Qual
o MENOR brasileiro de todos os tempos?
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
Tenho
um amigo dono de canal de televisão. Nunca cantei lá. Sabe como é,
meu amigo não gosta de parecer que está privilegiando os
conhecidos. Acredita na meritocracia. Mesmo assim, sabendo-me
especialista em História do Brasil, esse meu amigo rico me perguntou
em 2012: “Quem é o MAIOR brasileiro de todos os tempos”?. Eu
disse: “O maior é coisa muito grande que não cabe em lugar
nenhum. Comece pelo MENOR brasileiro de todos os tempos”. Ele me
agradeceu e, claro, não me ouviu. Depois disso eu fui pra casa
dormir. Estranhos sonhos me atacaram àquela noite. Fantasmas vieram
e se candidataram ao posto. A urna era de papel inclusive.
CAPITÃO
NASCIMENTO (?) – Sou um “herói” do cinema brasileiro,
torturador e pistoleiro, integrante da polícia militar carioca.
Protagonista dos filmes “Tropa de Elite” 1 & 2 (2007 e 2010,
respectivamente, Dir.: José Padilha), eu, Capitão Roberto
Nascimento, virei astro pop ao atuar na segurança pública do Brasil
agindo tal qual os criminosos. Soldado profissional, mas pai e marido
amador, virei Sub-Secretário de Inteligência no RJ. Como um bom
moço, ingênuo e logrado, percebi que era fantoche de políticos
pilantras.
DITADORES
MILITARES – Como uma espécie de Hidra de 5 Cabeças (nem um pouco
rara na fauna da América Latina), protagonizamos o Regime Militar
brasileiro (1964 a 1985). Fomos presidentes generais, eleitos pelos
próprios colegas militares na seguinte hierarquia (pilar virtuoso
para uma Nação Ordenada e Desenvolvida): 1) Humberto de Alencar
Castelo Branco (1897-1967); 2) Artur da Costa e Silva (1899-1969); 3)
Emílio Garrastazu Médici (1905-1985); 4) Ernesto Geisel
(1907-1996); 5) João Batista Figueiredo (1918-1999). Censura,
perseguições e torturas contra a oposição política; centenas de
mortos e desaparecidos; industrialização dependente da tecnologia e
do dinheiro de empresas estrangeiras; êxodo rural gigante;
destruição do primeiro período democrático brasileiro (1946 a
1964); crise da dívida externa; eis alguns trunfos nossos - Hidra
verde-oliva que viveu 21 anos. Tinha corrupção? Fale de novo e você
perde a língua.
DOMINGOS
JORGE VELHO (? – 1703): Fui Bandeirante. Procurei ouro nos sertões.
Caçador de índios e protagonista da destruição do Quilombo dos
Palmares em 1695. Matei Zumbi. Levei a cabeça dele para Recife com
André Furtado de Mendonça. Um absurdo esse negócio de não aceitar
a escravidão. Sem ela não haveria açúcar, ouro, café, algodão,
tabaco, no mundo moderno.
EU
(!) – Levanto na matina. Pego ônibus lotado. Sou trabalhador
assalariado. Gremista. Casei há 5 anos. Tenho duas amantes. Pai. Mas
só de vez em quando. Fazer filho é melhor que educar. Pago 1352
impostos. Só sei o nome de 2. Mas quem sofre mesmo é o empresário.
Tadinho: tanta burocracia. Sou Católico não-praticante. Não. Mais
ou menos Espírita. Não. Evangélico total. Não. Umbandista.
Cruzes. Isso era segredo. Sei lá. Político é tudo ladrão. Voto
nulo. Gosto de novela. De cerveja. Sou gremista. Ah! Já disse. Não
gosto de cemitério. Tenho medo. Mas não conte a ninguém. Conte que
gosto de loura. Furo fila e olho o pinto dos outros no banheiro do
shopping. Vou trabalhar na Copa. Só não sei se do bar ou do Mundo.
Morri aos 27 com uma bala perdida. Não. Nada. Num racha de carro na
Avenida Dorival. Amo carros. Creio na vida eterna. E em Deus. E no
revólver raspado que comprei. Gooooool. Dou tiros pro céu ganhando
Grenal. Só pra isso uso a arma. Amanhã pagaria a prestação 3458
do meu Fiat Uno. Começaria cursinho de Inglês e Informática. Fazer
o quê. Morri. Ou melhor. Me mataram. Não tinha soro, nem seringa,
nem agulha, nem esparadrapo, nem enfermeira, nem médico no Hospital
público. O médico só queria atender no seu escritório particular.
