João Baptista Mottini, Negrinho do
Pastoreio, s/d
Modernos Causos Fantásticos
Em plena Semana Farroupilha,
os estudantes de 8ª série da EMEF Alberto Pasqualini,
Gravataí/RS, foram desafiados a trazer para o mundo contemporâneo alguns dos
personagens do folclore regional. No centenário de publicação da obra “Contos Gauchescos”
de Simões Lopes Neto
(1865-1916) a gurizada invocou Blau Nunes para
contar histórias assim:
Os Três Profetas (ou o Surrealismo da
Literatura Fantástica)
Leandro Silva
Bagolin
– pesquisa oral, argumento e texto
C. A. Albani da
Silva
– edição do poema
Há
duas semanas / Um grupo de Profetas / Vagava / De pago em pago / Rumando / Ao
seu caminho / Sem Rumo.
Eles
resolveram parar / Debaixo de uma árvore / Sem galhos / Sem sombra.
Era
mais ou menos / Meia-Noite / Em meio às trevas / De um dia claro / E um Negro careca /
Penteava sua cabeleira / Loura.
Sentado
num toco / De pedra / Feito de madeira / Um cego / Lia jornal / Com letras de
perna pra cima.
A
vaca assobiava / Enquanto / O passarinho mugia / Falando, mudo:
“Prefiro
morrer a perder a vida”.
“E
os 4 Profetas do Mundo são só 3: Moisés e Elias”.
Amor de Santo (Um conto
do Negrinho do Pastoreio)
Angélica
Andrade Reis
O Negrinho do Pastoreio nunca foi esquecido
pela população de Gravataí. Ele, menino bom – Santo Protetor -, sempre esteve
disposto a ajudar a todos que precisassem encontrar algo. Bastava acender uma
vela e o chamar que ele aparecia, concentrado apenas na procura do que fosse perdido.
O Negrinho nunca falhara.
Certo dia, estava passeando pelo céu
com seus cavalos, como de costume, quando ouviu o choro de uma garota. Não
pensou duas vezes e foi ver o que estava acontecendo. A menina estava sentada
no meio-fio de uma rua vazia. Com a cabeça baixa, escondia seu rosto coberto de
lágrimas. Negrinho se aproximou.
- O que aconteceu? – Perguntou o
Santo, sem jeito. – Posso ajudá-la?
A menina levantou sua cabeça lentamente,
enxugando seu rosto.
- Quem é você? – Ela quis saber.
- Sou o Ne... isto é... Nicolas. –
Mentiu. Não sabia por que, mas mentiu.
- Tudo bem. Se puder me ajudar, fico
grata. É que perdi meu cachorrinho.
Então o Negrinho, experiente em
resgate de animais, começou a ajudá-la. Ficaram um bom tempo juntos procurando
o cão perdido. Tiveram sucesso. A menina, chamada Dora, ficou muito grata pela
ajuda e agradeceu. Mas o Negrinho não entendeu por que ela não tinha pedido
ajuda a ele, do jeito que todos costumavam fazer. Será que ela não conhecia sua
lenda?
Ele não suportou a dúvida e
perguntou a ela. Como tinha previsto, ela não conhecia o Negrinho do Pastoreio.
Mas não quis contar a verdade a Dora, preferia estar com ela como menino, não
como Santo. Despediram-se e Negrinho foi ajudar a outras pessoas.
A partir disso, o menino, sempre que
conseguia um tempo de folga, em meio a tantos milagres, ia se encontrar com a
garota. Logo, criaram uma bela amizade, coisa que Negrinho nunca tinha
experimentado em sua breve vida.
Dias depois, o menino se apavorou
consigo mesmo. Ele falhara pela primeira vez ao ajudar uma pessoa e, depois, de
novo, seguidamente. Negrinho não compreendeu então foi pedir uma explicação
para sua madrinha, Nossa Senhora.
- Minha Senhora, o que está havendo
comigo?
- Pensei que você soubesse,
Negrinho.
O menino não disse nada, não sabia
onde a madrinha queria chegar.
- Negrinho, você não está mais se
concentrando para ajudar aos outros, sua cabeça só tem espaço para a Dora.
- Desculpe, minha Senhora. Mas não
posso evitar.
- Eu entendo, Negrinho. Mas é isso
que você quer? Deixar tudo de lado devido a um sentimento que não te pertence
mais?
