Lygia Clark, Baba Antropofágica, 1973
1.
Corpus Christi – O corpo de Cristo
Uma introdução ao canibalismo
Eis a
festa católica que celebra / o ritual da Eucaristia / inventado
na Última Ceia = A hóstia e o vinho dos cultos (também Igrejas protestantes devoram
o corpo de Cristo) e Missas / a lembrar aos
esquecidos, tontos e infiéis da crucificação de Jesus. / No ano de 1243 / Em Liège, Bélgica / A freira Juliana de Cornion /
Conversou / Pessoalmente / Com Cristo / E este salientou / A importância que
deveria ter / o ritual eucarístico / Assim em 1264 / O Papa Urbano IV
/ Consolidou a cerimônia / Entre toda a cristandade / Inclusive com data
comemorativa – onze dias após o Domingo de Pentecostes / Quem escreveu / a
liturgia / da Missa / de Corpus / Christi / Usada até hoje / Foi o famoso
filósofo Santo Tomás de Aquino (1225-1274). / É a Idade Média / Ainda no encalço / Do / Mundo / Moderno.
(Albani da Silva, original de 06.06.2012,
revisto e ampliado em 30.05.2013)
2.
Montaigne aprofunda
a polêmica
Escrevi sobre o assunto em 1580, em
meus “Ensaios”,
mais precisamente no capítulo “Sobre os canibais”, por isso, recomendo aos leitores,
antes de tudo, procurarem pela obra original. Mas a pedidos do Albani resumo
aqui a polêmica da semana, que trato em meu livro há tantos séculos, e ele no
blog do “CoV”: os europeus exterminaram e escravizaram milhões de índios
americanos e nações africanas na aventura da modernidade: em busca da riqueza,
mas também em nome da (sua) civilização e da (sua) “verdadeira” fé – cristã.
Consideraram um pecado diabólico os sacrifícios humanos dos astecas; assim como, execraram os
rituais antropófagos
realizados nas guerras dos
índios brasileiros e da América Central – o canibalismo seria exemplo
da barbárie em que viviam os índios: seres subumanos!
Mas acredito que o próprio ritual eucarístico, conforme inspirado pela Última Ceia entre Jesus e os apóstolos, descrita nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, corresponde a um gesto canibal! Além disso, quantas outras vezes nós impomos nossas crenças e valores, incluindo aí a Eucaristia, de forma autoritária e violenta aos povos estrangeiros?
Pois bem, conheci pessoalmente um índio Tupinambá no porto de Rouen em 1562, sendo que simultaneamente acompanhava os piores anos das guerras religiosas entre católicos e huguenotes na França do século 16: reafirmo então que devorar a carne humana assada, após o falecimento, num banquete festivo, conforme meu amigo Tupinambá fazia na França Antártica, ou para os portugueses, Brasil Colônia, é melhor do que torturar, machucar, ofender e maltratar como, por vezes, os civilizados cristãos europeus fizeram (para além das guerras religiosas entre os próprios cristãos): contra os hereges durante a Inquisição; contra os muçulmanos nas Cruzadas; contra os judeus na II Guerra; enfim, contra os próprios indígenas na América colonial como dizia acima. Claudiano escreveu “Victoria nulla est / Quam quae confessos animo quoque subjugat hostes”. E eu escrevo “O bárbaro é apenas o desconhecido”...
Mas acredito que o próprio ritual eucarístico, conforme inspirado pela Última Ceia entre Jesus e os apóstolos, descrita nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, corresponde a um gesto canibal! Além disso, quantas outras vezes nós impomos nossas crenças e valores, incluindo aí a Eucaristia, de forma autoritária e violenta aos povos estrangeiros?
Pois bem, conheci pessoalmente um índio Tupinambá no porto de Rouen em 1562, sendo que simultaneamente acompanhava os piores anos das guerras religiosas entre católicos e huguenotes na França do século 16: reafirmo então que devorar a carne humana assada, após o falecimento, num banquete festivo, conforme meu amigo Tupinambá fazia na França Antártica, ou para os portugueses, Brasil Colônia, é melhor do que torturar, machucar, ofender e maltratar como, por vezes, os civilizados cristãos europeus fizeram (para além das guerras religiosas entre os próprios cristãos): contra os hereges durante a Inquisição; contra os muçulmanos nas Cruzadas; contra os judeus na II Guerra; enfim, contra os próprios indígenas na América colonial como dizia acima. Claudiano escreveu “Victoria nulla est / Quam quae confessos animo quoque subjugat hostes”. E eu escrevo “O bárbaro é apenas o desconhecido”...
3.
