Saul Steinberg, Garota na banheira, 1949
Conheci
uma moça linda numa banheira, acho. Ela me disse que queria me namorar. Fiquei todo
contente. Mas antes ela me propôs um jogo. Topei de antemão. Entendo que o amor é um
jogo de seduções. Então topei de antemão mesmo, fosse qualquer jogo que fosse. Ela
ficaria comigo, casaria comigo, se eu descobrisse qual o seu estilo, sua tribo,
sua vibe. Saímos os dois então, em
pleno dia, para baladas, festas e outros eventos sociais. Havia baladas, festas
e eventos sociais em pleno dia naquela época. Na ocasião em que nos conhecemos
ela vestia água, modelito imparcial.
Karol Konká – Gandaia
(2012): Logo
de cara fomos a uma boate em São Leopoldo. Como ela só ficaria comigo após eu decifrar
seu enigma, e se o decifrasse corretamente, claro, não recebi nem sequer um
beijinho durante a festa. Mas pedi uma água mineral com gás e conclui que ela não
faria tanto mistério se sua rotina de final de semana fosse simplesmente a
gandaia.
Luiz Marenco – Batendo
Água (2007): Da balada
fomos direto a um CTG. O taxista foi de São Léo a Sapucaia se queixando dos
assaltos na região. E lá batia água e a moça inclusive fez uma trança de china,
amarrando-me um lenço maragato no pescoço. Sentia uma fome que doía, mas perdemos o churrasco, inclusive o carreteiro. Botaria ela o pezinho bem
juntinho ao meu, vivendo de passado?, perguntei ao Quero-Quero.
Caetano Veloso – Homem (2012): Desde o CTG, chegamos ao Salão de Atos da UFRGS. E o Caetano a cantar com sua
banda de rock e jazz sobre ser macho. Pensei em abraçar Helena, era esse o nome
da guria da banheira, tão cheirosinha!, mas logo a música acabou e já nos vimos
novamente num táxi...
Shaka Ponk – My
name is Stain (2012): …em plena Cidade Baixa chegamos à outra casa
noturna. Pela cara, beicinho e narizinho arrebitado, Helena não havia gostado
da MPB. E agora se soltava, dançando e rebolando. Ou poderia estar de sacanagem,
a me enganar? Todavia eu ficava cada vez mais impaciente, inclinando-me a
pegá-la pelo braço, revelando de súbito: tu é do agito, hedonista, epicurista,
porra louca, guria... Mas, no contrato que firmamos, inclusive em cartório, se
eu soltasse o verbo antes da turnê acabar eu deveria passar a noite com o irmão
dela... Calei-me angustiado e ciente que já tinha a resposta para a Esfinge.
Gui Rebustini – Nosso
Deus
(2013): Espírita,
temo a Deus e ao fogo do Inferno também. Mas fiquei desnorteado quando chegamos
ao Templo. O que queria ela? Convencer-me que era cristã fiel crente?
Oferecer-me conforto espiritual para encarar a provação em que me metera? Ou
frente aos pecados que cometeríamos após a já cansativa brincadeira de detetive
anteciparíamos ali na Igreja a purificação de nossas almas? Ciente que seu
intuito era me confundir, mas um pouco ressabiado por saber que atrizes-pornô e
pistoleiros às vezes se convertem, então, pensei, há-há, essa moça não me pega:
é agnóstica, porque se fosse de fato evangélica seria pecado rebolar até o chão,
beber vodca, como fizera há pouco. Lisa essa mulher, hein?
Eyshila – Jesus,
o Brasil quer te adorar (2012): Só pra dificultar as coisas, ainda mais, Helena
saiu de um Templo e foi para outro: mais uma Igreja Neopentecostal. Fiquei
pensando se “ordem e progresso” também estaria escrito na Bíblia e se nas próximas
paradas a real personalidade de Helena se revelaria por inteira.
Racionais MC´s – Marighella
(2012):
Já amplamente embaralhado por Helena, que parecia ficar mais e mais linda
a cada volteada, senti-me um pouco confortado quando chegamos ao Hip Hop
e lá cantavam sobre o comunismo. Na faculdade de Geografia participei do centro
acadêmico, inclusive colaborei com a setorial de juventude do PT, certa vez.
Portanto, homem de esquerda, cheguei ao paradoxo de pedir a Deus (acho que mais
por influência dos cultos por que passamos mesmo) que a bela Helena fosse de
fato uma universitária marxista. Tudo ficaria em casa assim...
Marylin Manson – The
beautiful people (2009):
Extenuado
de saracotear por aí e com tanta informação na cabeça, mas ainda louco por um
xaveco, agi firme e decididamente: “Helena, ainda iremos para mais algum
lugar”? Falava aos berros em meio ao show de rock e como se imitasse minha mãe no tom de voz quando braba Helena disse
“Eu não sei pra onde você vai, moleque, mas pode parar de me seguir ou então
chamo meu namorado, fedelho”! Com olhos fundos, pernas doídas e coração em
frangalhos, tendo de acordar cedo para o trabalho no dia seguinte, concluí que
Helena era garota volúvel mesmo, com bruscas mudanças de humor. Ou seja, gostava de todos os gêneros musicais
e, dependendo da ocasião, se adequava às diferentes tribos, inconstante. Afinal era bom gritar
como um roqueiro às vezes; filosofar como um filósofo diante das surpresas da
vida; festejar e farrear como se não houvesse amanhã; rezar a Deus na hora do
aperto; cultuar o passado quando não há perspectiva de futuro; até a
política por vezes é inevitável ou interessante ou a única coisa que resta.
Na
verdade na verdade eu não concluí nada da experiência com Helena. Mas achei uma
interpretação satisfatória num ensaio de dois pensadores franceses sobre a
globalização: pedi pro Albani colocar como frase da semana (ali do ladinho) embora
ainda esteja tentando entendê-la.
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