KAMKWAMBA
e a LUZ ELÉTRICA de VENTO
O
jovem engenheiro eletricista William Kamkwamba nasceu no Malawi em
1987. E aos 21 anos publicou autobiografia pela editora
HarperCollins, a quatro mãos com o repórter, rodado em África,
Bryan Mealer. No meio de uma seca desgraçada, com a fome matando sua
aldeia, pois não sobrou uma espiga de milho em pé, o menino
Kamkwamba encontrou alimento ao domar o vento africano para fazer a
luz, que não havia, na sua casa sertaneja. Como ele disse, a
humanidade vive em luta contra a escuridão e a fome…
Kamkwamba
virou palestrante global do projeto TED (Tecnologia, Entretenimento e
Desenho) da Fundação Sapling, na ativa desde 1984 nos EUA e no
mundo, com seu moinho de vento artesanal, mas antes disso foi
recebido com ceticismo pelos pais e pelo povoado Wimbe onde cresceu.
Curiosamente, e Kamkwamba aborda gentilmente isso por todo o seu
livro, o mesmo povo que era cético com o moinho de um garoto, era
também bastante crente com as suas lendas antigas e com o poder
mágico do vodu de seus feiticeiros, assim como, bastante crente com
as igrejas cristãs plantadas no Malawi por colonizadores portugueses
em 1600 e por missionários ingleses em 1889.
Se
você especular o mapa do Malawi verás que o país fica na trifuca
da África que vai do centro ao leste do continente mãe de todos os
outros continentes. As terras baixas dos banhados, onde prevalecem
meia dúzia de povos diferentes, penetram por entre o Moçambique; já
as terras altas é onde fica o enorme lago Malawi e onde nasce o rio
Shire, ladeado pelas montanhas Dowa. Na parte Norte é de onde veio
nosso herói, e onde os Chewa são o povo principal, que já tiveram
incontáveis tretas com os vizinhos do povo Yao, povo africano adepto
do islamismo. O Cristo tirou o Papa(i) de Kamkwamba das bebedeiras e
das brigas de bar.
Só
para constar, colônia inglesa até 1964, o Malawi e seus quase 20
milhões de malauianos foram governados pelo presidente perpétuo
Hastings Banda que governou entre 1966 e 1994. Um homem bruto, um
minerador também formado médico, que dava uns safanões na
oposição, porém subsidiava bastante a agricultura local. E o
Malawi, incluindo a capital, Lilongwe, é país agrícola: das
espigas de milho e dos rolos de fumo do tabaco. Os pais de Kamkwamba
até se meteram a vendedores nas feiras do lago que dá nome ao país,
na juventude, ou na crise de fome, durante a seca de 2001, mas eles
são lavradores desde sempre. Kamkwamba, único menino entre muitas
irmãs, pegou do cabo da enxada e isso ele relata muito bem trazendo
os calos do trabalho milenar no campo. Durante o inverno, arar a
terra, limpar o solo. Entre dezembro e janeiro, com as chuvas de
verão, vem o plantio. Em maio, a colheita. O que não aconteceu com
a seca catastrófica de 2001. Enquanto isso, o presidente da época,
Bakili Muluzi, pareceu não levar tão a sério o drama da falta das
chuvas e o seu governo, por omissão, favoreceu a desgraceira da
fome. E da cólera que veio com a fome e as águas infectadas.
Se
vocês me perguntarem qual música se escuta no Malawi eu diria o
reggae, na voz de Robert Fumulani, e o pop, na voz de Billy Kaunda
(que também é político)! Assim como, eles comem um churrasco,
chamado kanyenya, embora a carne seja um luxo de Natal; tanto que,
para aplacar a fome de carne, Kamkwamba caçava com seu cão os
passarinhos na mata de eucaliptos; o feijão e arroz do Malawi é um
tipo de polenta, a nsima; tocam tambores chiwoda; jogam bawo nos
tabuleiros do mercado e ouvem bastante rádio, sendo as duas maiores
estações de rádio, propriedade do governo. A comunidade de
Kamkwamba não tem um prefeito, mas um chefe, um sábio conselheiro e
líder que, aliás, quando foi pedir ajuda, num comício do
presidente eleito, após três décadas do reinado de Banda, o chefe
da aldeia saiu surrado pela milícia do magnata...
