quinta-feira, 28 de março de 2013

Augusto dos Anjos, Hip-Hop


Caravaggio, Amor Vitorioso, 1601

Vandalismo
(Augusto dos Anjos, 1912, “Eu”)

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

João BoscoBandalhismo (1980): Neste samba de Aldir Blanc, João Bosco canta, com a ajuda de Paulinho da Viola, uma paródia do famoso poema acima.


GOGBrasil com “P” (2008): No início do século XX o professor Augusto dos Anjos (1884-1914) cantava em sua poesia temas como a morte, decomposição (social?) e as fatalidades da vida. Problemas semelhantes são cantados, de outro modo, pelo Movimento Hip Hop no Tempo Presente:



Do Augusto dos Anjos
Que poeta, este. Nascido em 1884. O autor dos Versos Íntimos. Preciso homenageá-lo. Afinal não é qualquer um que homenageia um morcego em seus versos: Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. / Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: / Na bruta ardência orgânica da sede, / Morde-me a goela, ígneo e escaldante molho. / "Vou mandar levantar outra parede..." /— Digo. Ergo-me a tremer.  Fecho o ferrolho / E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, / Circularmente sobre a minha rede! / Pego de um pau. Esforços faço. Chego / A tocá-lo. Minh’alma se concentra. / Que ventre produziu tão feio parto?! / A Consciência Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à noite, ele entra / Imperceptivelmente em nosso quarto!Que realismo! Que teatralidade. Isto é Augusto dos Anjos. Preciso homenageá-lo e com um morcego. Mas como fazê-lo? Normalmente dou o exercício ao meu cérebro e aguardo que ele se manifeste, no momento em que ele achar prudente, e me dá os versos de lambuja. Mas para o Augusto terei que suar mais. E os dias passam e a homenagem não vem. O primeiro poeta que vi declamar estes versos foi o Roberto dos Santos, e isto faz tanto tempo, com teatralidade, com jogo de mãos, com suspense. Foi possível a platéia ver o tal morcego em seus voos cegos, rasantes e certeiros.
E o verso surge quando me lembro do último verão, quando um morcego caiu pela chaminé da lareira e adentrou na sala. Era o espírito do Augusto dos Anjos, tenho certeza. Então lá vai o verso: O morcego / Entrou pela janela aberta / Do meu quarto / Fez alguns malabarismos / E seguiu para a sala. / Penso que buscava / Encontrar a lareira / Com suas paredes / Aconchegantes e encarvoadas. / Mas voou com destreza / Desviando dos móveis / E do grande lustre central. / Por fim pousou / Num canto qualquer / Uma tela tétrica e sem moldura / Na penumbra de minhas visitas. / Mais parecia um anjo do céu / Do que uma criatura das cavernas / O mais augusto dos anjos / Desses que visitam a terra / A cada cem anos ou mais / E chegam no resplendor das manhãs / E derramam sua marca / Sobre nossas crenças pagãs. Acho que consegui! Acho que consegui! Aí está a homenagem: as paredes aconchegantes e encarvoadas simbolizam muito bem o poeta paraibano que morreu tão jovem, com apenas um livro de poemas publicado, e de forma artesanal. Mas que se perpetuou ao longo dos anos. E a expressão o mais augusto dos anjos não ficou o máximo? O nome do homenageado ficou disfarçado dentro do verso. De onde meu cérebro tirou isso? Que mecanismo desencadeou neste verso? Mas o importante é que consegui o meu intento. Este aí é o resultado final. Joguei fora todo o exercício de trocar palavras, mudar versos, pontuação, até chegar neste resultado. Joguei fora aquela coisa gostosa que provoca suor e bons versos. Melhor assim. Desta forma não ficou sabendo o mistério e o suor que resulta em versos.
(Crônica gentilmente enviada por Borges Netto, escritor do Clube Literário de Gravataí/RS)

Versos Íntimos
(Augusto dos Anjos, 1912, “Eu”)

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

MC Leonardo e MC JúniorTá tudo errado (s/d): Outro exemplo da decadência como tema poético.


Da GuedesDr. Destino (2009): Precursores do Hip Hop em Porto Alegre nos anos 1990.

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