LUGAR
DE MULHER ONDE É?
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
Era
uma vez uma MULHER que dizia que havia despencado num fundo poço.
Isto aconteceu entre a segunda e uma quarta-feira do ano de 1700. Ela
trazia um balde, mas a roupa suja se extraviou pelo caminho, nessa
viagem no tempo que a jogou em 2013!
A
mulher lembrou do mapa que ganhou do seu esposo, quando casou com ele
na feira de São Roque. Muito perdida, ela deu de si e desembestou a
procurar os antigos lugares onde as mulheres da sua terra levavam a
vida.
Nessa
cidade louca, grande de capitalismo, onde foi parar, quem sabe no
século XX ou XXI, o dinheiro compra, vende, atiça, acalma e só
alguns loucos não compram, não se vendem e sem dinheiro se acalmam.
A
mulher se viu sozinha, mas foi uma menininha quem disse moça, tu tá
perdida, posso lhe ajudar? Pegue na minha mão, vamos ler esse
mapa...
Aqui
manda atalhar por uma cozinha!?! 'Cê tá com fome, moça? Eu te
mostro o forno de micro-ondas! À direita do seu mapa antigo tem um
tanque com roupa suja!?! Mas quem te deu esse mapa era um bayta de um
porcão, hein! Ainda bem que a lavanderia fica logo ali na outra
esquina. Aliás, na mesma rua da minha amiga que é tatuadora.
Com
isso tudo a viajante no tempo ficou confusa, pois não havia nada
disso lá na sua era. Ela se admirou muito com a máquina de lavar e
ouviu até o som do apito da
fiscal de trânsito. Boquiaberta ela viu nascer das nuvens um avião,
a dona aviadora inclusive lhe acenou, jogando um livro de uma moça
tal de Valentina, a cosmonauta russa que se foi pro espaço. E a
menininha lhe explicou o que é um foguete. Enquanto isso, gurias
lindas lutavam boxe, jogavam bola, no terraço alto de um edifício
quase no céu. Lá embaixo as vovozinhas protestavam, pelos filhos
mortos nos dias tristes da ditadura militar!
E
eu nem sei ler, ela disse, a camponesa antiga, e segurou o livro de
cabeça pra baixo. Não é um problema, a outra, a guriazinha do
futuro, respondeu, pois há vagas na minha escola. A professora é
muito querida, vai fazer questão de te ensinar as primeiras letras.
Na guerra até foi ela quem anotou, as últimas palavras do soldado
que morria.
Enquanto
isso pifou um carro na avenida, chamaram logo a mecânica pra
apertar as rebimbocas, os parafusos e os lalalás. Já uma skatista
voava baixo, pois o seu amigo era pai solteiro que ficou sem fraldas
para o nenê. A guriazinha se lembrou até de lhe contar, à mulher
de 1700, da sua tia que se casou com outra tia. Foi quando um
machista velho ouviu e berrou desde a esquina:
MULHER
EM FOTO SÓ SE FOR PELADA MESMO!
A
menina, gentilmente, respondeu com o seu dedo do meio e lhe jogou na
cara, na cara do machista, três belas fotografias: mostrando o
jeans rasgado de Ana Caninana, mostrando o preto véu de uma
pacifista afegã, e mostrando Carmenzita, a cadeirante que era a sua
irmã.
A
viajante no tempo saiu do poço transformadamente, pois sua mente
nova ficou em pane por algum tempo. Ela rasgou o mapa do marido com
os lugares de mulher e se foi pensando, de volta no tempo, para casa,
procurando onde é que é?
(Playlist
do Livro “Contos Pra Cantar”, #27, página 55, capítulo XI,
“Traçar planos impossíveis só pra acreditar neles”).
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