180
anos de Machado de Assis
E
o solstício do INVERNO brasileiro trouxe o escritor MACHADO de ASSIS
ao universo. O Bruxo do Cosme Velho nasceu em 21 de junho de 1839 e é
o nosso maior escritor. Mas, na sua época, sendo que ele faleceu
onde sempre viveu, no Rio de Janeiro, em 1908, muita gente achava que
lhe faltava NACIONALISMO nos livros! Em 1888 o professor SÍLVIO
ROMERO (1851-1914) lhe sentou o sarrafo literário por causa disso.
Em 1908, o mesmo Sílvio acabou se retratando…
Machado
foi filho de um pintor de paredes negro com uma lavadeira que era
imigrante portuguesa. Mas foi criado mesmo por uma madrasta doceira
no Morro do Livramento, RJ. Já a madrinha que não era doceira, mas
patroa dos pais, foi quem se casou com um brigadeiro (das forças
armadas).
Começou
no mundo das letras de mansinho, estudando a língua francesa com
Madame Gallot e seu esposo, um padeiro. Depois seu grande mestre foi
o mulato Francisco de PAULA BRITO (1809-1861) que foi empregado da
Livraria Plancher e, em 1851, fundou sua própria livraria e editora
carioca. Dali, o jovem Machado foi parar na Tipografia Nacional.
Quando um alcaguete dedurou que Machado fazia corpo mole para ficar
lendo no serviço, o chefe deles na gráfica, o escritor MANUEL
ANTÔNIO de ALMEIDA (1830-1861) ficou doido de faceiro e incentivou
os escritos do Machado.
Metido
em livros e editoras, Machado aprendeu o latim, a mãe de todas as
grandes línguas modernas (português, espanhol, francês, italiano e
um pouco do inglês) com o padre SILVEIRA SARMENTO (quando morreu e
nasceu, não descobri). Além disso, entrou para um coletivo de
autores chamado IRMÃOS PETALÓGICOS ao lado de gente como JOSÉ de
ALENCAR (1829-1877) - o grande autor do século XIX brasileiro;
JOAQUIM MANUEL de MACEDO (1820-1882): primeiro autor a lançar um
livro de grande sucesso de vendagens no país - A MORENINHA (1844);
o poeta romântico CASIMIRO de ABREU (1839-1860); o pintor e poeta
gaúcho Manuel de ARAÚJO PORTO-ALEGRE (1806-1879). Todos estavam
reunidos para estudar a mentira, o causo, a lorota, nessa sociedade.
Escreveu
crônicas para jornal, ensaios, peças de teatro, até chegar ao
primeiro livro de poemas CRISÁLIDAS (1864). Com menos de 30 anos,
recebeu o ainda mais precoce poeta baiano CASTRO ALVES (1847-1871),
no RJ, como um mestre recebe ao seu aprendiz de feiticeiro.
Machado
se engraçou com a irmã do poeta português FAUSTINO XAVIER de
NOVAIS (1820-1869), começando assim seu longo casamento com a sempre
primeira leitora de seus romances: DONA CAROLINA. Outros irmãos de
Carolina, encharcados de racismo, não gostaram da mana portuguesa e
encalhada (tinha mais de 30 anos quando casou e era cinco anos mais velha que
Machado) casando com um escritor negro com crises de gagueira e
epilepsia.
Mas,
como sabemos, o que é proibido fica ainda melhor e os dois se
casaram, a gosto ou a contragosto da família da noiva, em 1869.
Curiosamente, Machado, que escreveu centenas de cartas a tanta gente
importante, como MÁRIO de ALENCAR (1872-1925), filho do José e
último discípulo de Machado, ou mesmo a JOAQUIM NABUCO (1849-1910),
uma das grandes cabeças da ABOLIÇÃO da ESCRAVIDÃO (1888), pois
bem, das cartas de Machado com a esposa, só restaram duas! Todas as
outras Machado mandou queimar pouco antes de morrer, já viúvo.
Pela
poderosa LIVRARIA GARNIER do RJ, ele lançou o seu primeiro romance:
RESSURREIÇÃO (1872). Como outros tantos gênios, Machado não
conseguia pagar as contas com sua arte, e foi do Ministério da
Agricultura da onde veio o salário para o pão e o leite e o resto
era imaginação.
Escreveu
mais de 200 contos, mas foi em 1881 que pintou seu primeiro clássico:
MEMÓRIAS PÓSTUMAS de BRÁS CUBAS. A mediocridade de um malandro
classe média; a mesquinharia das ambições de quem sonha em ser da
elite social; a estupidez da elite social brasileira. É disso que
trata o livro numa conversa entre Brás Cubas, morto, e seus vermes
no caixão.
No
mesmo ano, escreveu uma peça sobre os 300 anos da morte do poeta
português LUÍS de CAMÕES (1524-1580).
Em
1899, aparecem os “olhos de ressaca” de Maria CAPITU, a mais
famosa personagem dos livros brasileiros. Traiu com o amigo Escobar ou não traiu o seu
amor de infância Bentinho, depois de velho, chamado DOM CASMURRO,
como o mesmo nome do livro que ele protagoniza?
Eu acho que não e você?
Em
1897, com o pessoal da REVISTA BRASILEIRA, entre eles JOSÉ VERÍSSIMO
(1857-1916) e JOSÉ do PATROCÍNIO (1853-1905), Machado fundou e
liderou, por anos, a Academia Brasileira de Letras (ABL) que bem
poderia ser também a academia dos Zé e dos Joaquim… A depender
do nome de seus mentores!
Sem
Dona Carolina, que faleceu em 1904, por medicamentos errados que lhe
receitaram na farmácia (tomou veneno, praticamente), Machado lançou
os últimos livros: ESAÚ e JACÓ e MEMORIAL de AIRES. Em 1908 ele se
apagou, moído pelo tempo, mas graúdo pela ficção.
Retratou
a indignidade da escravidão e sua herança macabra: pobres contra
pobres (leia o conto “PAI contra MÃE” pra ver o que é uma
história de terror). Como já dito, a mediocridade da burguesia
nacional: em BRÁS CUBAS, QUINCAS BORBA (1891) e mesmo DOM CASMURRO
com a vileza machista do Casmurro narrador.
Machado
tratou assim da modernidade torta e colonizada dos países
colonizados. Tratou dos sentimentos humanos no meio disso tudo. Do
amargo ciúme à melancolia elegante.
Curiosamente
um dos primeiros caras a ler o Machado como gênio e gênio do HUMOR
foi o autor gaúcho ALCIDES MAYA (1878-1944): “Era um humorista.
Impressionara-o a cultura das grandes nações; adquirira uma
concepção geral do mundo, da vida e da história; ocidentalizara o
seu gênio”.
P.S.:
Agradeço aos professores Massaud Moisés, Roberto Schwarz e Silviano
Santiago pelas lições machadianas em seus livros malucos.
P.S.
2: A melhor música que já ouvi inspirado em Machado é CAPITU do
compositor LUIZ TATIT. Acima, um ensaio da mesma música no Acústico
da Maresia, realizado pelo CoV no verão de 2014.
P.S.
3: Vuuuush!
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
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