terça-feira, 2 de julho de 2019

LUGAR DE MULHER ONDE É?



LUGAR DE MULHER ONDE É?
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

Era uma vez uma MULHER que dizia que havia despencado num fundo poço. Isto aconteceu entre a segunda e uma quarta-feira do ano de 1700. Ela trazia um balde, mas a roupa suja se extraviou pelo caminho, nessa viagem no tempo que a jogou em 2013!

A mulher lembrou do mapa que ganhou do seu esposo, quando casou com ele na feira de São Roque. Muito perdida, ela deu de si e desembestou a procurar os antigos lugares onde as mulheres da sua terra levavam a vida.

Nessa cidade louca, grande de capitalismo, onde foi parar, quem sabe no século XX ou XXI, o dinheiro compra, vende, atiça, acalma e só alguns loucos não compram, não se vendem e sem dinheiro se acalmam.

A mulher se viu sozinha, mas foi uma menininha quem disse moça, tu tá perdida, posso lhe ajudar? Pegue na minha mão, vamos ler esse mapa...

Aqui manda atalhar por uma cozinha!?! 'Cê tá com fome, moça? Eu te mostro o forno de micro-ondas! À direita do seu mapa antigo tem um tanque com roupa suja!?! Mas quem te deu esse mapa era um bayta de um porcão, hein! Ainda bem que a lavanderia fica logo ali na outra esquina. Aliás, na mesma rua da minha amiga que é tatuadora.

Com isso tudo a viajante no tempo ficou confusa, pois não havia nada disso lá na sua era. Ela se admirou muito com a máquina de lavar e ouviu até o som do apito da fiscal de trânsito. Boquiaberta ela viu nascer das nuvens um avião, a dona aviadora inclusive lhe acenou, jogando um livro de uma moça tal de Valentina, a cosmonauta russa que se foi pro espaço. E a menininha lhe explicou o que é um foguete. Enquanto isso, gurias lindas lutavam boxe, jogavam bola, no terraço alto de um edifício quase no céu. Lá embaixo as vovozinhas protestavam, pelos filhos mortos nos dias tristes da ditadura militar!

E eu nem sei ler, ela disse, a camponesa antiga, e segurou o livro de cabeça pra baixo. Não é um problema, a outra, a guriazinha do futuro, respondeu, pois há vagas na minha escola. A professora é muito querida, vai fazer questão de te ensinar as primeiras letras. Na guerra até foi ela quem anotou, as últimas palavras do soldado que morria.

Enquanto isso pifou um carro na avenida, chamaram logo a mecânica pra apertar as rebimbocas, os parafusos e os lalalás. Já uma skatista voava baixo, pois o seu amigo era pai solteiro que ficou sem fraldas para o nenê. A guriazinha se lembrou até de lhe contar, à mulher de 1700, da sua tia que se casou com outra tia. Foi quando um machista velho ouviu e berrou desde a esquina:

MULHER EM FOTO SÓ SE FOR PELADA MESMO!

A menina, gentilmente, respondeu com o seu dedo do meio e lhe jogou na cara, na cara do machista, três belas fotografias: mostrando o jeans rasgado de Ana Caninana, mostrando o preto véu de uma pacifista afegã, e mostrando Carmenzita, a cadeirante que era a sua irmã.

A viajante no tempo saiu do poço transformadamente, pois sua mente nova ficou em pane por algum tempo. Ela rasgou o mapa do marido com os lugares de mulher e se foi pensando, de volta no tempo, para casa, procurando onde é que é?
(Playlist do Livro “Contos Pra Cantar”, #27, página 55, capítulo XI, “Traçar planos impossíveis só pra acreditar neles”).


Nenhum comentário:

Postar um comentário