terça-feira, 30 de abril de 2019

O DIREITO À PREGUIÇA



O DIREITO À PREGUIÇA

Já vivemos o pleno emprego, o desemprego, o subemprego. menos de 150 anos a escravidão era legal, autorizada e permitida no Brasil. Ela foi abolida em 13/05 de 1888, na primeira grande mobilização nacional do país, mesmo assim, nenhuma compensação foi concedida aos escravos que ficaram até o século XXI sem-terra, sem escola, com fome e, muitas vezes, com raiva de trabalhar porque em troca receberam chicote no lombo por 350 anos. Nesse tempo todo, os economistas, por sua vez, falam em câmbio, bolo crescer, juros, ações, taxas, reformas, superavit primário, secundário, terciário e jurássico. Mas eu gostaria de falar é da preguiça. E se reduzíssemos a jornada laboral de 44h para 30h semanais, sem perda salarial?

Alguns empresários e conservadores empedernidos alegam que isso é impossível, pois além dos “custos de produção” o que os assalariados fariam com mais tempo livre? Bobagens, na certa, dizem eles. Ainda que a depender da própria burguesia a gente deva mesmo é gastar mais um pouco do nosso salário (ou melhor, do nosso tempo de vida) com bugiganga pop, badulaques eletroeletrônicos, com bebida, pornografia e entretenimento (fútil?). Ora, e se lembrarmos do ensinamento marxista de que as máquinas, a tecnologia e a ciência devem nos servir e não nós servirmos a elas? Taí, leitor, porque alguns que detestam os livros marxistas. O pior: Carlito Marx também perguntou isso lá em 1848: qual a herança do capital, ou seja, quem é dono das terras, das máquinas, dos bancos? E perguntou igualmente qual a herança de quem só tem o salário, ou melhor, o tempo de sua vida, para sobreviver e deixar para os filhos?

Há 10 mil anos a humanidade conhece o trabalho agrícola e artesanal (familiar ou escravo). Desde 1800 as fábricas capitalistas tomaram conta do mundo com as suas máquinas automáticas e revoluções industriais. Para cada novo operário moderno de macacão azul que veio do campo para viver com muita graxa na cidade, um outro assalariado veio para um escritório de colarinho branco, para um comércio. Tem ainda o trabalhador do serviço público: educadores, médicos, artistas, profissões tão velhas quanto o vinho, a poesia e a religião. Mas o Brasil só foi conhecer sindicatos e uma greve de verdade depois de 1917! Assim como, nossa Carteira de Trabalho (CLT) pintou só em 1943 no morde e assopra do presidente Getúlio Vargas, napoleão de São Borja que se matou em 1954 de vergonha da vergonha que é a burguesia brasileira.

Pois bem, o meu amigo, o jornalista espírita Almada Alves, em recente sessão mediúnica, recebeu a alma do saudoso pensador Paul Lafargue (1842-1911) autor do livro “O direito à preguiça” (1880). O velho sábio, e um tanto quanto satírico, foi casado com Laura Marx (1845-1911), filha de Karl Marx (1818-1883), ele comentou sobre o Brasil contemporâneo: “Camaradas brasileiros, vocês continuam trabalhando, com ou sem carteira assinada, feito burros de carga. E a maioria de vocês em profissões que não lhes agrada. Então o que mudou da minha época pra cá? Agora, mesmo nas horas de folga, em seu tempo 'livre', cada vez menor, todos estão sempre ‘naquela correria’ e a burguesia lhes diverte com pão e circo pop-tecnológico-fofoqueiro, quando vê com baixaria mesmo, eu diria. Muitas pessoas acham isso o máximo, porque não tem como ser diferente, dizem elas, querendo mais do mesmo, querendo ser que nem nos EUA... Falando em EUA, o próprio escritor americano do norte Edmund Wilson escreveu em 1940, num livrinho irado (“Rumo à Estação Finlândia”) sobre as ideias que fizeram a cabeça do mundo, desde a Revolução Francesa de 1789 contra os reis, até a Revolução Russa de 1917, disse o Edmundo naquele livro que, aumentando um pouco o salário, com muita briga sindical e greve e o escambau, o operário já sai comprando carro a prestação, geladeira, micro-ondas, paga aluguel e casa na praia. Até aí, nenhum problema, só que nessa vida à prestação que vai levando, começa a sentir uma coceira de que os direitos trabalhistas conquistados na marra e com paciência de Jó viraram coisas eternas, muito embora não tenha nada além do salário no fim do mês, ele concluiu também que virou gente da classe média. Uau! Daí vem o medo da pobreza, ou melhor, dos pobres que lhe arrodeiam: os herdeiros da escravidão e do racismo machista, ou seja, aquelas pessoas das favelas e vilas que não viraram classe média, ou pior, que, ainda por cima, viraram bandidos, na melhor das hipóteses, viraram vagabundos... Daí vem uma grande dose do conservadorismo político e de toda a tremenda falta de consciência de classe entre os assalariados”.

“As reclamações, continua o fantasma de Lafargue, de um consumidor insatisfeito vão na proporção inversa da consciência da classe trabalhadora. Mas mesmo se achando outra coisa, que não totalmente um pobre (porque agora classe média), muito menos um rico (pois que não é famoso, embora também deseje ostentar grandezas; pois que não consegue sonegar o imposto de renda, embora bata panelas contra a corrupção), apesar disso tudo, vivem deprimidos, os trabalhadores heroicamente mutantes da classe média, humildemente pobres na hora de se lamentar da política, mas grosseiramente ricos nos desejos de consumo, vivendo deprimidos, para não dizer paranoicos, em fábricas, escolas e escritórios. Talvez menos nas sextas-feiras e feriados nacionais pois que daí não pega bem estar por baixo”. Eita.

E quanto à redução da jornada diária de trabalho? Paul Lafargue é totalmente a favor. Haveria mais emprego, entenda-se, renda para todos. Mas todos, ao mesmo tempo, dividiriam mais os seus fardos desta condição inventada que é viver para trabalhar. Assim como, teríamos mais tempo longe do trabalho para tentarmos sair da caixinha que vamos todos encaixotados. Afinal, as máquinas estão aí para produzirem a quase tudo o que precisamos, não é mesmo?
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

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