quinta-feira, 30 de maio de 2013

Os Canibais e o Corpo de Cristo

Lygia Clark, Baba Antropofágica, 1973

1.
Corpus Christi – O corpo de Cristo
Uma introdução ao canibalismo

Eis a festa católica que celebra / o ritual da Eucaristia / inventado na Última Ceia = A hóstia e o vinho dos cultos (também Igrejas protestantes devoram o corpo de Cristo) e Missas / a lembrar aos esquecidos, tontos e infiéis da crucificação de Jesus. / No ano de 1243 / Em Liège, Bélgica / A freira Juliana de Cornion / Conversou / Pessoalmente / Com Cristo / E este salientou / A importância que deveria ter / o ritual eucarístico / Assim em 1264 / O Papa Urbano IV / Consolidou a cerimônia / Entre toda a cristandade / Inclusive com data comemorativa – onze dias após o Domingo de Pentecostes / Quem escreveu / a liturgia / da Missa / de Corpus / Christi / Usada até hoje / Foi o famoso filósofo Santo Tomás de Aquino (1225-1274). / É a Idade Média / Ainda no encalço / Do / Mundo / Moderno. 
(Albani da Silva, original de 06.06.2012, revisto e ampliado em 30.05.2013)


2.
Montaigne aprofunda a polêmica

            Escrevi sobre o assunto em 1580, em meus “Ensaios”, mais precisamente no capítulo “Sobre os canibais”, por isso, recomendo aos leitores, antes de tudo, procurarem pela obra original. Mas a pedidos do Albani resumo aqui a polêmica da semana, que trato em meu livro há tantos séculos, e ele no blog do “CoV”: os europeus exterminaram e escravizaram milhões de índios americanos e nações africanas na aventura da modernidade: em busca da riqueza, mas também em nome da (sua) civilização e da (sua) “verdadeira” fé – cristã. Consideraram um pecado diabólico os sacrifícios humanos dos astecas; assim como, execraram os rituais antropófagos realizados nas guerras dos índios brasileiros e da América Central – o canibalismo seria exemplo da barbárie em que viviam os índios: seres subumanos! 
           Mas acredito que o próprio ritual eucarístico, conforme inspirado pela Última Ceia entre Jesus e os apóstolos, descrita nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, corresponde a um gesto canibal! Além disso, quantas outras vezes nós impomos nossas crenças e valores, incluindo aí a Eucaristia, de forma autoritária e violenta aos povos estrangeiros? 
            Pois bem, conheci pessoalmente um índio Tupinambá no porto de Rouen em 1562, sendo que simultaneamente acompanhava os piores anos das guerras religiosas entre católicos e huguenotes na França do século 16: reafirmo então que devorar a carne humana assada, após o falecimento, num banquete festivo, conforme meu amigo Tupinambá fazia na França Antártica, ou para os portugueses, Brasil Colônia, é melhor do que torturar, machucar, ofender e maltratar como, por vezes, os civilizados cristãos europeus fizeram (para além das guerras religiosas entre os próprios cristãos): contra os hereges durante a Inquisição; contra os muçulmanos nas Cruzadas; contra os judeus na II Guerra; enfim, contra os próprios indígenas na América colonial como dizia acima. Claudiano escreveu “Victoria nulla est / Quam quae confessos animo quoque subjugat hostes”.  E eu escrevo “O bárbaro é apenas o desconhecido”...


3.
Hernán Cortés não se convence e continua acusando os índios de bárbaros

            Leitores do “CoV”, não concordo com esse discurso humanitário do Prefeito acima. Montaigne nasceu em berço de ouro, me informa minha assessoria de imprensa, sendo ele neto e filho de comerciante e político rico, respectivamente. Sendo assim, é fácil sentir compaixão pelos canibais vivendo de leituras, aposentado, desde os 38 anos de idade, como ele viveu. Eu estive em Ténochtitlán, hoje Cidade do México. Eu encarei o imperador Montezuma (ah! e amei a pequena Marina...). Nós civilizamos os índios! Sem nós eles ainda estariam na Pré-História, no Mesolítico ou qualquer porcaria assim... E passado os séculos agora ouço um insolente Neil Young a me chamar de “O Assassino”! Mas não dizimei sozinho 25 milhões de índios nas Américas durante o período Colonial. Outros conquistadores antes, durante e depois de mim também foram cruéis – numa guerra não é possível ser delicado (exceto com Marina, doce Marina, a concubina que roubei de Montezuma...). Eu, a gripe, as armas de fogo e outros colonizadores europeus talvez não tenhamos sido tão maus assim em comparação aos astecas, que viviam também num Império escravocrata: nós só substituímos de cabeça a Coroa real – de Montezuma para Carlos V; estou convicto: os astecas foram muito piores do que nós, sacrificando crianças e virgens (ah! minha pequena Marina, eu a salvei da degola) em rituais pagãos aos seus deuses asquerosos. Entretanto, gosto do Neil Young quando ele diz que eu “vim dançando pelas águas” em minha caravela...

