quinta-feira, 6 de junho de 2013

Ingenuidade = Simplicidade?

Andy Warhol, Cifrão, 1981

 Um conto e uma crônica com sabor rural na "Semana do Meio Ambiente"...

O presente
(Paula Luersen*)

Domingo. Tarde.

- Mãe!
- Hum?
- Mãe posso falar com a senhora?
- Sim, sim. Tô escutando. Só não posso parar de mexer a geléia. Tá no fogo e pode queimar.
- Tá. Lembra que a senhora falou que quando eu decidisse o que ia querer de presente de aniversário eu era pra falar?
- Sim.
- Eu decidi hoje!
- Hum.
- Mãe. Eu quero uma calopsita!
- ...
- É só isso que eu quero ganhar.
- Acho que eu não escutei direito. Tem que mexer aqui ou gruda no fundo da panela...
- Eu quero uma calopsita. A Adriana tem uma que ela ganhou do pai e da mãe dela. É tão bonita! Tem que ver! Mãe? Tá pronta a geléia? A senhora parou de mexer. Mãe?
- Ah. Sim. Mexer. Tem que mexer. Pode queimar. Filha, você tem certeza que é isso que você quer de presente?
- Sim mãe.
- Hum. Busca o outro tacho pra mim.

Domingo. Noite.

- Genésio...
- Quê?
- A caçula veio me dizer hoje que já decidiu o presente de aniversário.
- Ah sim. Faltam poucos dias. O que a pequena quer?
- Uma calopsita.
- ...
- ...
- O que ela quer?
- Uma calopsita! Igual da Adriana, a amiguinha dela.
- ...
- Você compra quando for pra cidade?
- Cada uma. No meu tempo, Cilda, a gente ganhava peão, bolita, carrinho de rolimã!
- Qual o problema dela ganhar uma calopsita? Deixa a menina!
- Mas e ela não falou em outra coisa?
- Não. É só isso que ela quer.
- É que é caro. Muito caro! Amanhã eu vejo isso lá na cidade então.
- Boa noite.
- Boa noite.

Domingo. Madrugada.

- Cilda?
- Quê?
- Você ainda não dormiu?
- Não. Pelo jeito você também continua acordado.
- É.
- Genésio...
- Diga.
- Você pode me dizer o que é uma calopsita?
- ...
- Genésio!
- Ah Cilda! Não sei te explicar exatamente.
- Mas tenta.
- Aaaai que sono!
- É só dizer o que é.
- ...
- Gené...
- Tá bom Cilda!  Eu não faço idéia do que é essa coisa!
- Você disse que era caro!
- Calopsita! Só pode ser caro! Deve ser um daqueles brinquedos modernos que rodam, cantam e tem luzinhas. Por que você não perguntou pra pequena quando ela falou que queria?
- É que ela me disse que os pais da Adriana compraram uma. A Adriana é aquela menina que mora lá na cidade. O pai dela é doutor que cuida das vistas e a mãe é professora. Não queria que nossa caçula pensasse que a mãe não sabe o que é o que ela quer de presente.
- É verdade. Ia parecer que a gente não sabe de nada.
- Sim! Sim. Eu penso que deve ser uma jóia, que nem esmeralda, rubi. Imagina. Brincos. Um anel de calopsita!
- Quando você falou, eu pensei logo que era peça de carro. Não entendo muito de carro, mas lembro que o Antônio vendeu o dele por causa dos problemas no motor, no carburador. As calotas tavam velhas e se não me engano era a calopsita que também tava falhando.
- Mas pra que ela ia querer isso Genésio?
- Pois é. Vai ver ela inventou um nome!
- Não. Ela disse que a Adriana tinha uma toda bonita. As duas saíram pra brincar e ela voltou hoje com essa história.
- Ah... Acho então que deve ser uma boneca. De brincar? Bonita? As crianças nessa idade brincam de boneca!
- É. Parece. E como a gente vai ter certeza?
- Amanhã eu vejo isso na cidade. Não vou sair perguntando claro, mas dou um jeito. Vai ver é uma boneca que lançaram agora. Acho que é.
- Vou fazer umas perguntas pra pequena amanhã. Se for um novo modelo daquelas Barbies, Paquitas, eu descubro...
- Boa noite.
- Boa noite.

Segunda-feira. Manhã.

