Caravaggio, Amor Vitorioso, 1601
Vandalismo
(Augusto
dos Anjos, 1912, “Eu”)
Meu coração tem
catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
João Bosco – Bandalhismo (1980): Neste samba de Aldir
Blanc, João Bosco canta, com a ajuda de Paulinho da Viola, uma paródia
do famoso poema acima.
GOG – Brasil
com “P” (2008): No início do século XX o
professor Augusto
dos Anjos (1884-1914) cantava em sua poesia temas como a morte,
decomposição (social?) e as fatalidades da vida. Problemas semelhantes são
cantados, de outro modo, pelo Movimento Hip Hop no Tempo Presente:
Do Augusto dos Anjos
Que poeta, este. Nascido em 1884. O autor dos Versos Íntimos. Preciso
homenageá-lo. Afinal não é qualquer um que homenageia um morcego em seus
versos: “Meia-noite. Ao meu
quarto me recolho. / Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: / Na bruta
ardência orgânica da sede, / Morde-me a goela, ígneo e escaldante molho. /
"Vou mandar levantar outra parede..." /— Digo. Ergo-me a
tremer. Fecho o ferrolho / E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um
olho, / Circularmente sobre a minha rede! / Pego de um pau. Esforços faço.
Chego / A tocá-lo. Minh’alma se concentra. / Que ventre produziu tão feio
parto?! / A Consciência Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à
noite, ele entra / Imperceptivelmente em nosso quarto!” Que realismo!
Que teatralidade. Isto é Augusto dos Anjos. Preciso homenageá-lo e com um
morcego. Mas como fazê-lo? Normalmente dou o exercício ao meu cérebro e aguardo
que ele se manifeste, no momento em que ele achar prudente, e me dá os versos
de lambuja. Mas para o Augusto terei que suar mais. E os dias passam e a
homenagem não vem. O primeiro poeta que vi declamar estes versos foi o Roberto dos Santos, e isto faz tanto
tempo, com teatralidade, com jogo de mãos, com suspense. Foi possível a platéia
ver o tal morcego em seus voos cegos, rasantes e certeiros.
E o verso surge quando me lembro do último verão, quando um morcego caiu
pela chaminé da lareira e adentrou na sala. Era o espírito do Augusto dos
Anjos, tenho certeza. Então lá vai o verso: “O morcego / Entrou pela janela aberta / Do meu quarto / Fez alguns
malabarismos / E seguiu para a sala. / Penso que buscava / Encontrar a lareira
/ Com suas paredes / Aconchegantes e encarvoadas. / Mas voou com destreza /
Desviando dos móveis / E do grande lustre central. / Por fim pousou / Num canto
qualquer / Uma tela tétrica e sem moldura / Na penumbra de minhas visitas. /
Mais parecia um anjo do céu / Do que uma criatura das cavernas / O mais augusto
dos anjos / Desses que visitam a terra / A cada cem anos ou mais / E chegam no
resplendor das manhãs / E derramam sua marca / Sobre nossas crenças pagãs.” Acho
que consegui! Acho que consegui! Aí está a homenagem: as paredes
aconchegantes e encarvoadas simbolizam muito bem o poeta paraibano que
morreu tão jovem, com apenas um livro de poemas publicado, e de forma
artesanal. Mas que se perpetuou ao longo dos anos. E a expressão o mais
augusto dos anjos não ficou o máximo? O nome do homenageado ficou
disfarçado dentro do verso. De onde meu cérebro tirou isso? Que mecanismo
desencadeou neste verso? Mas o importante é que consegui o meu intento. Este aí
é o resultado final. Joguei fora todo o exercício de trocar palavras, mudar
versos, pontuação, até chegar neste resultado. Joguei fora aquela coisa gostosa
que provoca suor e bons versos. Melhor assim. Desta forma não ficou sabendo o
mistério e o suor que resulta em versos.
(Crônica gentilmente enviada por
Borges Netto, escritor do Clube Literário de Gravataí/RS)
Versos Íntimos
(Augusto dos Anjos,
1912, “Eu”)
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
MC Leonardo e MC Júnior – Tá tudo errado (s/d): Outro exemplo da decadência como tema poético.
Da Guedes – Dr. Destino (2009): Precursores do Hip Hop em Porto Alegre nos anos
1990.