O
DIREITO À PREGUIÇA
Já
vivemos o pleno emprego, o desemprego, o subemprego.
Há menos
de 150
anos a escravidão era legal, autorizada e permitida no
Brasil. Ela foi
abolida em 13/05 de 1888, na primeira grande mobilização nacional
do país, mesmo assim, nenhuma compensação foi concedida aos
escravos que ficaram até
o século
XXI sem-terra, sem
escola, com fome e, muitas
vezes, com raiva de
trabalhar porque
em troca receberam
chicote no lombo por 350
anos. Nesse
tempo todo, os
economistas, por sua
vez, falam em câmbio,
bolo crescer, juros,
ações, taxas, reformas, superavit primário, secundário, terciário
e jurássico. Mas eu gostaria de falar é da preguiça. E se
reduzíssemos a jornada laboral de 44h para 30h
semanais, sem perda salarial?
Alguns
empresários e conservadores empedernidos alegam que isso é
impossível, pois além dos “custos de produção” o que os
assalariados fariam com mais tempo livre? Bobagens, na certa, dizem
eles. Ainda que a depender da própria
burguesia a gente deva
mesmo é gastar mais um pouco do
nosso salário (ou
melhor, do nosso
tempo de vida) com
bugiganga pop,
badulaques eletroeletrônicos, com
bebida, pornografia
e entretenimento (fútil?). Ora,
e se lembrarmos do ensinamento marxista de que as máquinas, a
tecnologia e a ciência
devem nos servir e não nós
servirmos a elas? Taí,
leitor, porque alguns
que detestam os livros
marxistas. O pior:
Carlito Marx também
perguntou isso lá em 1848: qual a herança do capital, ou seja, quem
é dono das terras, das máquinas, dos bancos? E perguntou igualmente
qual a herança de quem só tem o salário, ou melhor, o tempo de sua
vida, para sobreviver e
deixar para os
filhos?
Há
10 mil anos a humanidade conhece o trabalho agrícola e artesanal
(familiar ou escravo).
Desde 1800 as fábricas capitalistas
tomaram conta do mundo
com as suas máquinas automáticas e revoluções industriais. Para
cada novo operário moderno
de macacão azul que
veio do campo para viver com muita
graxa na cidade,
um outro
assalariado veio para um
escritório de colarinho branco, para
um comércio. Tem ainda
o trabalhador do serviço público: educadores, médicos, artistas,
profissões tão velhas quanto o vinho, a poesia e a religião. Mas o
Brasil só foi conhecer sindicatos e uma greve de verdade depois de
1917! Assim como, nossa Carteira de Trabalho (CLT) pintou só em 1943
no morde e assopra
do presidente Getúlio Vargas, napoleão de São Borja que se matou
em 1954 de vergonha da vergonha que é a burguesia brasileira.
Pois
bem, o meu amigo, o jornalista espírita Almada Alves, em recente
sessão mediúnica, recebeu a alma do saudoso pensador Paul
Lafargue (1842-1911) autor do livro “O
direito à preguiça” (1880). O velho sábio, e um
tanto quanto satírico, foi casado com Laura Marx (1845-1911),
filha de Karl Marx (1818-1883), ele comentou
sobre o Brasil contemporâneo: “Camaradas brasileiros, vocês
continuam trabalhando, com ou sem carteira assinada, feito burros de
carga. E a maioria de vocês em profissões que não lhes agrada.
Então o que mudou da minha época pra cá? Agora, mesmo nas horas de
folga, em seu tempo 'livre', cada vez menor, todos estão sempre
‘naquela correria’ e a burguesia lhes diverte com pão e circo
pop-tecnológico-fofoqueiro, quando vê com baixaria mesmo, eu diria.
Muitas pessoas acham isso o máximo, porque não tem como ser
diferente, dizem elas, querendo mais do mesmo, querendo ser que nem
nos EUA... Falando em EUA, o próprio escritor americano do norte
Edmund Wilson escreveu em 1940, num livrinho irado (“Rumo à
Estação Finlândia”) sobre as ideias que fizeram a cabeça do
mundo, desde a Revolução Francesa de 1789 contra os reis, até a
Revolução Russa de 1917, disse o Edmundo naquele livro que,
aumentando um pouco o salário, com muita briga sindical e greve e o
escambau, o operário já sai comprando carro a prestação,
geladeira, micro-ondas, paga aluguel e casa na praia. Até aí,
nenhum problema, só que nessa vida à prestação que vai levando,
começa a sentir uma coceira de que os direitos trabalhistas
conquistados na marra e com paciência de Jó viraram coisas eternas,
muito embora não tenha nada além do salário no fim do mês, ele
concluiu também que virou gente da classe média. Uau! Daí vem o
medo da pobreza, ou melhor, dos pobres que lhe arrodeiam: os
herdeiros da escravidão e do racismo machista, ou seja, aquelas
pessoas das favelas e vilas que não viraram classe média, ou pior,
que, ainda por cima, viraram bandidos, na melhor das hipóteses,
viraram vagabundos... Daí vem uma grande dose do conservadorismo
político e de toda a tremenda falta de consciência de classe entre
os assalariados”.
“As
reclamações, continua o fantasma de Lafargue, de um consumidor
insatisfeito vão na proporção inversa da consciência da classe
trabalhadora. Mas mesmo se achando outra coisa, que não totalmente
um pobre (porque agora classe média), muito menos um rico (pois que
não é famoso, embora também deseje ostentar grandezas; pois que
não consegue sonegar o imposto de renda, embora bata panelas contra
a corrupção), apesar disso tudo, vivem deprimidos, os trabalhadores
heroicamente mutantes da classe média, humildemente pobres na hora
de se lamentar da política, mas grosseiramente ricos nos desejos de
consumo, vivendo deprimidos, para não dizer paranoicos, em fábricas,
escolas e escritórios. Talvez menos nas sextas-feiras e feriados
nacionais pois que daí não pega bem estar por baixo”. Eita.
E
quanto à redução da jornada diária de trabalho? Paul Lafargue é
totalmente a favor. Haveria mais emprego, entenda-se, renda para
todos. Mas todos, ao mesmo tempo, dividiriam mais os seus fardos
desta condição inventada que é viver para trabalhar. Assim como,
teríamos mais tempo longe do trabalho para tentarmos sair da
caixinha que vamos todos encaixotados. Afinal, as máquinas estão aí para produzirem a quase tudo o que precisamos, não é
mesmo?
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)