sentada no meio-fio de uma rua vazia. Com a cabeça baixa, escondia seu rosto coberto de lágrimas. Negrinho se aproximou.
            - O que aconteceu? – Perguntou o Santo, sem jeito. – Posso ajudá-la?
            A menina levantou sua cabeça lentamente, enxugando seu rosto.
            - Quem é você? – Ela quis saber.
            - Sou o Ne... isto é... Nicolas. – Mentiu. Não sabia por que, mas mentiu.
          - Tudo bem. Se puder me ajudar, fico grata. É que perdi meu cachorrinho.
            Então o Negrinho, experiente em resgate de animais, começou a ajudá-la. Ficaram um bom tempo juntos procurando o cão perdido. Tiveram sucesso. A menina, chamada Dora, ficou muito grata pela ajuda e agradeceu. Mas o Negrinho não entendeu por que ela não tinha pedido ajuda a ele, do jeito que todos costumavam fazer. Será que ela não conhecia sua lenda?
            Ele não suportou a dúvida e perguntou a ela. Como tinha previsto, ela não conhecia o Negrinho do Pastoreio. Mas não quis contar a verdade a Dora, preferia estar com ela como menino, não como Santo. Despediram-se e Negrinho foi ajudar a outras pessoas.
            A partir disso, o menino, sempre que conseguia um tempo de folga, em meio a tantos milagres, ia se encontrar com a garota. Logo, criaram uma bela amizade, coisa que Negrinho nunca tinha experimentado em sua breve vida.
            Dias depois, o menino se apavorou consigo mesmo. Ele falhara pela primeira vez ao ajudar uma pessoa e, depois, de novo, seguidamente. Negrinho não compreendeu então foi pedir uma explicação para sua madrinha, Nossa Senhora.
            - Minha Senhora, o que está havendo comigo?
            - Pensei que você soubesse, Negrinho.
            O menino não disse nada, não sabia onde a madrinha queria chegar.
            - Negrinho, você não está mais se concentrando para ajudar aos outros, sua cabeça só tem espaço para a Dora.
            - Desculpe, minha Senhora. Mas não posso evitar.
        - Eu entendo, Negrinho. Mas é isso que você quer? Deixar tudo de lado devido a um sentimento que não te pertence mais?
            O garoto ficou quieto, perdido em pensamentos. Ele começou a lembrar de cada sorriso que conquistou após um milagre realizado. Não queria deixar de ajudar aos outros. Essa era a coisa que mais gostava de fazer, e era seu dever. Não podia parar com aquilo. Então disse:
            - Passei todo esse tempo focado em fazê-la feliz que acabei esquecendo o meu dever: ajudar a quem precisa! É isso que vou fazer, minha Senhora, vou voltar para ajudar a quem não consegui, não posso deixá-los assim, desapontados comigo, desamparados.
            - E a Dora? – Perguntou Nossa Senhora.
            - Contarei a verdade a ela e me afastarei.
            - Fico feliz que tenha entendido, meu afilhado.
           Então Negrinho cumpriu com o que disse e continuou a conquistar muitos sorrisos por dia.

MitoramaNegrinho do Pastoreio (2011): Versão musical e animada do mito original.

Pausa para as músicas da semana 

Maysa A Noite do Meu Bem (2009): Hoje estas velhas músicas são para os velhos. Mas há 50 anos eram música Pop. Veio o Rock, então, e deixou mais alegre até mesmo as desilusões amorosas. (Vídeo da minissérie global “Quando fala o coração” dirigida pelo filho de Maysa – Jayme Monjardim).

 Edith PiafRien de Rien (s/d): 

 MaysaMeu mundo caiu (1958): 


Edith PiafNe me quitte pas (s/d):



Retomando, em grande estilo, os causos modernos:
Homem da Corda
Mariana Pereira e Nátali Sarmento