Neil Young - Cortez, the Killer (1975): 

4.
Frei Bartolomé de Las Casas defende os índios

            Fico ao lado de Montaigne, apesar de sua religiosidade ambígua, nesse bate-boca contra um monstro ao qual à História chamou de “conquistador”: Hernán Cortés – só se foi conquistador de indiazinhas, como aquela traidora da Doña Marina. Pois eu (e todo colonizador moderno) é que fui um canibal, um antropófago! Sou filho de nobres espanhóis e cheguei à América, no que hoje é a Venezuela, sendo proprietário de uma “encomienda”, em 1502. E até 1515 devorei a carne indígena na minha fazenda, nas minhas minas. Porém, milagrosamente, converti-me e adentrei na Ordem Dominicana, pois entendi então que não poderia ajudar os nativos lutando entre eles, mas sim, subvertendo as diretrizes, crenças e ideologias dos próprios europeus colonizadores. Discordo apenas do sábio de Montaigne quanto ao canibalismo da eucaristia – ora que bobagem, o cristianismo também tem sido deturpado ao longo do tempo em nome da cobiça humana. Confesso que cheguei a acreditar que a escravidão negra fosse aceitável, mas logo percebi que era tão brutal quanto à indígena e foi a fé na Ordem Dominicana e em Nosso Senhor que abriram os meus olhos cegos pela riqueza. Sendo assim, minhas maiores conquistas pessoais foram a forte influência de minhas palestras, pregações e panfletos denunciando a violência espanhola atrás de ouro e prata na América o que inclusive levou o Papa, em 1537, a definir os índios como seres humanos, e não mais bichos, ou seja, gente como os brancos. E o meu livro “Um breve relato da destruição das Índias”, lançado em 1552 e que, até hoje, inspira movimentos progressistas na Igreja Católica. Falando nisso, aproveito a oportunidade aqui no “CoV” e desejo boa sorte ao Papa Francisco contra os herdeiros de Cortés dentro e fora da Igreja! Boa sorte, Francisco!!!

5.
Caeté que participou da cerimônia antropofágica que devorou o Bispo Sardinha e outros 90 navegantes portugueses nas Alagoas em 1556 esclarece um mal-entendido histórico

            A História sempre é uma grande confusão. Pobre dos historiadores que querem botar um sentido nos fatos da existência humana. Mas por mais talentosos que sejam, eles ainda levarão algum tempo até compreender que o mais famoso incidente canibal do Brasil Colônia, na verdade, foi o primeiro grande ato da conversão tupi-guarani ao cristianismo. Ouvimos Pero Fernandes Sardinha, o Bispo Sardinha, falando sobre a eucaristia em seus sermões e pensamos que precisávamos devorar o padre para absorver o espírito redentor de Jesus Cristo. Fazíamos isso há milênios com nossos adversários em sinal de respeito aos seus poderes mágicos e dons divinos. Pensamos então que estávamos agradando...

6.
Santo Tomás de Aquino foge da raia
            O que tinha para falar quanto à Eucaristia coloquei na liturgia da Missa. Sendo assim, respondo a Montaigne e a todos os detratores da Civilização Ocidental (ateus e pagãos em geral) com as mesmas palavras que enviei ao Albani em sua postagem de Corpus Christi em 2012 (08/06): “O ato mais específico da fortaleza, mais do que atacar, é aguentar, isto é, manter-se imóvel em face do perigo”.


Jorge Ben JorAssim falou Santo Tomás de Aquino (1975):


Legião Urbana Índios (1992):


Clark Art CenterBaba antropofágica de Lygia Clark (1920-1988) [2012]: 


Como era gostoso o meu francêsDir. Nelson Pereira dos Santos (1971): 

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