O garoto ficou quieto, perdido em
pensamentos. Ele começou a lembrar de cada sorriso que conquistou após um
milagre realizado. Não queria deixar de ajudar aos outros. Essa era a coisa que
mais gostava de fazer, e era seu dever. Não podia parar com aquilo. Então
disse:
- Passei todo esse tempo focado em
fazê-la feliz que acabei esquecendo o meu dever: ajudar a quem precisa! É isso
que vou fazer, minha Senhora, vou voltar para ajudar a quem não consegui, não
posso deixá-los assim, desapontados comigo, desamparados.
- E a Dora? – Perguntou Nossa
Senhora.
- Contarei a verdade a ela e me
afastarei.
- Fico feliz que tenha entendido,
meu afilhado.
Então Negrinho cumpriu com o que
disse e continuou a conquistar muitos sorrisos por dia.
Mitorama – Negrinho do Pastoreio (2011): Versão musical e animada do mito original.
Pausa para as músicas da semana
Maysa – A Noite do Meu Bem (2009):
Hoje estas velhas músicas são
para os velhos. Mas há 50 anos eram música Pop. Veio o Rock, então, e deixou mais
alegre até mesmo as desilusões amorosas. (Vídeo da
minissérie global “Quando fala o coração” dirigida pelo filho de Maysa – Jayme Monjardim).
Maysa
– Meu mundo caiu
(1958):
Edith Piaf – Ne
me quitte pas (s/d):
Retomando, em grande estilo, os causos modernos:
Homem da Corda
Mariana
Pereira e Nátali Sarmento
-
É verdade, sim. Vi com meus próprios olhos. Ele estava lá, estou certo disso!
-
Se tens tanta certeza, explique-me!
-
Tudo bem. Vou contar-te...
No meio do zum zum zum de Porto Alegre,
gente amontoada por todos os lados, avistei aquele imenso índio perambulando
sem rumo. Olhar perplexo, parecia um tanto confuso. Foi então que girou seu
corpo em 180 graus, mirou-me profundamente nos olhos, começando a andar em
minha direção a passos largos e firmes, até chegar tão perto que pude sentir
sua respiração. Encarei-o, nervoso, e decidi questioná-lo:
-
Onde comprastes este pala velho?
***
-
Não! Duvido que tu tenhas dito isto a Sepé! Ele arrancaria teus olhos.
-
Te juro que falei, Joaquim.
***
Por um momento, realmente pensei que
Sepé Tiaraju arrancar-me-ia os olhos. Mas não, ele apenas balbuciou palavras
sem nexo:
- Onde se encontra o Homem da Corda?
Fiquei sem ação. ‘’Homem da Corda’’?
Barbaridade! Não acreditava naquilo. Será que ele estava se referindo ao André?
Gurizinho magricela que brincava com barbantes na porta do bar, em dias de
Gre-Nal?
-
Acho que sei a quem tu te referes. Venha comigo, vou levar-te até o boteco do Piléu.
O índio seguiu-me, sério e calado.
Conforme andávamos, ele analisava a arquitetura da cidade; muitas vezes
murmurando algumas poucas palavras, das quais não consegui compreender e até
hoje não sei se eram elogios ou críticas. Enfim, chegamos. Chamei o guri dos
barbantes, que veio voando às tranças, mas parou abruptamente com os olhos
arregalados em direção ao índio, dizendo:
-
Mas, cara! É você mesmo, Nightwolf? Do Mortal Kombat? Depois do Sub-Zero, você
é meu favorito.
O
índio, indiferente ao comentário, dirigiu-se à criatura:
-
Sou Sepé Tiaraju, guerreiro de São Miguel. Onde está o Homem da Corda?
***
-
Espere! Quem é esse maldito ‘’Homem da Corda’’?
-
Tu não perdes por esperar, compadre Joaquim.
***
Será que me enganei? Trouxe-o ao lugar
errado? Resolvi me meter:
-
Não era este “homem” que tu estavas a
procurar, índio? - apontei para o guri,
que ainda admirava com os olhos vidrados Sepé.
-
Isto não é nenhum homem! – disse Sepé. – É um curumim! Preciso do Homem da Corda,
o Homem Cinza!