- É verdade, sim. Vi com meus próprios olhos. Ele estava lá, estou certo disso!
- Se tens tanta certeza, explique-me!
- Tudo bem. Vou contar-te...
         No meio do zum zum zum de Porto Alegre, gente amontoada por todos os lados, avistei aquele imenso índio perambulando sem rumo. Olhar perplexo, parecia um tanto confuso. Foi então que girou seu corpo em 180 graus, mirou-me profundamente nos olhos, começando a andar em minha direção a passos largos e firmes, até chegar tão perto que pude sentir sua respiração. Encarei-o, nervoso, e decidi questioná-lo:
- Onde comprastes este pala velho?
 ***
- Não! Duvido que tu tenhas dito isto a Sepé! Ele arrancaria teus olhos.
- Te juro que falei, Joaquim.
 ***
        Por um momento, realmente pensei que Sepé Tiaraju arrancar-me-ia os olhos. Mas não, ele apenas balbuciou palavras sem nexo:
 - Onde se encontra o Homem da Corda?
    Fiquei sem ação. ‘’Homem da Corda’’? Barbaridade! Não acreditava naquilo. Será que ele estava se referindo ao André? Gurizinho magricela que brincava com barbantes na porta do bar, em dias de Gre-Nal?
- Acho que sei a quem tu te referes. Venha comigo, vou levar-te até o boteco do Piléu.
        O índio seguiu-me, sério e calado. Conforme andávamos, ele analisava a arquitetura da cidade; muitas vezes murmurando algumas poucas palavras, das quais não consegui compreender e até hoje não sei se eram elogios ou críticas. Enfim, chegamos. Chamei o guri dos barbantes, que veio voando às tranças, mas parou abruptamente com os olhos arregalados em direção ao índio, dizendo:
- Mas, cara! É você mesmo, Nightwolf? Do Mortal Kombat? Depois do Sub-Zero, você é meu favorito.
O índio, indiferente ao comentário, dirigiu-se à criatura:
- Sou Sepé Tiaraju, guerreiro de São Miguel. Onde está o Homem da Corda?
***
- Espere! Quem é esse maldito ‘’Homem da Corda’’?
- Tu não perdes por esperar, compadre Joaquim.
 ***
         Será que me enganei? Trouxe-o ao lugar errado? Resolvi me meter:
- Não era este “homem” que tu estavas a procurar, índio?  - apontei para o guri, que ainda admirava com os olhos vidrados Sepé.
- Isto não é nenhum homem! – disse Sepé. – É um curumim! Preciso do Homem da Corda, o Homem Cinza!
      Eu já estava tonto. Cada vez confundia-me mais. Que índio paspalho! Só sabia repetir as mesmas informações. Minha boa vontade já estava no limite.
        Foi aí que apareceu uma prenda formosa, cheia de si, tomando conta da situação. Com um sorrisinho maroto, sentou-se à mesa e, após ouvir boa parte da história, resolveu interferir:
- Não é possível que vocês não consigam ver. Está bem de baixo do bigode de vocês! Escutem: Porto Alegre... Homem da Corda... Cinza... Procurado por um índio! O que passa nas vossas cabeças?
- Que este índio é louco e deve voltar para o videogame! – interpelou o magricela.
- Ah, por favor - disse a prenda, levantando-se. - Será que não é óbvio? Ele está atrás d’O Laçador!
***
- Mas por que, diabos, Sepé estaria atrás do Laçador? O Laçador! Uma estátua!
- Acalma-te, a história ainda não terminou.
***
          Resolvi perguntar:
- Está procurando O Laçador? Um monumento de pedra, frio e sem vida?
- Acho que tu não conheces bem o Laçador – disse o índio. - Leve-me até onde ele está e estas tuas perguntas serão respondidas.
          Fomos todos até lá: o índio, a prenda, o magricela e eu, ainda atordoado. Ao chegarmos, o índio dirigiu-se aos pés da estátua, falando novamente palavras sem muito nexo. Congelei, pasmo, ao ver a cena que se desenrolou diante de mim:
- Nossa! Já estava ficando cansado. Havia tempos que não recebia uma visita. O que queres de mim, amigo?
        Esfreguei meus olhos e tentei entender. Só me restava prestar atenção na conversa entre o índio e a estátua.
- Nunca iria imaginar-te assim, plantado. Procurei-te em todos os campos, baias, em todo lugar!
- Mas vamos logo ao assunto, tchê! Por que estás aqui, a procurar-me?
- Lembra-te das ruínas da Catedral de São Miguel?
- É claro, triste história... Mas, e eu com isso?
- Nós a reformamos. Está tudo como novo! Vim convidar-te para a nossa inauguração, queres ir?
- Com certeza. Adoro festas!
      Ficamos todos estarrecidos, observando os dois caminhando lado a lado, conversando e dando boas gargalhadas em direção ao horizonte...
***
- ‘’Inauguração da Catedral’’? Essa foi boa...
- A pura verdade. Cheguei até a comparecer.
- Juras? Como foi?
- Ah! Daí é outro causo, meu amigo Joaquim...

Trailer HQ do Sepé Tiaraju (2010): Clica aqui e baixa a História em Quadrinhos sobre Sepé Tiaraju editada em 2010 pelo Câmara dos Deputados federais. Feito um bom mito, este trailer tem um tom épico. Afinal, foi Sepé quem disse: "Esta terra tem dono"... 

Outro interlúdio musical
MaysaO Barquinho (1961):
Maysa Eu sei que vou te amar (2009): 

 Maria BethâniaSensível demais (2005): Isto é apenas um ensaio da Maria e sua banda. Eita!


Encerrando a postagem com um poema inédito
Quando o Vento sorri
C. A. Albani da Silva

Lá vem o Vento!
O Vento
Que arrasta
Descabela
Destelha
E destampa

Lá vem o Vento!
Nordeste – Quente e opressor
Sul – Melancólico e gelado
De Finados – Soprando na cara o pó que viraremos

Já vem o Vento!
Loas às Tempestades!
Glória aos Furacões!
Lembranças a Hermes
Mercúrio – Exu – E a toda a Ventania

Só não venham
Agora
As brisas mansas
Marolinhas
E outras
Calmarias

Já está aqui o Vento!
E que mais nada fique
De pé então
Nem as árvores, nem os postes, nem os deuses,
Nem o Amor
Nem os mastros das bandeiras
Nem as perucas das velhas
Nem as ideias de jerico

Sopra o Vento!
Voam pelos ares
Cadeiras
O lixo
Dança a
Sacola Plástica
A bola inalcançável
Já não faz mais a criança feliz
Nem o boné
Aperta os miolos
De mais uma Cabeça de Vento

Ri o Vento
Pois
Não
Nada Mais
Rebelde
Do
Que Ele.

(C. A. Albani da Silva, 19.09.2012)




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