Hernán Cortés não
se convence e continua acusando os índios de bárbaros
Leitores do “CoV”, não
concordo com esse discurso humanitário do Prefeito acima. Montaigne nasceu em
berço de ouro, me informa minha assessoria de imprensa, sendo ele neto e filho
de comerciante e político rico, respectivamente. Sendo assim, é fácil sentir
compaixão pelos canibais vivendo de leituras, aposentado, desde os 38 anos de
idade, como ele viveu. Eu estive em Ténochtitlán, hoje Cidade do México. Eu
encarei o imperador
Montezuma (ah! e amei a pequena Marina...). Nós civilizamos os
índios! Sem nós eles ainda estariam na Pré-História, no Mesolítico ou qualquer
porcaria assim... E passado os séculos agora ouço um insolente Neil Young a me chamar de “O Assassino”! Mas não
dizimei sozinho 25 milhões de índios nas Américas durante o período Colonial.
Outros conquistadores antes, durante e depois de mim também foram cruéis – numa
guerra não é possível ser delicado (exceto com Marina, doce Marina, a concubina
que roubei de Montezuma...). Eu, a gripe, as armas de fogo e outros colonizadores
europeus talvez não tenhamos sido tão maus assim em comparação aos astecas, que
viviam também num Império escravocrata: nós só substituímos de cabeça a Coroa real
– de Montezuma para Carlos V; estou convicto: os astecas foram muito
piores do que nós, sacrificando crianças e virgens (ah! minha pequena Marina,
eu a salvei da degola) em rituais
pagãos aos seus deuses asquerosos. Entretanto, gosto do Neil Young
quando ele diz que eu “vim
dançando pelas águas” em minha caravela...
Neil Young - Cortez, the Killer (1975):
4.
Frei Bartolomé de Las Casas defende os índios
Fico ao lado de Montaigne, apesar de
sua religiosidade ambígua, nesse bate-boca contra um monstro ao qual à História
chamou de “conquistador”: Hernán Cortés – só se foi conquistador de
indiazinhas, como aquela traidora da Doña Marina. Pois eu (e todo colonizador
moderno) é que fui um
canibal, um antropófago! Sou filho de nobres espanhóis e cheguei à
América, no que hoje é a Venezuela, sendo proprietário de uma “encomienda”,
em 1502. E até 1515 devorei a carne indígena na minha fazenda, nas minhas
minas. Porém, milagrosamente, converti-me e adentrei na Ordem Dominicana, pois
entendi então que não poderia ajudar os nativos lutando entre eles, mas sim,
subvertendo as diretrizes, crenças e ideologias dos próprios europeus
colonizadores. Discordo apenas do sábio de Montaigne quanto ao canibalismo da eucaristia
– ora que bobagem, o cristianismo também tem sido deturpado ao longo do tempo em
nome da cobiça humana. Confesso que cheguei a acreditar que a escravidão negra
fosse aceitável, mas logo percebi que era tão brutal quanto à indígena e foi a
fé na Ordem Dominicana e em Nosso Senhor que abriram os meus olhos cegos pela riqueza.
Sendo assim, minhas maiores conquistas pessoais foram a forte influência de
minhas palestras, pregações e panfletos denunciando a violência espanhola atrás
de ouro e prata na América o que inclusive levou o Papa, em 1537, a definir os
índios como seres humanos, e não mais bichos, ou seja, gente como os brancos.
E o meu livro “Um
breve relato da destruição das Índias”, lançado em 1552 e que,
até hoje, inspira movimentos progressistas na Igreja Católica. Falando nisso, aproveito
a oportunidade aqui no “CoV” e desejo boa sorte ao Papa Francisco
contra os herdeiros de Cortés dentro e fora da Igreja! Boa sorte, Francisco!!!
5.
Caeté que participou da cerimônia antropofágica que
devorou o Bispo Sardinha e outros 90 navegantes portugueses nas Alagoas em 1556
esclarece um mal-entendido histórico
A História sempre é uma grande
confusão. Pobre dos historiadores que querem botar um sentido nos fatos da
existência humana. Mas por mais talentosos que sejam, eles ainda levarão algum
tempo até compreender que o mais famoso incidente canibal do Brasil Colônia, na
verdade, foi o primeiro grande ato da conversão tupi-guarani ao cristianismo. Ouvimos
Pero Fernandes Sardinha, o
Bispo Sardinha, falando sobre a eucaristia em seus sermões e
pensamos que precisávamos devorar
o padre para absorver o espírito redentor de Jesus Cristo. Fazíamos
isso há milênios com nossos adversários em sinal de respeito aos seus poderes
mágicos e dons divinos. Pensamos então que estávamos agradando...
6.
Santo Tomás de Aquino foge da raia
O que tinha
para falar quanto à Eucaristia coloquei na liturgia da Missa. Sendo assim,
respondo a Montaigne e a todos os detratores da Civilização Ocidental (ateus e
pagãos em geral) com as mesmas palavras que enviei ao Albani em sua postagem de
Corpus Christi em 2012 (08/06): “O ato mais específico
da fortaleza, mais do que atacar, é aguentar, isto é, manter-se imóvel em face
do perigo”.
Jorge Ben Jor – Assim falou Santo Tomás de Aquino (1975):
Legião Urbana – Índios (1992):
Clark Art Center – Baba antropofágica de Lygia Clark (1920-1988) [2012]:
Como era gostoso o meu francês – Dir. Nelson Pereira dos Santos
(1971):