Eu já estava tonto. Cada vez
confundia-me mais. Que índio paspalho! Só sabia repetir as mesmas informações.
Minha boa vontade já estava no limite.
Foi
aí que apareceu uma prenda formosa, cheia de si, tomando conta da situação. Com
um sorrisinho maroto, sentou-se à mesa e, após ouvir boa parte da história,
resolveu interferir:
-
Não é possível que vocês não consigam ver. Está bem de baixo do bigode de
vocês! Escutem: Porto Alegre... Homem da Corda... Cinza... Procurado por um índio! O que passa nas vossas cabeças?
-
Que este índio é louco e deve voltar para o videogame! – interpelou o
magricela.
-
Ah, por favor - disse a prenda, levantando-se. - Será que não é óbvio? Ele está
atrás d’O Laçador!
***
-
Mas por que, diabos, Sepé estaria atrás do Laçador? O Laçador! Uma estátua!
-
Acalma-te, a história ainda não terminou.
***
Resolvi
perguntar:
-
Está procurando O Laçador? Um monumento de pedra, frio e sem vida?
-
Acho que tu não conheces bem o Laçador – disse o índio. - Leve-me até onde ele
está e estas tuas perguntas serão respondidas.
Fomos todos até lá: o índio, a prenda,
o magricela e eu, ainda atordoado. Ao chegarmos, o índio dirigiu-se aos pés da
estátua, falando novamente palavras sem muito nexo. Congelei, pasmo, ao ver a
cena que se desenrolou diante de mim:
-
Nossa! Já estava ficando cansado. Havia tempos que não recebia uma visita. O
que queres de mim, amigo?
Esfreguei
meus olhos e tentei entender. Só me restava prestar atenção na conversa entre o
índio e a estátua.
-
Nunca iria imaginar-te assim, plantado. Procurei-te em todos os campos, baias,
em todo lugar!
-
Mas vamos logo ao assunto, tchê! Por que estás aqui, a procurar-me?
-
Lembra-te das ruínas da Catedral de São Miguel?
-
É claro, triste história... Mas, e eu com isso?
-
Nós a reformamos. Está tudo como novo! Vim convidar-te para a nossa
inauguração, queres ir?
-
Com certeza. Adoro festas!
Ficamos todos estarrecidos, observando
os dois caminhando lado a lado, conversando e dando boas gargalhadas em direção
ao horizonte...
***
-
‘’Inauguração da Catedral’’? Essa foi boa...
-
A pura verdade. Cheguei até a comparecer.
-
Juras? Como foi?
-
Ah! Daí é outro causo, meu amigo Joaquim...
Trailer HQ do Sepé Tiaraju (2010): Clica aqui e baixa a História em Quadrinhos sobre Sepé Tiaraju
editada em 2010 pelo Câmara dos Deputados federais. Feito um bom mito, este trailer tem um tom épico. Afinal, foi Sepé quem disse: "Esta terra tem dono"...
Outro interlúdio musical
Maysa – O Barquinho (1961):
Maysa – Eu sei que vou
te amar (2009):
Encerrando a postagem
com um poema inédito
Quando o Vento sorri
C. A. Albani da Silva
Lá vem o
Vento!
O Vento
Que
arrasta
Descabela
Destelha
E destampa
Lá vem o
Vento!
Nordeste – Quente e opressor
Sul –
Melancólico e gelado
De
Finados – Soprando na cara o pó que viraremos
Já vem o
Vento!
Loas às
Tempestades!
Glória
aos Furacões!
Lembranças
a Hermes
Mercúrio –
Exu – E a toda a Ventania
Só não
venham
Agora
As brisas
mansas
Marolinhas
E outras
Calmarias
Já está
aqui o Vento!
E que
mais nada fique
De pé
então
Nem as
árvores, nem os postes, nem os deuses,
Nem o
Amor
Nem os
mastros das bandeiras
Nem as
perucas das velhas
Nem as ideias
de jerico
Sopra o
Vento!
Voam
pelos ares
Cadeiras
O lixo
Dança a
Sacola
Plástica
A bola
inalcançável
Já não
faz mais a criança feliz
Nem o
boné
Aperta os
miolos
De mais
uma Cabeça de Vento
Ri o
Vento
Pois
Não
Há
Nada Mais
Rebelde
Do
Que Ele.
(C. A. Albani da Silva, 19.09.2012)
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