O consultório particular eu não tinha renda pra entrar. Sou
favorável a privatizar os hospitais mesmo assim. O meu vizinho
baixou com um problema igual ao meu e o Hospital público o salvou.
Não me sinto sozinho. Mas quando me sinto procuro mulher em cabaré
(ou na internet), não conseguindo vou ao padre ao pastor. Ler não
leio. Finjo ler a Bíblia. Mas é muito grande. Minha mãe me disse
que quem lê enlouquece.
FRODO
BOLSEIRO (2968 da 3ª Era do Sol - ?) – Sou um Hobbit, portanto não
passo de um metro de altura. Moro na Terra Média. Meu tio foi outro
famoso baixinho, Bilbo. Meu pai era inglês, J.R.R. Tolkien
(1892-1973) - escrevia livros. Se sou brasileiro? Bem, meu pai sempre
me ensinou que a ficção não tem pátria. Vote em mim! Afinal, o
Anel de Sauron me dá poder, deixando-me muito malvado ou, no mínimo,
atormentado. Além disso, brasileiro, desde 15oo, gosta mesmo é de
coisa do estrangeiro.
PEDRO
ÁLVARES CABRAL (1467-1520)– Falando em 1500 e no Brasil Colônia…
Chamava-me então Pedro Álvares de Gouveia quando, em nome d´El-Rei
Dom Manoel, comandei a esquadra que oficializou o controle português
das terras brasileiras, em 22/04 de 1500. Andei pela Índia e, após
a morte de meu irmão mais velho, herdei o sobrenome do pai –
Cabral. Corrigi alguns erros de português na carta do Caminha, ainda
que o meu forte fosse mesmo a Matemática. Chorei ao ver o grande
Bartolomeu Dias morrer no mar. Morrer no mar não é doce, não!
Enganaram-se os pescadores, os poetas e a música do Dorival Caymmi.
PC
FARIAS (1945-1996): Paulo César Farias. Fui tesoureiro da campanha
vitoriosa de Fernando Collor de Mello (1949) nas eleições para
Presidente de 1989. A primeira eleição com voto direto popular
desde 1960 pra Presidente! Só porque me desentendi com o irmão do
Collor, com a Veja e com a Grobo me acusaram de chefiar um enorme
esquema de corrupção. Ora, sem o dinheiro arrecadado na campanha,
Collor não teria desbancado o metalúrgico Lula (1945) naquele
pleito de 89. Segurei o monstro operário por mais de 10 anos. São
ingratos esses burgueses, não?
ROBERTO
COR-de-MARINHO (1904-2003): Jornalista e empresário. Fundei um
Império Grobal. Defendi a Hidra de 5 Cabeças nos editoriais do meu
tabloide. Ora, recebi deles a licença pra inaugurar minha rede
televisiva. Rede esta que ajuda a formar o imaginário popular
brasileiro há meio século. Virei imortal da Academia de Letras, por
isso.
ZÉ
PEQUENO (?): Perdeu preibói se me chamá de Dadinhu! Tipu nóis semu
confirmadu aqui na CDD nóis é que manda metê bala nos homi e nóis
trafica e paga arrego prus colega do Capitão Nascimento mais nóis é
que nem o Nascimento pobre e sanguinário. Vota em mim se não tu
acorda furado maguinata! Sarve sarve, Paulo Lins (1958).
[...]
Acordei
suado pra dedéu. Do meu lado, mas já sentados na cama, os amigos
LIMA BARRETO e o Major POLICARPO QUARESMA me acolhiam com estas
palavras de 1911:
“Iria
morrer, quem sabe naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua
vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria,
por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua
felicidade e prosperidade. Gastara sua mocidade nisso, a sua
virilidade também; e, agora, que estava na velhice, como ela o
recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o.
E o que não deixava de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo.
Não brincara, não pandegara, não amara – todo esse lado da
existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária,
ele não vira, ele não provara; ele não experimentara”.
Vuuuuush
P.S.:
Arte por Otto Dix, Rua de Praga, 1929.
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