quinta-feira, 25 de abril de 2013

Dia do Livro e do Autor


Henri “Douanier” Rousseau, Cigana a Dormir, 1897


Pedidos de um Livro ingênuo e romântico em seu aniversário
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)

Leitor querido,

ando confuso. No último dia 23 fiz aniversário, mas como uma criança que nasce sem certidão, no interior desse Brasil, já não sei mais quantas velinhas assopro. A contar da data de meu culto contemporâneo tenho apenas 18 aninhos, estou recém alcançando a maioridade. Afinal, foi só em 1995 que os meus amigos da ONU escolheram esse dia para me celebrar, inspirados em alguns dos mais íntimos companheiros que já tive, falecidos, justamente, em 23 de abril: Shakespeare, Cervantes e Josep Pla.
            Mas, indo mais fundo em minhas origens históricas, perco-me nas brumas do tempo. Há, no mínimo, 5000 anos escribas vêm desenhando ideogramas, números, fonemas, letras e ilustrações contando histórias totalmente inventadas, histórias só um pouco inventadas, anotando pilhas de dados e cálculos, reunindo cartas e poemas e canções e lições e lendas e bobagens e mitos e ritos religiosos, mas também pornográficos.
            Sendo assim, não sei mais quem são meus pais – Chineses? Indianos? Mesopotâmios? Egípcios? Extraterrestres? Ou seria meu pai, de fato, João Gutenberg (1398-1468), o inventor da imprensa? Aquele que minimizou o sofrimento dos meus leitores, substituindo o chamegão dos manuscritos pelas máquinas impressoras.
            Independente dos anos que me cabem, faço, agora, ao apagar as minhas velas, indispensável leitor e amigo de todas as horas, os seguintes pedidos silenciosos:
(para encerrar a polêmica da minha idade, meu psicólogo acendeu duas velas votivas 7 dias sobre o bolo de chocolate)

1) Não temas o e-book, o e-reader e a blogosfera. Nenhum desses novos amantes substituirá meu charme, encanto e sedução. Panela velha ainda faz comida boa.

2) Não se esqueça, leitor: basta um dia de sol, um par de olhos (ou, às vezes, nem mesmo isso) e lhe convido a viajar sem a necessidade de drogas, passaporte, ônibus, navio, pernas ou avião;

3) Não leia apenas os best-sellers e os livros de autoajuda, pois os feios também amam;

4) Existem escritores na sua cidade, não apenas os Prêmios Nobel escrevem bem;

5) O português é muito mais rico do que a língua inglesa, também bacana, confesso, mas não esqueça que enquanto remas para aprender english poderias aprender, desde a escola básica, os princípios do espanhol, do italiano e do francês, devido a origem latina comum dessas línguas com o português;

6) Eu não sou sempre melhor do que o filme; um filme parte de uma estrutura narrativa, de uma linguagem e técnica radicalmente diferentes da minha; claro, mas eu sou sempre melhor do que um filme;

7) Talvez o único individualismo decente que há seja o do leitor atracado num livro: esta solidão, nem eufórica, nem depressiva, pode fortalecer o espírito e aproximá-lo, leitor, das outras almas humanas, tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais em seus dramas aqui no inferno terreno;

8) Como meu querido amigo Luiz Antônio de Assis Brasil ensinou em entrevista recente, ao meu compadre, o jornal Rascunho: “nunca ‘devorar’ um livro. Pois tudo que é devorado não é retido pelo estômago”;

9) Bibliotecas escolares públicas poderiam se transformar em bibliotecas comunitárias se além de forrar as suas prateleiras de livros, entre outras coisas, prefeituras e governos abrissem concursos públicos para bibliotecários profissionais;

10) Histórias em Quadrinhos (HQ´s) também são literatura. Os adolescentes que hoje, no Brasil, se alfabetizam na internet (especialmente nas redes sociais) entre os anos 1970 e 1990, alfabetizavam-se com os gibis da Disney e do Maurício de Sousa, da Marvel e da DC;

11) Tenho medo ainda, leitores, da censura e dos moralistas; assim como, de acadêmicos pedantes, engajados em dizer como eu deveria ser e não sou;

12) Professores podem ter mais intimidade comigo: contos, poemas, crônicas, biografias podem ajudar a qualquer área do conhecimento nas lides educativas;

13) Eu, como bom romântico, afirmo: nunca levem muito a sério o mito do escritor genial, visionário, rebelde, contra tudo e todos, que se retira do mundo em meio a sua loucura pessoal, “reinventa” a arte e faz tudo sozinho, isoladamente – é que a literatura também é construção coletiva, embora dependente de talentos subjetivos, buscas pessoais, ela pode, sim, agregar criadores, editores, leitores beneficiando os umbigos, em geral;

14) Novamente, aos mestres professores, tão parceiros e solidários para comigo: não sejam levianos taxando os jovens como “ignorantes que não leem, não sabem escrever”. É vossa função, e de mais ninguém, levá-los a melhorar nesses caminhos, embora, pais com maior nível de escolaridade, geralmente, favoreçam a formação de leitores em família;

15) Que me manuseiem, risquem, dobrem, desdobrem, lambam e me passem adiante; posso e quero ser um sabonete em círculos de leitores;

16) Deixo aqui um abraço aos “povos dos livros”: judeus, cristãos e muçulmanos que me tratam como um ser divino (Torá, Bíblia, Corão) ou demoníaco, queimando-me em fogueiras públicas;

17) Deixo aqui outro abraço aos ateus e humanistas, que me transformam em religião secular e materialista libertando cacholas e corações com sua fé no homem e na mulher;

18) Lembro aos universitários que, meu vigoroso amigo, o Google, ainda não substituiu por completo a utilidade de bons dicionários e gramáticas na hora de redigir artigos e trabalhos de conclusão de curso, assim como, dissertações e teses de pós-graduação;

19) Tenho bem mais a dizer, leitores, mas além de muito comovido, uma criança de cinco aninhos, longe dos olhos cuidadosos de sua babá, fica sozinha comigo agora, retira-me da baixa estante em que repousava e rasga-me mastiga-me amassa-me fazendo buchinhas do resto de minhas páginas e jogando-me na cabeça do seu ga...

Calle 13La Bala (2012):


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