quinta-feira, 23 de maio de 2013

O enigma da garota da banheira

Saul Steinberg, Garota na banheira, 1949

                Conheci uma moça linda numa banheira, acho. Ela me disse que queria me namorar. Fiquei todo contente. Mas antes ela me propôs um jogo. Topei de antemão. Entendo que o amor é um jogo de seduções. Então topei de antemão mesmo, fosse qualquer jogo que fosse. Ela ficaria comigo, casaria comigo, se eu descobrisse qual o seu estilo, sua tribo, sua vibe. Saímos os dois então, em pleno dia, para baladas, festas e outros eventos sociais. Havia baladas, festas e eventos sociais em pleno dia naquela época. Na ocasião em que nos conhecemos ela vestia água, modelito imparcial.

Karol KonkáGandaia (2012): Logo de cara fomos a uma boate em São Leopoldo. Como ela só ficaria comigo após eu decifrar seu enigma, e se o decifrasse corretamente, claro, não recebi nem sequer um beijinho durante a festa. Mas pedi uma água mineral com gás e conclui que ela não faria tanto mistério se sua rotina de final de semana fosse simplesmente a gandaia.


Luiz MarencoBatendo Água (2007): Da balada fomos direto a um CTG. O taxista foi de São Léo a Sapucaia se queixando dos assaltos na região. E lá batia água e a moça inclusive fez uma trança de china, amarrando-me um lenço maragato no pescoço. Sentia uma fome que doía, mas perdemos o churrasco, inclusive o carreteiro. Botaria ela o pezinho bem juntinho ao meu, vivendo de passado?, perguntei ao Quero-Quero.


Caetano VelosoHomem (2012): Desde o CTG, chegamos ao Salão de Atos da UFRGS. E o Caetano a cantar com sua banda de rock e jazz sobre ser macho. Pensei em abraçar Helena, era esse o nome da guria da banheira, tão cheirosinha!, mas logo a música acabou e já nos vimos novamente num táxi...


Shaka PonkMy name is Stain (2012): …em plena Cidade Baixa chegamos à outra casa noturna. Pela cara, beicinho e narizinho arrebitado, Helena não havia gostado da MPB. E agora se soltava, dançando e rebolando. Ou poderia estar de sacanagem, a me enganar? Todavia eu ficava cada vez mais impaciente, inclinando-me a pegá-la pelo braço, revelando de súbito: tu é do agito, hedonista, epicurista, porra louca, guria... Mas, no contrato que firmamos, inclusive em cartório, se eu soltasse o verbo antes da turnê acabar eu deveria passar a noite com o irmão dela... Calei-me angustiado e ciente que já tinha a resposta para a Esfinge.


Gui RebustiniNosso Deus (2013): Espírita, temo a Deus e ao fogo do Inferno também. Mas fiquei desnorteado quando chegamos ao Templo. O que queria ela? Convencer-me que era cristã fiel crente? Oferecer-me conforto espiritual para encarar a provação em que me metera? Ou frente aos pecados que cometeríamos após a já cansativa brincadeira de detetive anteciparíamos ali na Igreja a purificação de nossas almas? Ciente que seu intuito era me confundir, mas um pouco ressabiado por saber que atrizes-pornô e pistoleiros às vezes se convertem, então, pensei, há-há, essa moça não me pega: é agnóstica, porque se fosse de fato evangélica seria pecado rebolar até o chão, beber vodca, como fizera há pouco. Lisa essa mulher, hein?


EyshilaJesus, o Brasil quer te adorar (2012): Só pra dificultar as coisas, ainda mais, Helena saiu de um Templo e foi para outro: mais uma Igreja Neopentecostal. Fiquei pensando se “ordem e progresso” também estaria escrito na Bíblia e se nas próximas paradas a real personalidade de Helena se revelaria por inteira.


Racionais MC´sMarighella (2012): Já amplamente embaralhado por Helena, que parecia ficar mais e mais linda a cada volteada, senti-me um pouco confortado quando chegamos ao Hip Hop e lá cantavam sobre o comunismo. Na faculdade de Geografia participei do centro acadêmico, inclusive colaborei com a setorial de juventude do PT, certa vez. Portanto, homem de esquerda, cheguei ao paradoxo de pedir a Deus (acho que mais por influência dos cultos por que passamos mesmo) que a bela Helena fosse de fato uma universitária marxista. Tudo ficaria em casa assim...


Marylin MansonThe beautiful people (2009): Extenuado de saracotear por aí e com tanta informação na cabeça, mas ainda louco por um xaveco, agi firme e decididamente: “Helena, ainda iremos para mais algum lugar”? Falava aos berros em meio ao show de rock e como se imitasse minha mãe no tom de voz quando braba Helena disse “Eu não sei pra onde você vai, moleque, mas pode parar de me seguir ou então chamo meu namorado, fedelho”! Com olhos fundos, pernas doídas e coração em frangalhos, tendo de acordar cedo para o trabalho no dia seguinte, concluí que Helena era garota volúvel mesmo, com bruscas mudanças de humor. Ou seja, gostava de todos os gêneros musicais e, dependendo da ocasião, se adequava às diferentes tribos, inconstante. Afinal era bom gritar como um roqueiro às vezes; filosofar como um filósofo diante das surpresas da vida; festejar e farrear como se não houvesse amanhã; rezar a Deus na hora do aperto; cultuar o passado quando não há perspectiva de futuro; até a política por vezes é inevitável ou interessante ou a única coisa que resta.
        Na verdade na verdade eu não concluí nada da experiência com Helena. Mas achei uma interpretação satisfatória num ensaio de dois pensadores franceses sobre a globalização: pedi pro Albani colocar como frase da semana (ali do ladinho) embora ainda esteja tentando entendê-la.


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