Mas
como é que o Kamkwamba virou engenheiro, tão novinho? Ora, homem
prático, aprendeu os princípios da eletrônica e da elétrica
desmontando rádios velhos. E perguntando a motoristas e
caminhoneiros como funciona um motor ou até um aparelho leitor de
CD´s! Porém, o seu pulo do gato, sua eureka científica, foi
conhecer o dínamo da bicicleta para acender faróis. Numa crise, nos
ensina Kamkwamba, precisamos de um milagre ou de uma boa ideia. A
crise estava dada com a seca e a fome; a fuga de uma irmã para se
casar com o professor e diminuir o número de bocas da família
faminta; a boa ideia também estava dada: era a luz elétrica. Aliás,
um aparte pessoal nesta croniquinha: minha Mamica sempre contava de
quando saiu da roça em Caraá e Santo Antônio da Patrulha da emoção
vendo a cidade de Porto Alegre acesa à noite pela luz elétrica.
Seus olhos verdes nunca esqueceram da beleza da noite elétrica de
uma cidade que se industrializava em 1966. Fim do aparte.
Os
capítulos da seca e da fome nos entortam a consciência e lembram de
livros brasileiros como O Quinze de Rachel de Queiroz (escrito quando
ela tinha 20 aninhos também) ou Vidas Secas de Graciliano Ramos.
Desgraçadas e tristes são as cenas em que Kamkwamba sacrifica seu
cusquinho desnutrido assim como quando Fabiano mira a espingarda e
acaba com os sofrimentos da cadela Baleia nas Alagoas de 1938…
Para
chegar na escola secundária mais próxima, o herói Kamkwamba tem de
caminhar 40 minutos. Mesmo assim, ele fica pouco tempo nesse colégio,
pois seu pai não tem grana para pagar as mensalidades. Além do que,
era exigido exame admissional para cursar o ensino médio. Bem, entre
o cabo da enxada e os sonhos da luz elétrica, Kamkwamba descobriu a
biblioteca da escola primária, explicando melhor, uma biblioteca
social ou comunitária, mas que ficava no prédio do coleginho. Ali
estudou os raios solares de Arquimedes refletidos para queimar os
barcos romanos em Siracusa, na Grécia Antiga, e principalmente,
estudou os ímãs, o eletromagnetismo, os fios, as bobinas, os
circuitos, transformadores, disjuntores, correntes alternadas,
correntes contínuas, bombas hidráulicas. No ferro velho, ao lado da
escola secundária, encontrou a matéria-prima para seu artesanato
feito de ventos, faíscas, choques, tudo em busca da claridade. Os
mecenas para arranjar os parafusos, arruelas, anilhas e porcas foram
os dois melhores amigos: Gilbert, filho do chefe da aldeia; Geoffrey,
um primo, filho do tio John, que faleceu e apresentou os silêncios
da morte a Kamkwamba antes mesmo da vinda da seca.
Sim,
o guri conseguiu fazer a luz alumiar o seu quarto, para ler depois
das 19h e poupar o dinheiro gasto pelos pais na querosene das
lamparinas. Depois ele montou um esboço de moinho no pátio da
escola e virou notícia na imprensa do país. Alguns homens sem
viseiras que atuavam no serviço público do Malawi identificaram seu
talento e o levaram para o TED na Tanzânia e, depois de suas
entrevistas e palestras por lá, ele espalhou lâmpadas através da
energia eólica pelo seu bairro. Até implantou um poço com bombas
elétricas para irrigar a roça do pai duas vezes por ano. Foi viajar
pelos EUA (Nova York, Los Angeles e Las Vegas). Se perdeu na
biblioteca da imaginação humana de Jay Walker que, entre livros
raros, e milhares de obras consagradas, guarda como lustre o satélite
Sputnik dos russos e um computador Enigma de Alan Turing, que ajudou
a derrotar os nazistas em 1945.
O
livro se encerra com Kamkwamba numa fazenda de ventos no sul da
Califórnia. Vou convidá-lo para ir visitar os cataventos de Osório,
Palmares, Cidreira e Tramandaí. Torço para que ele encontre algum
tempo na sua agenda. Nossos ventos assobiam tristezas parecidas com
as do Malawi.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)
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