sábado, 10 de agosto de 2013

Voto em branco

Thomas Gainsborough, Tristão e Raposa, 1775-85


O Vento que sopra a lucidez
(C. A. Albani da Silva)

1.    E se nas próximas eleições 83% dos votos em Brasília fossem em branco?
2.     E se a graça dos Protestos de Junho de 2013, tal qual a branca Pomba do Rio Jordão, ou do Espírito Santo, tanto faz, reaparecesse, agora nas urnas?
3.  Isto já aconteceu! Ao menos na fictícia Lisboa de José Saramago (1922-2010), conforme seu “Ensaio sobre a lucidez” (2004).
4.    Quatro anos após a epidemia de cegueira que acometeu meio-mundo a partir de Portugal.
5.     A nova epidemia foi justamente a do voto em branco.
6.   Os ministros do interior e da justiça colocaram espias nas ruas; interrogaram exatos 500 cidadãos.
7.  Mas os cidadãos levaram a lei ao pé da letra. Sendo o voto secreto, nenhuma autoridade pode exigir do eleitor que revele em quem votou.
8.   Os governantes da capital lusitana declararam estado de exceção, em seguida, estado de sítio. Muito confusos, transferiram a sede do governo central e do congresso para outra cidade; cercaram com as Forças Armadas entradas e saídas de Lisboa.
9. Políticos profissionais e polícias sumiram da cidade então. Os lixeiros ameaçaram greve: instigados pelo alarmismo apocalíptico da imprensa e pelos cutucos do ministério do interior.
10. Quando o lixo se acumulou nas calçadas, donas de casa saíram de pá e vassoura em mãos e recolheram a sujeira.
11.    Assim o governo, protagonista de uma fuga sem precedentes, de dar inveja até mesmo em Dom João VI, tentou a todo custo: “fazer-lhes (aos eleitores brancosos) perceber que um uso sem freio do voto em branco tornaria ingovernável o sistema democrático”.
12.  Sozinho na administração da metrópole o presidente da câmara municipal andou pelas ruas, conversou com brancoso e concluiu que o partido da situação, então o p.d.d. (partido da direita), mas também o partido da oposição (p.d.m. – partido do meio) e, quiçá, o nanico p.d.e. (partido da esquerda) não faziam falta alguma à população, que seguia sua vida em relativa tranquilidade.
13.  O ministro da defesa autorizou e uma bomba explodiu no metrô leste, vitimando 33 pessoas e fazendo o presidente da câmara renunciar ao cargo diante de tal covardia.
14.  O povo reagiu com uma marcha silenciosa e pacífica até o palacete do governo.
15.  Após o ato terrorista, que o governo e a imprensa fizeram de tudo para imputar aos brancosos, os eleitores do p.d.d. e do p.d.m tentaram também eles sair da cidade.
16.   A nova comitiva de fugitivos porém retornou aos seus lares por influência do discurso do 1º ministro que clamou pelo patriotismo dos conservadores legalistas contra os subversivos do voto em branco.
17.   Embora com muitas previsões funestas de retaliações contra os legalistas, ventiladas pela mídia, os brancosos gentilmente ajudaram aqueles a descarregar os carros, ampararam também seus velhinhos, em suma, acudiram os vizinhos em sua volta pra casa.
18.  Numa reunião do conselho de ministros o da justiça (se não me engano) sugeriu que podia haver alguma relação entre os votos em branco e a epidemia de cegueira que tomou as ruas 4 anos antes.
19.    Com discurso em cadeia nacional de rádio e TV, mais uma enxurrada de panfletos jogados desde as alturas por helicópteros oficiais, o presidente instigou as pessoas a equipararem o caos da cegueira com a atual rebelião do voto em branco.
20.  Justamente um dos sobreviventes da epidemia, o motorista a quem a tal cegueira 1º acometera, escreveu aos chefes de estado acusando a mulher do oftalmologista, exatamente quem lhe salvou, e a mais 5, nos tempos da falta de visão, de estar por trás desse boicote ao governo. Pois, como ele revelou na carta, ela foi a única pessoa a não cegar quatro anos antes.
21.  Três detetives entraram assim às escondidas em Lisboa para investigar os supostos líderes rebeldes.
22. Mais do que identificar as raízes da rebelião, o ministro do interior, em conflito pessoal com o premier, queria era criar falsas provas contra a mulher do oftalmo; ou seja, pretendia arranjar um bode expiatório para o caso singular dos brancosos.
23. A cidade prosseguia sossegada e tranquila, sem autoridades, governo, vigilância e polícia. As fábricas reduziram, de modo geral, o ritmo das suas atividades; o exército continuou controlando a chegada de alimentos; mas Lisboa parecia não sentir falta das velhas instituições.
24.  O comissário, chefe da investigação, nas cifras em que dialogava com o ministro do interior, papagaio do mar, já o ministro do interior, alcunhado albatroz, compreendeu em poucos dias de busca que, de fato, a mulher do oftalmo e seus amigos não tinham nada de líderes rebeldes.
25.  Porém, o ministro publicou nos jornais a foto da moça, do oftalmo e dos outros 5, apontando-os como as “cabeças” dos brancosos. Além da esposa do oftalmo ser acusada de assassinato: que de fato cometeu, mas contra um estuprador que violou as mulheres do manicômio em que os cegos pela epidemia foram postos de quarentena.
26.  Indignado, o comissário, ou papagaio do mar, escreveu artigo e o publicou num pequeno jornal de esquerda, que adaptou o texto para fazê-lo escapar da censura e assim denunciar o engodo, ou armação, governamental.
27.   Recolhido o jornal das bancas, os próprios cidadãos distribuíram desde as janelas dos apartamentos e de mão em mão mesmo fotocópias do artigo.
28.   Sentindo-se mais aliviado e esperançoso, o comissário relaxava em praça pública quando foi assassinado pelo homem da gravata azul com bolinhas brancas. E o ministro do interior ainda inventou que ele foi morto pelos brancosos, por ter revelado a identidade de sua liderança: a mulher do oftalmo que não ficara cega.
29. Metade do país saiu às ruas em protesto e assim o primeiro-ministro demitiu o ministro do interior.
30.  O homem da gravata azul com bolinhas brancas matou a mulher do oftalmo logo após levarem o oftalmo preso em algemas.

31.    Como será no Brasil ano que vem?

Nação ZumbiMaracatu atômico (2012): Célebre canção de Jorge Mautner e Nelson Jacobina a transbordar surrealismo. 

Zé RamalhoChão de Giz (1978): Outra porrada surrealista, agora de um poeta do sertão paraibano.


Seu Pereira e Coletivo 401 Menina E.T. (2013): Um brega que não tem nada de bobo lá de João Pessoa (PB).













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