Henri “Douanier” Rousseau, Cigana a
Dormir, 1897
Pedidos de um Livro ingênuo e
romântico em seu aniversário
(C. A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)
Leitor querido,
ando confuso. No último dia 23 fiz aniversário,
mas como uma criança que nasce sem certidão, no interior desse Brasil, já não sei
mais quantas velinhas assopro. A contar da data de meu culto contemporâneo
tenho apenas 18 aninhos, estou recém alcançando a maioridade. Afinal, foi só em
1995 que os meus amigos da ONU escolheram esse dia para me celebrar, inspirados
em alguns dos mais íntimos companheiros que já tive, falecidos, justamente, em
23 de abril: Shakespeare, Cervantes e
Josep Pla.
Mas,
indo mais fundo em minhas origens históricas, perco-me nas brumas do tempo. Há, no mínimo, 5000 anos escribas vêm desenhando ideogramas, números, fonemas,
letras e ilustrações contando histórias totalmente inventadas, histórias
só um pouco inventadas, anotando pilhas de dados e cálculos, reunindo cartas e poemas
e canções e lições e lendas e bobagens e mitos e ritos religiosos, mas também
pornográficos.
Sendo
assim, não sei mais quem são meus pais – Chineses? Indianos? Mesopotâmios?
Egípcios? Extraterrestres? Ou seria meu pai, de fato, João Gutenberg
(1398-1468), o inventor da imprensa? Aquele que minimizou o sofrimento dos meus
leitores, substituindo o chamegão dos manuscritos pelas máquinas impressoras.
Independente
dos anos que me cabem, faço, agora, ao apagar as minhas velas, indispensável
leitor e amigo de todas as horas, os seguintes pedidos silenciosos:
(para
encerrar a polêmica da minha idade, meu psicólogo acendeu duas velas votivas 7 dias sobre o bolo de chocolate)
1) Não
temas o e-book, o e-reader e a blogosfera.
Nenhum desses novos amantes substituirá meu charme, encanto e sedução. Panela
velha ainda faz comida boa.
2)
Não se esqueça, leitor: basta um dia de sol,
um par de olhos (ou, às vezes, nem
mesmo isso) e lhe convido a viajar sem a necessidade de drogas, passaporte,
ônibus, navio, pernas ou avião;
3) Não
leia apenas os best-sellers e os livros de autoajuda, pois os feios também
amam;
4)
Existem escritores na sua cidade, não apenas os Prêmios
Nobel escrevem bem;
5) O
português é muito mais rico do que a língua inglesa,
também bacana, confesso, mas não esqueça que enquanto remas para aprender english poderias aprender, desde a escola
básica, os princípios do espanhol, do italiano e do francês, devido a origem latina comum dessas línguas com o português;
6) Eu
não sou sempre melhor do que o filme;
um filme parte de uma estrutura narrativa, de uma linguagem e técnica
radicalmente diferentes da minha; claro, mas eu sou sempre melhor do que um filme;
7)
Talvez o único individualismo decente que
há seja o do leitor atracado num livro: esta solidão, nem eufórica, nem
depressiva, pode fortalecer o espírito e aproximá-lo, leitor, das outras almas
humanas, tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais em seus dramas aqui no
inferno terreno;
8)
Como meu querido amigo Luiz Antônio de
Assis Brasil ensinou em entrevista recente, ao meu compadre, o jornal Rascunho: “nunca ‘devorar’ um livro. Pois tudo que é devorado não é retido pelo
estômago”;
9) Bibliotecas escolares públicas poderiam se
transformar em bibliotecas comunitárias se além de forrar as suas prateleiras
de livros, entre outras coisas, prefeituras e governos abrissem concursos
públicos para bibliotecários profissionais;
10) Histórias em Quadrinhos (HQ´s) também são
literatura. Os adolescentes que hoje, no Brasil, se alfabetizam na internet
(especialmente nas redes sociais) entre os anos 1970 e 1990, alfabetizavam-se
com os gibis da Disney e do Maurício de Sousa, da Marvel e da DC;
11) Tenho medo ainda, leitores, da censura e dos
moralistas; assim como, de acadêmicos pedantes, engajados em dizer
como eu deveria ser e não sou;
12) Professores podem ter mais intimidade comigo:
contos, poemas, crônicas, biografias podem ajudar a qualquer área do
conhecimento nas lides educativas;
13) Eu,
como bom romântico, afirmo: nunca levem muito a
sério o mito do escritor genial, visionário, rebelde, contra tudo e todos, que
se retira do mundo em meio a sua loucura pessoal, “reinventa” a arte e faz tudo
sozinho, isoladamente – é que a literatura
também é construção coletiva, embora dependente de talentos
subjetivos, buscas pessoais, ela pode, sim, agregar criadores, editores,
leitores beneficiando os umbigos, em geral;
14) Novamente,
aos mestres professores, tão parceiros e
solidários para comigo: não sejam levianos taxando os jovens como “ignorantes
que não leem, não sabem escrever”. É vossa função, e de mais ninguém, levá-los
a melhorar nesses caminhos, embora, pais
com maior nível de escolaridade, geralmente, favoreçam a formação de
leitores em família;
15)
Que me manuseiem, risquem, dobrem, desdobrem, lambam e me passem adiante; posso
e quero ser um sabonete em círculos de
leitores;
16) Deixo
aqui um abraço aos “povos dos livros”: judeus,
cristãos e muçulmanos que me tratam como um ser divino (Torá, Bíblia, Corão) ou
demoníaco, queimando-me em fogueiras públicas;
17)
Deixo aqui outro abraço aos ateus e
humanistas, que me transformam em religião secular e
materialista libertando cacholas e corações com sua fé no homem e na mulher;
18)
Lembro aos universitários que, meu vigoroso amigo, o Google,
ainda não substituiu por completo a utilidade de bons
dicionários e gramáticas
na hora de redigir artigos e trabalhos de conclusão de curso, assim como,
dissertações e teses de pós-graduação;
19) Tenho bem mais a dizer, leitores, mas
além de muito comovido, uma criança de cinco aninhos,
longe dos olhos cuidadosos de sua babá, fica sozinha comigo agora, retira-me da
baixa estante em que repousava e rasga-me mastiga-me amassa-me fazendo buchinhas
do resto de minhas páginas e jogando-me na cabeça do seu ga...
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Tom Zé – Todos os olhos (1973):
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