- Quero pão com geléia mãe!
- Sim. Espera que a mãe tá fazendo.
- Huuuum... tá um cheiro bom!
- Filha. Você nem me contou como foi lá na Adriana. Brincaram muito de boneca?
- Sim mãe. A gente brincou bem bastante.
- E a calopsita, hein? Como é a da Adriana?
- Mãe! Tem que ver. É azulzinha com branca. Bem bonita!
- Azul?
- Sim, ela até canta!
- Nossa. Que moderno...
- A gente ficou rindo que ela é toda arrepiada. Fica engraçado quando ela voa.
- Voa???

Segunda-feira. Noite.

- E então Cilda? Descobriu?
- Prefiro não falar sobre isso Genésio.
- Por quê? É o presente da nossa caçula!
- Se for mesmo uma boneca, como você disse, ela é toda arrepiada. Canta. E mais. Ela voa. Voa Genésio!
- Isso deve custar uma nota.
- Sim, deve vir com controle junto. Que nem o carrinho do Felipe. Lembra? Virava até cambalhota. Aquele aniversário nos custou caro. Você não soube de nada na cidade?
- Fui numa loja de brinquedos e nada. Quando era a hora do intervalo lá na fábrica pensei que quem sabe podia ser uma bicicleta! No meu tempo tinha Calói! Mas não era.
- E essa agora! Já viu bicicleta que voa?
- Mas eu não sabia ainda que a coisa tinha que voar Cilda!
- Pois é. É verdade.
- ...
- ...
- Voa. Canta. O que mais que ela disse mesmo?
- Que era azul com branca.
- ...
- ...
- Isso até parece passarinho...
- É. Só que... pedir um passarinho de presente de aniversário?
- É. Não pode ser. É cheio de passarinho por aqui. As crianças até já acostumaram, nem prestam atenção neles. É que pra cantar. Voar!
- Hoje em dia tem cada brinquedo. A gente nem acredita.
- Amanhã eu vou de novo na loja então. Dou um jeito. Prometo que acho e compro a calopsita! Mas tem que vir com o controle!
(*Paula Luersen é Mestre em Artes Visuais pela UFSM)


The ReplacementsBastards of Young (2006):


Café TacubaOlita Del Altamar (2013): 


Leia com os olhos fechados
(Claiton Manfro *)

O vento era suave e constante, as folhas do cinamomo caíam lentamente, a fumaça que saía da água do chimarrão embaçava a visão da várzea, mal dava pra enxergar o açude e o gado que descansava do pastar.

Perto do poço, na frente do galpão, um cachorro dormia sossegado e as galinhas, na eterna rotina de procurar minhocas, cacarejavam displicentemente. Era hora da cesta, todos e quase tudo dormia, mas eu, acordado, registrava tudo com um olhar bucólico e saudoso.

Nem os anús, que pousavam nas bananeiras, faziam barulho.

Tirei as alpargatas e resolvi caminhar pelo cenário, fiz a volta na casa, passei pelo galinheiro, o chiqueiro e parei ao lado do cata-vento, no lugar mais alto do pátio. Sentei em um velho tronco de figueira, o cheiro que vinha do campo me distraia tanto que nem sentia mais as rosetas nos pés. Fiquei ali por horas observando as formigas, as cigarras e as pequenas preás que atravessavam o terreno apressadamente.  

Mais tarde, depois de disputar as minhocas com as galinhas e organizar a pescaria, fui pra mesa do café. O pão fresquinho e a chimia de abóbora acompanhados do café com leite davam a sustância pra longa noite na beira do açude.

Não precisava pegar peixe, queria mesmo era pescar estrelas e silêncios. Sentando naquela taipa ouvindo o ronco dos sapos, o zunido dos mosquitos e o ruminar das vacas, também ruminei pensamentos.

Pensei que a lua é a irmã mais velha dos pesqueiros e pescadores / que os lambaris não crescem pra dar ar de criancice às águas doces / que todas as águas são doces, até as do mar / que o pão de casa e a chimia feitos por mãos maternas ganham grau de importância quando degustadas perto das mães / que no fundo os picumãs são farelos que os anjos deixam espalhados na cozinha / que o esterco do gado guarda mesmo o perfume das reminiscências – das lembranças imortais e que a vida não passa dum pescar.
(*Claiton Manfro é Diretor do CISCO Teatro, ator e pesquisador)


Quinteto VioladoPalavra Acesa (2011): 



Gui AmabisTiro (2012): 

2 comentários:

  1. Há que haver um rei! Abraços. Francisco.

    ResponderExcluir
  2. "haveria de haver um rei entre os vândalos"

    Francisco.

    ResponderExcluir